amelie foi embora I
quinta feira, 13. O despertador tocou às 7:12, e eu caí da cama. Levei uns segundos pra recordar aonde eu estava e lembrei que tinha uma entrevista de emprego. Fui andando até o banheiro, ainda meio grogue, e encarei o meu reflexo pálido no espelho. Palidez era uma das minhas qualidades, pelo menos pra mim, era bom não estar coradinho de sol, bronzeado, queimado, vermelho. Meu corpo implorava por banho, e eu me rendi a ele. Entrei debaixo do chuveiro com a água super quente caindo na minha cabeça, escorrendo pelos ombros, e levando consigo uma pontinha de tristeza pelo ralo. Do meu banheiro era possível ouvir os gritos histéricos de orgasmo do casal do segundo andar, era triste, porque eu não tinha alguém pra reproduzir gritos de nada ao meu lado. Depois de levada pro ralo, a tristeza deu lugar a um riso meio safado; eram 7:30 da manhã, e eles estavam transando. Depois de terminado o banho, e de ter engolido um pão francês sem café pra acompanhar, porque eu não sei fazer um café descente, eu desci as escadas e caminhei em direção ao carro estacionado na esquina. Dirigi por apenas dez minutos e cheguei na livraria, que era o lugar que eu esperava ganhar dinheiro. Uma livraria é um lugar perfeito pra se trabalhar, tem livros em volta, e as pessoas que frequentam, geralmente são muito boas pra se conversar. Fui contratado e começaria na segunda, fantástico. Depois da entrevista, eu não tinha mais nada pra fazer, e resolvi passear pela livraria, chequei os destaques, que ficavam em uma pilha na frente da grande porta de vidro do lugar, ao lado de um cartaz que dizia: “Os melhores livros, venha conferir!”, os melhores não me interessaram. Aliás, sempre foi assim, nunca gostei de coisas muito exageradas, ou muito bonitas. Minhas ex-namoradas, por exemplo, Andréa e Julie, eram super tímidas, não se destacavam no meio de todo mundo, mas eu gostava delas, gostava muito, cada uma no seu tempo, claro. Entrei na minha seção preferida, poesia. Assim que virei o corredor, vi uma mulher espetacular. Os cabelos presos por um elástico vermelho e uma tiara com um laço enorme no meio da cabeça. Sério, era enorme mesmo, do tipo que cobriria todo o rosto da menina, se ela o colocasse na frente dele. Mas mesmo assim aquilo ficava lindo no meio dos milhares de fios de cabelo escuros como um buraco negro dela. Ela era pálida, muito mais pálida do que eu, e isso destacava a blusa azul que ela usava. Era uma blusa com alças bem finas, decotada, mas nem tanto, do tipo que faz você saber que tem algo ali, mas que te faz ter a certeza de que você só vai colocar seus olhos naquilo se a moça quiser. Reparei também que ela usava uma saia vinho comprida, mas que não ia até os pés, parava um pouco acima das canelas. Olhei pros seus pés e encarei, com uma certa dúvida, um all star preto, que um dia devia ter sido branco. Pensei “Como pode? Nem eu deixo meus tênis tão sujos…” Meus pés devem ter andado sozinhos, porque em meio segundo, eu estava caído sobre uma pilha de livros de poesia alemã, que machucava a minha barriga. A menina virou a cabeça num instinto que qualquer um teria, soltou uma gargalhada gigantesca e saiu andando, carregando consigo um livro de bolso que eu não identifiquei o autor. Eu fiquei ali parado, espantado, a moça tinha rido de mim, não parou pra me ajudar, só riu. Resolvi tirar satisfações com ela. “Oi, dá licença, porque riu de mim?” Ela olhou pra minha cara, com uma expressão de quem não entendeu a pergunta. “Ué, porque foi engraçado. Eu me chamo Amélie, e você? Espera, não fala, deixa eu adivinhar…” Eu lembrei da personagem “Amélie Poulain” e aquela Amélie que estava na minha frente começou a dizer trezentos nomes masculinos e eu não sabia o que pensar, muito menos o que falar. Na verdade, eu não sabia fazer mais nada, esqueci até como se respirava. “…Gustavo? Luíz? Juca, José, Bruno…? Pedro,?…” “É, é pedro.” “Ah, eu sabia! Você tem cara de leandro!” Ela tinha gritado nessa última frase. A livraria inteira olhou pra nós, e por um instante eu corei. Amélie deu língua para as pessoas, largou o livro de bolso em uma cestinha de coisas indesejáveis que fica perto do caixa, agarrou a minha mão e saímos da loja. Aquela garota louca tinha simplesmente dado língua, como uma criança de quatro anos faria. “Olha, nós não nos conhecemos, você não pode simplesmente agarrar a minha mão e me arrastar pra fora dos lugares e…” “Ora, não seja por isso, eu te pago um café e nós conversamos!” Fomos até uma cafeteria próxima da livraria e Amélie pediu exatamente isso: Um café com leite, chocolate e chantili, numa caneca de cerveja e, se possível, uma cereja em cima de tudo. “Ahm… é… sim senhora…” O garçon ficou com a mesma cara que eu, mas logo tratou de desfazê-la e me perguntar o que eu desejava. Tive vontade de dizer que queria uma namorada, gritos de orgasmo às 7:30 da manhã, aprender a fazer café e, se possível, uma cereja em cima de tudo. Mas achei melhor não abusar dos ouvidos do pobre garçon, que deve ouvir lamentações de homens de coração partido à toda hora, e pedi só a cereja mesmo. Ele voltou dois minutos depois, com uma caneca de cerveja cheia da mistura que Amélie pediu, e a minha cereja em um pratinho. A moça louca de cabelos negros começou a puxar assunto comigo, e me perguntar várias coisas sobre a minha vida, e falar sobre a dela. Descobri que o seu nome era Amélie Hoods, que morava sozinha e que tinha uma fiat uno azul. Ficamos conversando sobre nossas vidas até a cafeteria fechar, aí Amélie me deu seu endereço e o telefone, e pediu que eu fosse visitá-la no dia seguinte.