ANINHA DA PRAIA - capítulo 09

Cirilo acordou em seguida e abriu um largo sorriso ao me ver. Não era fácil enxergá-lo como um ser híbrido, missionário, com capacidade sobrehumana, quando o tinha em minha companhia, assim, tão meigo e quieto; inda mais se fosse levar em conta todos os anos vividos desde seu nascimento, acompanhando seu desenvolvimento, de bebê a criança, e desta para a adolescência. Agora, apesar da idade tenra, parecia já um adulto, não só pelo que ouvira da estranha mulher das profundezas marítimas, mas também porque ele não agia, exatamente, como um garoto de sua idade. Era centrado, extremamente estudioso, conhecia de tudo um pouco (ou muito), não aparentava ter qualquer vício, tinha dieta vegetarista e se alimentava com frugalidade. Vi vários rapazes e garotas, seus colegas, tentarem imitar seus costumes, crendo que isso os deixaria com o mesmo porte atlético que ele apresentava.

- Tio. Quero lhe fazer um pedido muito importante.

- Desembuche.

- A partir de agora, usarei esta casa esporadicamente, como um refúgio, mas terei de me manter em trânsito por vários lugares, para cumprir o que me foi confiado. Eu gostaria que o senhor me acompanhasse e me desse o suporte necessário, para me deixar mais seguro.

- É muita informação de uma vez só. Vai viajar para onde? Para cumprir o quê?

- Só saberei meu destino minutos antes de me deslocar e sempre terei de resolver algo que esteja ao meu alcance, de acordo com a análise dos mentores de Usaano.

- Como pretende se deslocar para outros lugares, sem dinheiro ou documentos?

- Vou lhe mostrar.

Pegou minha mão e fechou os olhos. Imediatamente, senti um formigamento no corpo e vi que ambos estávamos translúcidos, quase transparentes. Num pequeno impulso, projetou-se para cima, me levando junto, através do teto, para muito acima das nuvens; dalí em diante a velocidade aumentou até se tornar incalculável, e quando voltamos a pairar em velocidade de cruzeiro, que permitisse alguma visualização, avistei a torre Eiffel. Estávamos em Paris!

Diante de minha pasmaceira, ele explicou que podia se locomover para qualquer local do planeta, em velocidade altíssima, sem ser detectado por pessoas ou instrumentos; que tinha outras habilidades, para usar na solução dos problemas a enfrentar, mas não conseguia agir ou pensar como um humano comum, contando comigo para auxiliá-lo nesse particular.

Eu tinha minha vidinha estruturada, com um emprego meio besta, mas que me mantinha em dia com as contas, poucos amigos, com os quais, raramente, saía para um cinema, teatro, excursão ou outra aventurinha barata e rápida; mas meus compromissos, mesmo que chatos e banais, tinham mais identificação com a realidade deste mundo que eu sempre conheci, do que os relatos que ouvira daquela “mulher” e do que vivenciava agora com meu sobrinho. Eu tinha a impressão de ter entrado, de um jeito meio louco, numa aventura de super herói de gibi, e ainda que estivesse vivenciando toda a maluquice, ainda que amasse e confiasse, cegamente, em meu sobrinho, como me desconectar do que vivia e passar a viver o que ele exibia?

Ele me garantiu que ninguém saberia quem éramos, nos lugares onde agíssemos, pois poderia alterar nossas aparências; que eu poderia abandonar meu emprego, porque não nos faltaria meios de sustento, já que suas habilidades seriam suficientes para isso e muito mais; e disse que teríamos períodos curtos de repouso e contato com meus pais e alguns amigos, para manter o status anterior. Ele parecia ter lido minha mente. Na verdade, ele a leu, realmente, e ainda me solicitou que me mudasse para sua casa, pois diríamos a seus avós que Breno e Ana passariam a trabalhar com turismo, viajando muito e voltando, ocasionalmente.

Enquanto eu tentava fazer minha cabeça mastigar toda a história, ele me puxou para o alto da torre, e sorrindo, apontava lugares, paisagens e coisas pitorescas, tentando me agradar ou acalmar, sei lá. Eu me sentia como aqueles ajudantes de heróis dos quadrinhos, que não possuem nenhum superpoder, mas são arrastados junto com os protagonistas, costumam ser desajeitados e estão sempre se metendo em encrenca. Naquele momento eu também achava que estava prestes a me encrencar, de algum modo que ainda não conseguia entender direito, mas quem, em sã consciência, poderia se recusar a viver algo tão singular?

Não sabia o que viria a seguir, mas certamente a vida nunca mais seria a mesma.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 30/08/2015
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