O PERFUME DO MEU SERTÃO- O FAZENDEIRO INJUSTO

Capítulo 17

A índia pula da grande árvore, e profere algumas palavras em tupi. Logo os ventos se agitam no meio da mata e vão de encontro ao corpo da índia. O que eram mãos se transforma em grandes garras, o que eram cabelos se transforma em pêlos o que eram um rosto de mulher se transformam em uma onça.

José fica sem reação, encantado do que os seus olhos vêem, larga a espingarda e ajoelha rezando para a onça brava não o comer. Nesse instante a onça chega perto do pobre rapaz e lambe o seu rosto em sinal de paz.

José: Obrigado por me ajudar.

As carroças em fim chegam à fazenda de João Miguel, da cozinha Eulália ouve a voz de João Miguel e sai correndo para a entrada principal. Maria mexe com uma grande colher, a panela com a galinha caipira. Neuza fica encantada com a beleza do campo e feliz abraça André.

Adamastor abre a porteira e cumprimenta os visitantes, tirando o seu chapéu. As carroças estacionam na frente da casa grande e Sebastiana sai com o filho Miguel nos braços.

Sebastiana: Sejam muito bem vindos à minha casa!

Neuza desce com dificuldade da carroça e Emílio ajuda a moça.

Neuza: Muito obrigado senhor peão, qual é o seu nome?

Emílio: É Emílio sinhá!

Neuza: Mas que rapaz mais bem apanhado e forte!

André: Minha irmã se... se controle, não estamos em Rio Pequeno.

Neuza: Não posso nem elogiar os atributos de um rapaz, como eu sofro!

De longe Neuza observa três cachorros soltos, e como a moça não tem sorte na vida, os cachorros correm em direção a ela. Neuza leva um susto e sai correndo sem direção. Eulália vendo a cena ri igual uma criança. Os cachorros correm feitos loucos atrás de Neuza, distraída a desastrada cai em uma poça de lama, sujando todo o vestido branco, por sinal o único que possui.

Neuza: Aiii! Como eu sofro!!!

Eulália vendo o sofrimento de Neuza corre para ajudar.

Eulália: Está bem moça?

Desculpe-me, mas esse cachorros só querem brincar.

Neuza: Esses monstros! Deveriam estar em jaulas.

E agora? Estou toda suja!

Eulália: Calma, vamos entrar. Empresto-te um vestido limpo!

Neuza: Muito obrigado menina, é muito gentil. Qual é o seu nome?

Eulália: Chamo-me Eulália, muito prazer Neuza.

Neuza: Como sabe o meu nome?

Eulália: Quem não conhece a solteirona mais famosa de Rio Pequeno?

Hahahaha!!!

Neuza: Engraçadinha...

Neuza fica vermelha de vergonha e acompanha Eulália para dentro da casa grande.

Os convidados entram com todas as honras na casa de João Miguel. João Miguel oferece charutos para os homens e pede que Sebastiana busque licor de jenipapo.

João Miguel: Fiquem à vontade meus amigos!

Seu Jair: Quando sai o almoço?

Sebastiana: Já, já... Tenha paciência.

Ataulfo: Então, quer dizer que o rapaz é formado em advocacia!?

André: Si..si..sim senhor! Formei-me esse ano.

Seu Jair: E com louvor!

Esse rapaz é o meu orgulho, já disse isso!?

Lúcia: Mais de uma vez, Seu Jair.

João Miguel: Lúcia, por favor, tenha modos.

Lúcia: Desculpe-me papai, não irá se repetir.

João Miguel: André, então pretende abrir um escritório na cidade?

André: Pretendo e ajudar os ma..ma..mais NE... NE... necessitados!

Lúcia: Precisa é cuidar da gagueira, isso sim.

Ataulfo: Hahahaha!!!

Que espirituosa sua filha João!

João Miguel: Está com a língua muito afiada.

Seu Jair: Olha só, está vindo o licor, vamos adoçar a boca!

Sebastiana: É o melhor licor da região.

Na sala da fazenda a conversa rola solta e no quarto de Eulália, Neuza continua com as suas besteiras.

Neuza: Como você consegue viver nesse fim de mundo?

Se fosse você iria enlouquecer!

Eulália: Não é fim de mundo Neuza, aqui eu vejo começar tudo. Quando eu vejo um bezerro nascer, quando eu vejo todo dia o pôr do sol, quando me banho no rio.

Neuza: Pelada, nua!?

Eulália: Sim, como é que se banha na cidade?

Neuza: Eu me banho de camisola, como toda moça deve se banhar. Você é estranha!

Eulália: E você engraçada... ri tanto de você, que as minhas tripas doem.

Neuza: Hahaha!!!

Não tenho sorte nessa vida.

Eulália: Mas sinto que tem o coração bom.

Neuza: Obrigado menina, você também... só não gostei de uma coisa.

Eulália: Do que?

Neuza: Da cara da sua irmã, parece que tem o rei na barriga!

Eulália: Ah! A Lúcia é assim mesmo, desde criança!

Já sou acostumada com esse jeito dela.

Neuza: É tomara que concerte esse jeito... se fizer meu irmão sofrer, eu viro a cara dela do avesso!

Eulália: Hahahaha!!!

Se contenha Neuza, parece mais um galo de briga!

Neuza: Ai como eu sofro, viu.

Eulália: Tome um banho e ponha esse vestido.

Neuza: Mas é de algodão, para uma ocasião especial não fica bem.

Eulália: Neuza cale a boca e põe log esse vestido, quer ficar pelada!?

Neuza: Eu mereço senhor!

Neuza toma um banho e se coloca o vestido de algodão. Aparece na sala com cara emburrada.

Seu Jair: Neuza! Demorou. Pelo visto conseguiu uma veste.

Neuza: Meu pai, não faça comentários, por favor.

Lúcia olha para Neuza com desdém e abre um sorriso malicioso. Neuza encara Lúcia e mostra os dentes como se fosse um cão raivoso. Para quebrar o clima tenso, Eulália aparece radiante com uma bandeja de quindim.

Eulália: Olá meu povo. Quem quer um doce, pra adoçar a vida?

Neuza: Eu! Adoro quindim!!! Me de uns três.

Eulália: Hahahaha!!!

A senhora não tem jeito!

Nesse instante de descontração, se ouve um grito vindo do quintal da fazenda. Eulália solta a bandeja de lado e Neuza curiosa se adianta para ver o que ocorreu.

Maria: Jesus, Maria, José!!!

Neuza: O que foi!?

Eulália: Maria está bem!?

No quintal aparece José e atrás uma grande onça, poderosa, rainha do sertão, olha fixamente a cozinheira como se fosse avançar. Maria assustada sobe em cima de uma árvore.

José: Não queria uma onça João Miguel!

Pronto, está aqui!!!

João Miguel sai da cozinha com uma cara de espanto e não acredita que o rapaz foi capaz de trazer uma onça viva.

Ataulfo: O que é isso meu rapaz?

José: É uma onça senhor delegado, nunca viu?

A onça para mostrar o seu poder sobre os homens, solta um rugido que estremece o chão do terreiro. Neuza começa com a sua crise de tosse e solta penas pelos ares!

Sebastiana: Meu Deus! A moça solta penas pela boca!!!

Pegue um copo de água para a moça Maria!

Maria: Patroa, aqui desça árvore, não desço nem por um decreto!!!

Eulália: Vocês têm medo de um bicho tão bonito?

Eulália se aproxima da fera e abraça o bicho como se fosse um gatinho.

Lúcia: Sai daí sua louca! Vai acabar sendo almoço de onça.

Ataulfo: Se afaste do bicho Eulália.

O delegado Ataulfo pega o seu revólver e aponta para a onça. José fica nervoso e aponta a espingarda para o delegado.

José: Se atirar na onça, eu atiro no senhor!

João Miguel: Esse rapaz não tem juízo na cabeça, Emílio!!!

Seu Jair: Eita que esse almoço, tá bem animado!

O peão surge com o seu cavalo e empunhando um rifle, para a onça.

João Miguel: Mate esse bicho, quero pendurar a cabeça na minha sala!

Hahaha!!!

Eulália: Não meu pai!!!

A onça não é nossa, é do mundo!

José: Se matar a onça, eu atiro no delegado.

João Miguel: Vai logo peão, o que está esperando!

Pega a bicha!!!

Emílio então corre em direção à onça e começa atirar para o alto, só para espantar Eulália. A moça corre, e fica atrás de José.

José: Corre índia!!!

A onça dá um salto gigante, e corre para a mata. Os tiros soam alto nas terras de João Miguel. André como é medroso até as calças, se esconde atrás da árvore onde está Maria chorando. Neuza tosse feito uma louca e Sebastiana levanta os braços da moça.

Sebastiana: Levante os braços para São Brás.

As penas de canário enchem a cozinha da fazenda. Lúcia corre e pega um pouco de água para Neuza.

Lúcia: Tome aqui sua maluca!

Neuza toma água e o show de penas termina.

Neuza: Que lugar mais selvagem.

Lúcia: Fala da minha casa, mas nunca vi alguém tossir penas!

Neuza: Sua encruada!

Lúcia: Maluca!

Neuza: Cara de coruja seca!

Lúcia: Papagaio de pirata!

Neuza: Papagaio, não!!!!

As duas moças se pegam de tapa na cozinha e Sebastiana não sabe o que fazer.

Sebastiana: Parem crianças!

Somos uma família agora!!!

Ataulfo ainda está na mira da espingarda de José.

Ataulfo: Baixe a arma rapaz, vamos conversar.

José: Vamos baixar as armas juntos delegado, apesar de tudo eu confio no senhor.

Eulália: Parem de briga, isso era para ser um almoço de família!

Ataulfo: Sim, vamos baixar as armas de vagar.

José: Vou contar até três, UM.

Ataulfo: DOIS.

José: TRÊS.

No mesmo instante os dois homens soltam as armas no chão do terreiro. E levantam as mãos em sinal de paz.

Eulália: Ainda bem que terminou.

Maria: Terminou? É nada!

Olha lá, as duas se pegando na cozinha!!!

Seu Jair não agüenta mais emoções para um dia, André corre para dentro da cozinha e tenta separar Neuza e Lúcia, que se batem feito duas inimigas.

Eulália: Parem com isso crianças!!!

Neuza: Vou parar até marcar essa palhaça!

Lúcia: Sua pistoleira!

Vou unhar o seu nariz!

Sebastiana: Parem! Nem parecem moças de família.

João Miguel com a sua voz grossa de juiz, empoe respeito no lugar.

João Miguel: Parem já !!!!!

As moças totalmente descabeladas no chão da cozinha olham assustadas para o dono da casa e Eulália começa a rir da cena.

Seu Jair: Onde se viu, duas moças adultas se pegando feito criança!?

Lúcia: Desculpem-me, não sei onde estou com a cabeça.

Neuza: Eu também, nem sei onde enfiar a cara.

Sebastiana: Devem ficar envergonhadas mesmo, o que foi isso?

Eulália: Calma mãe foi bom para dar um animada nessa mesmeira.

Hahaha!!!

André: Con..con... Concordo moça!

No terreiro Ataulfo vai em direção a José e cumprimenta o rapaz.

Ataulfo: Nunca vi tanta coragem, em uma pessoa só.

José: Peço desculpas pela cena, senhor delegado. O fazendeiro pediu uma onça e eu trouxe!

Ataulfo: Mostra que tem palavra, meu filho.

João Miguel sai da cozinha espumando feito um cachorro.

João Miguel: Porque não deixou matar a onça?

José: O combinado era que trazer a onça e não matar.

João Miguel: Não mude o nosso trato, seu amarelo safado!

Ataulfo: Senhor João, ele prometeu trazer o bicho e cumpriu o combinado.

João Miguel: O combinado era eu ter a cabeça do bicho na minha sala. Por essa razão, eu quero esse sujeito fora das minhas terras! Agora!!!