ANINHA DA PRAIA - capítulo 07

Enquanto, embevecido e pasmo, eu admirava a vista em torno da bolha em que eu e Cirilo estávamos inseridos, ele se aproximou e, pegando novamente em minha mão, pediu que me deitasse. Nào ofereci resistência e, ao largar meu corpo naquele piso estranho e totalmente transparente, senti um conforto que não esperava. Além da maciez, havia uma movimentação, talvez acompanhando o fluxo da massa de água exterior, mas de conformidade branda, suave, que induzia ao relaxamento. E foi o que meu sobrinho me pediu: - Relaxe, tio!

Ele sentou ao meu lado e passou a relatar um aspecto, que talvez eu tenha de definir como metafísico, do histórico que envolvia ele próprio, seu padrasto, seu pai e sua mãe. Iniciou a explicação, contando que sua mãe, embora natural de outro orbe e de uma espécie de seres que habitavam o meio líquido, foi gerada, propositalmente, com uma alteração genética, a fim de que pudesse copular com um humano terreno e conceber um filho híbrido (que seria ele). O seu companheiro, designado pelo conselho de seu povo (Breno), embora também tenha sido gerado com alterações, não foi tão modificado quanto ela, pois sua missão seria acompanhá-la e dar suporte ao seu filho, até que este estivesse em condições de agir autonomamente.

Ana deveria ter sido entregue a uma família, previamente preparada, para que pudesse ser criada como humana, mas quando o casal designado foi buscá-la, um bando de malfeitores os atacou e assassinou, só depois verificando haver um bebê no veículo. Retiraram-na dali e a puseram na beira da praia, onde foi achada pelo jornaleiro. Mesmo com a mudança imprevista, Aninha seguiu a programação mental que sua mente carregava, e ainda que se sentisse só e fragilizada, não se afastou do ideal estabelecido, elegendo, na idade adequada, um elemento humano que pudesse gerar, em conjunto consigo, um corpo bastante saudável, que abrigaria a mente de seu filho, o ser híbrido que teria uma missão importantíssima num breve futuro. Ao perceber-se grávida, tratou de contatar, mentalmente, seu companheiro de espécie e com ele iniciou um convívio, que aos olhos da sociedade humana, se configuraria como conjugal.

Cirilo mencionou um detalhe, do qual eu não tinha lembrança. O parto de Aninha foi feito por Breno, em casa, sem a presença de qualquer outra pessoa. Eu e meus pais nunca ficamos sabendo disso, e lembro que ao perguntar detalhes, minha irmã sempre dizia sentir dores, o que imagino ter sido pura representação, desvirtuando o assunto.

Meu sobrinho confirmou ser somente meio humano, ou híbrido. Para poder viver e agir entre humanos, perdera a capacidade de viver nas profundezas líquidas, mas estava prestes a desenvolver habilidades que o capacitariam a realizar grandes prodígios. Não me explicou que tipos de habilidades ou prodígios, mas revelou que sabia estar nosso planeta em vias de sofrer vários abalos e outros grandes eventos catastróficos, e que isso duraria vários anos. Ao longo desse tempo, grande número de pessoas sofreria todo tipo de aflição, e sua missão principal seria prover locais seguros, para o maior número de indivíduos possível.

Perguntei como ele ou os seres que habitavam aquelas edificações que eu admirava, e que teriam vindo de um orbe longínquo, sabiam desses eventos e por que queriam proteger os humanos. Ele falou que muitos povos, de planetas e sistemas mais adiantados, tinham contato com formas de vida mais evoluídas ainda, que já não tinham forma, nem estavam inseridas no contexto de tempo e espaço em que nós (humanos) e eles ou outros povos ainda viviam. Disse que tais formas de vida conheciam as origens e destinos de muitas humanidades, interagindo com algumas civilizações pouco mais adiantadas, e capacitando-as a auxiliarem outras, menos evoluídas, em determinadas situações e aspectos, inclusive antecipando fatos importantes.

Naquele momento do relato, um silêncio mais prolongado fez com que me desligasse do foco em Cirilo, e pude verificar que muitos seres, de feição levemente humana, gelatinosos e translúcidos, como as medusas, enormes e de olhos muito vivos, cercavam nossa bolha. Eram dezenas, todos fixados em nós. Meu sobrinho sorria para todos e fechava os olhos, parecendo sentir algum prazer que eu não conseguia entender. Olhou para mim, em seguida, e disse:

- Tio! Eles estão nos saudando e desejando que minha missão seja profícua. Pediram que o senhor me faça companhia, pois minha mãe e meu padrasto, a partir de agora, estarão muito pouco comigo. Disseram confiar em seus sentimentos e que nos ampararão dentro do que for possível. Sabem de suas dúvidas e receios, mas asseguram que em breve você saberá tudo que deseja e poderá entender um pouco melhor aquele a quem chama de Deus.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 19/08/2015
Reeditado em 25/08/2015
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