ANINHA DA PRAIA - capítulo 05

Naquele dia em que os vi meditando e flutuando, assustei-me tanto, que fui embora.

Apesar de estar, razoavelmente, acostumado às manifestações sobrenaturais de Ana, era complicado encarar todos os três, principalmente a criança, fazendo tais estrepulias.

O episódio ocorreu há cerca de um ano, e passados dois meses, em que evitei visitá-los, Breno me convidou para um almoço dominical. Pediu-me para chegar logo pela manhã, para que tivéssemos bastante tempo para conversar, e mesmo que ainda me sentisse incomodado, atendi ao convite e já estava presente às nove da matina. Quando bati à porta, Cirilo disse que entrasse, pois estava aberta; e quando penetrei na penumbra, que envolvia a sala, estavam os três sentados, num pufe comprido, me olhando fixamente e sorrindo. A primeira impressão que tive, foi a de que estivessem vestindo a mesma roupa de quando lá estive pela última vez, mas imaginei que isso fosse bobagem ou apenas coincidência.

Aninha levantou e veio me abraçar. Levou-me até uma cadeira, posicionada de frente para todos, e voltou a sentar junto com os outros dois. Breno tomou a iniciativa de esclarecer.

- Por favor, Gabriel, não se sinta tão perturbado por agirmos diferente da maioria.

- Diferente é um termo que explica muito pouco, Breno.

- Pois bem! Você acredita que a vida se resume a este corpo físico?

- Creio que não, mas além dele nada vejo ou sinto, então é a única realidade que tenho.

- E se pudesse sentir algo mais?

- Do que você está falando?

- Estenda seus braços e olhe bem para suas mãos. Fixe seu olhar nelas por um tempo.

Fiz como ele pediu, e por um minuto ou mais um pouco, nada ocorreu. Já estava quase desistindo de continuar, quando percebi uma cintilação na ponta dos dedos. Olhei com mais apuro e, de repente, vi duas mãos luminosas saírem das minhas. Assustei tanto, que caí no chão, mas ao levantar me deparei comigo mesmo ainda sentado na cadeira. Eu estava em pé, meio luminoso e translúcido, como um fantasma, e também sentado na cadeira, do jeito que sempre fui, até aquele instante. Só que aquele meu corpo estava rijo, olhos estatelados.

Os três olhavam para mim e não para meu corpo físico. Quando perguntei o que ocorria, responderam que apenas saíra da carcaça, coisa que eles faziam corriqueiramente, e poderia voltar quando quisesse. Pediram que eu não tivesse medo e, sem me dar tempo de assimilar o fenômeno, também emergiram de seus próprios corpos, me fazendo companhia. Até Cirilo, que ainda era um adolescente, demonstrava domínio completo sobre a situação, e me envolvendo num abraço, me levou a flutuar porta afora, com o agravante de que para isso, atravessamos o teto da casa, sem sentir absolutamente nada. Faltou pouco para meus olhos saltarem.

Voávamos, ou como eles diziam, volitávamos sobre as casas, o mar, as colinas. Tenho de reconhecer que era algo delicioso de se fazer, apesar de amedrontador. Após um bom vôo, pousamos numa campina, no alto de um morro desabitado, e lhes perguntei como conseguiam fazer algo que nunca vira outra pessoa fazer. Breno se aproximou, tocou com ambas as mãos em minhas têmporas, e pediu que olhasse em volta. Até onde a vista alcançava, pude observar centenas, talvez milhares de outras pessoas, na mesma condição nossa, volitando pra lá e pra cá, por todo o espaço circundante. Eu já nem sequer sabia o que perguntar.

- Se tanta gente consegue tal proeza, por que isso ainda é desconhecido da maioria?

- São muitos os semelhantes que ainda acreditam em feitiço e demônios, Gabriel.

- E isso atrapalha, de alguma forma?

- Quando muitos se juntam, o resultado pode ser bom ou ruim, mas é significativo.

- Você quer dizer que podem agredir ou injuriar os que fazem isto?

- Para defender suas crenças pessoais, podem se tornar agressivos.

Eu tinha de lhe dar razão. Comecei a curtir aquela coisa toda, mas Aninha me advertiu que havia muito a ser dito e descoberto, e que eles estavam empenhados em me por a par de tudo que lhes dizia respeito. Eles me levaram ali, daquele jeito, como preâmbulo preparatório das explicações, que eram radicalmente fantásticas. Já perdera o medo, e estava até curtindo.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 12/08/2015
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