ANINHA DA PRAIA - capítulo 08

Aqueles enormes e estranhos seres, por não possuírem boca e nariz, não exibiam seu estado de ânimo, mas algo fluía deles para nós, algo que não sei definir, agradável, ondulante e suave como o ritmo da maré, que nos embalava. Eu e Cirilo continuávamos na bolha, que eles atraíam (não sei como), fazendo com que penetrássemos naquele amontoado de prédios submersos, cuja aparência lembrava pedras preciosas e metal escovado, em formas cilíndricas e cônicas, com esferas entremeadas. Eram altos, muito mais altos que os maiores edifícios que temos na superfície; e muito mais bonitos, também. Todos se intercomunicavam por apêndices transparentes, como passarelas, ou grandes túneis opacos, onde deveriam trafegar veículos.

Cirilo estava absorto, e logo a seguir entendi que isso se devia ao contato mental que mantinha com nossos anfitriões. Embora não tivéssemos entrado em nenhuma edificação, a bolha pousou em uma plataforma e se desfez. Quando me vi desprotegido e exposto, achei que a pressão e a massa líquida me liquidariam, mas, espantosamente, havia ar, ambiente adequado e nenhum resquício de água, nem mesmo umidade. Toda a plataforma foi envolvida por uma cúpula protetora, e os seres se dispuseram em torno, do lado de fora, observando.

Enquanto meu sobrinho se refazia do transe mental, não percebemos, de imediato, que junto a nós se materializava um ser, que parecia um meio termo entre aqueles que ali viviam e nós. Aliás, parecia uma mulher, com formas delicadas, olhos quase humanos, boca bem fina, mas ainda translúcida e luminosa, cujas mãos e pés lembravam as membranas da água viva.

- Sejam bem vindos a este núcleo de estudos do povo de Usaano.

- Por que só você tem boca e fala? Onde fica Usaano?

- Adaptei, temporariamente, este corpo, para que nossa comunicação fluísse melhor.

- Grato por isso, mas parece que meu sobrinho consegue ouvir seus pensamentos.

- É verdade! Porém, queríamos que você soubesse de nossas intenções, sem precisar da intermediação de Cirilo. Usaano é o nome de um sistema, formado por dois planetas e três satélites, que abrigam nossa civilização, ambientada em oceanos profundos, cuja atmosfera é levemente mais intensa do que a que aqui temos, e fica num recanto distante desta galáxia.

- E o que fazem na Terra?

- Existem aqui outros povos, de diferentes paragens da galáxia, de natureza diversa, que como nós, fazem parte de uma federação trans civilizacional, empenhada em formar grupos avançados de estudo e auxíllio a outras civilizações, ainda em fase de desenvolvimento menos sublimado, em períodos de turbulência planetária generalizada.

- De que turbulência você está falando?

- Este orbe está entrando em uma fase de adaptação geofísica, que provocará intensos cataclismos, entre outros fenômenos, igualmente transformadores. Essa transição ocupará um período de mais algumas décadas, em que devemos usar nosso conhecimento e teconologia para tentar ajudar, sem interferir no livre arbítrio de sua gente.

- Difícil entender e aceitar. Por que está me contando isso tudo?

- Cirilo foi gerado, a partir de um de nós e um humano. É uma criatura híbrida, que pode viver entre vocês, mas possui capacidade de realizar trabalhos, que seriam impensáveis para humanos. Como ele, há outros mais, espalhados por todo o planeta, que agirão na superfície, nas horas mais difícies para a humanidade, enquanto nós estaremos nas profundezas, fazendo o possível para impedir que as águas dos oceanos provoquem destruição além do previsto.

- E quanto à minha irmã e meu cunhado? Não voltarão mais à superfície?

- Em breve estarão com vocês, mas terão uma missão mais importante, que exigirá sua continuada ausência da vida cotidiana que levam na superfície.

- Por que? O que vão fazer e como?

- Saberá de tudo no tempo certo, bom homem. Por ora se acalme e asserene a mente.

Suas últimas palavras me fizeram adormecer, mas só percebi isso quando acordei, já na casa de Ana, acomodado num pufe, com Cirilo ressonando num colchonete, ao lado. Tive um primeiro impulso de acreditar que fora tudo um sonho ou delírio, mas senti um calor na palma da mão, e quando a abri, vi uma luz azulada, que parecia atravessar a pele, formando a face daquela estranha mulher, que sorria e dizia, repetidamente: - Creia! Foi real.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 25/08/2015
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