O andarilho. Parte 2.

“A maleta... Pegue a maleta. Você tem que pega-la...”

Acordou. Havia adormecido esperando até que todos os Jack fossem embora. Nesse meio tempo teve um sonho esquisito. Estava em uma sala escura. Ali havia somente uma pequena mesa e sobre ela, uma maleta preta. Havia também uma voz, que mandava ele pegar a maleta, mas de alguma forma que não tinha como explicar, sabia que não era para abri-la. Mais um sonho estranho, já estava acostumado com sonhos estranhos desde quando nasceu de novo. Pegou o relógio da bolsa, eram três da manhã. Já não ouvia qualquer barulho, aquele era o momento certo para sair.

Andou com cuidado, aproveitando a escuridão da noite, foi se esgueirando entre uma casa e outra, todas elas pareciam ter sido abandonadas a tempo, até que avistou, na parte central daquele vilarejo algumas luzes, resolveu investigar.

Chegou mais perto, ainda cuidando para não ser visto, e pode ver um homem arrastando uma mulher, que chorava, para dentro de uma instalação, não muito grande, onde havia dois homens de guarda na frente. Chegou mais perto, aproveitando uma viela mal iluminada que o encobriria, e pode ouvir a conversa:

- Você se acha espertinha, acha que consegue escapar? Nunca! Ouviu bem, nunca! Vocês dois paspalhos, o Grande Jack pediu atenção especial nessa aqui, já é a terceira vez que ela tenta escapar, só esse mês. Se ela conseguir sair de novo, eu juro que mato os dois entenderam?

- Os dois que estavam ali responderam ao mesmo tempo de forma sincronizada:

-Sim senhor Jack, nós entendemos.

Assim que o homem saiu, os dois Jack começaram a discutir. Um dos Jack falou furioso:

- Essa vaquinha, vai me pagar, vou lá mostrar que ninguém me faz parecer um idiota na frente do Jack!

Então o Jack irritado entrou, e o outro ficou do lado de fora. O andarilho pode ouvir o barulho de tapas, em um tom bem alto. Na mesma hora, pensou se deveria intervir, afinal de contas aquilo não era e nem queria transforma-lo em seu problema. Pensou nas possibilidades, ir embora, buscar outro lugar, outros sobreviventes. Ouviu mais um tapa. E mais um grito da pobre mulher. Resolveu então se meter, sabendo que poderia arrepender-se, e provavelmente iria.

Sua agilidade era fora do comum, nem ele sabia explicar. Em um único desvio de olhar do Jack que havia ficado do lado de fora, o andarilho com alguns passos rápidos o alcançou. Não deu tempo do Jack falar sequer uma palavra, o andarilho pegou seu pescoço, em um simples e silencioso movimento, o quebrou. Um Jack a menos.

Entrou rapidamente na casa. Assim que ingressou, viu o homem de pé a mulher, deitada no chão com o rosto marcado pela agressão do Jack irritado. O piso era de madeira, e assim que o andarilho entrou o Jack percebeu que não estava sozinho. Mas já não dava mais tempo, pois em um único movimento o andarilho o pegou pelo pescoço, porém esse Jack era mais forte, e o andarilho logo percebeu que não seria tão fácil mata-lo como foi com o outro Jack. Pensou em pegar sua arma, mas se disparasse agora, não demoraria até outros Jack aparecerem e seria difícil para ele, até por que não tinha muita munição. Em meio ao esforço para matar aquele Jack, a mulher desconhecida levantou-se, pegou uma faca que estava na cintura do Jack furioso, e que o andarilho não havia percebido, e enfiou no pescoço do Jack, de baixo para cima. A raiva da mulher era tamanha que o golpe entrou seco, e rápido, matando-o instantaneamente.

Assim que o andarilho largou o cadáver do Jack no chão, a mulher deu um passo em direção a parede, pegou um fosforo, e ascendeu uma lâmpada de óleo que ali estava, revelando na escuridão, outras três meninas. Essas, estavam acorrentadas, e a moça desconhecida, foi até o cinto do Jack e pegou a chave para libertar as outras moças. O andarilho assistiu a tudo aquilo sem dizer nada, e nem a moça. Só depois de certo tempo que ele resolveu começar a fazer as perguntas a ela:

- Quem são vocês, e que lugar é esse?

A mulher andou até um outro canto do lugar, pegou um balde velho, tirou de lá uma caneca e começou a dar o que parecia agua as outras garotas, em meio a isso respondia às perguntas do desconhecido que acabara de salva-la:

- A segunda pergunta é mais fácil. Aqui é cidade dos Jack. Uma cidade onde todos os homens se chamam Jack, e as mulheres não tem nome. Já a primeira eu não sei. Ninguém aqui se lembra do nome. Você lembra do seu?

- Não. Acordei um dia e havia me esquecido quem sou.

- Igual a todos nós. Vou te chamar de andarilho então, ok?

-Ok. Aqueles homens falavam em um grande Jack, quem é esse?

- O grande Jack é só mais um idiota. Só não é mais idiota que os outros Jack, que pensam que ele é o salvador, e por isso nomearam lhe o líder.

- Um idiota poderoso, pelo que vejo.

-Sim, ele é cercado por guardas, mas não vai ser assim por muito tempo. Eu vou mata-lo, eu juro.

O andarilho percebeu pelo tom de voz, e pela expressão que aquela mulher guardava um rancor enorme pelo Grande Jack. Nem poderia imaginar o que ela e as outras deviam ter passado nas mãos daqueles homens. Mesmo assim prosseguiu com as perguntas:

- Eu ouvi eles falarem sobre uma maleta. O que é essa maleta?

Pela primeira vez a mulher voltou a atenção ao andarilho. Seu semblante deu a entender para ele que aquele assunto era mais sério do que imaginava:

- A maleta? Alguém mencionou a maleta?

- Sim, eu estava escondido, e um dos Jack havia dito que eu poderia estar querendo roubar a maleta. O que essa maleta contém?

- Ninguém sabe. Poucas pessoas as veem na verdade. Somente o Grande Jack, que é quem a guarda. Eu tive a chance vê-la uma única vez, quando fui obrigada a ... Bem não importa. Mas em uma dessas vezes eu tentei fugir, e acabei entrando acidentalmente em um quarto, lá em cima de uma mesa estava ela.

O andarilho lembrou-se de seu sonho. Não podia ser coincidência. Prosseguiu:

-E por que ela é tão importante?

- Eu só sei o que me contaram. E o que me contaram, é que dentro da maleta está o segredo para acabar com tudo isso. Dentro dela está a chave para a salvação da humanidade, para a restauração de tudo o que nós conhecíamos.

- E por que o Grande Jack não abre a maleta?

- Por dois motivos. O primeiro é que ele não pode. Para conseguir abrir a maleta, quem estiver portando-a deve ir até o oráculo, que fica na cidade de Central City. Se abri-la em um lugar qualquer não funcionará. E segundo, por que ele não quer. Aqui ele é rei. Ele manda e todos os outros idiotas obedecem. E quem não obedece o teme. E quem não o teme é louco.

-Como você sabe de todas essas coisas?

-Você não ouviu? A quatro anos? As vozes, estavam em todos os canais de rádio.

- Eu acordei a pouco tempo. Creio que dormi por seis anos. Não ouvi rádio alguma.

- Entendo. Algumas pessoas dormiram por muito tempo, mas pra ser sincera eu não soube de ninguém que dormiu tanto.

O andarilho foi até o corpo do Jack no chão, abaixou-se, pegou o revolver e contou a munição. Cinco projéteis. Ainda era pouco, mas tinha que ser o suficiente. Guardou seu mais novo amigo na cintura. A moça sem entender nada perguntou:

- O que você vai fazer?

O andarilho pegou a bolsa, tirou de lá um pedaço de papel e um lápis, escreveu algo e entregou a moça, juntamente com o relógio. Em seguida resolveu responde-la:

- Eu vou atrás da maleta. Se ela pode mudar as coisas, então não me resta outra escolha. Você sabe contar?

-sim.

- ótimo. Pegue este papel e este relógio. Você pode ler agora se quiser, mas e interessante que você faça o que está escrito ai dentro somente depois de vinte minutos que eu sair daqui. Entendeu?

A mulher fez sinal de positivo com a cabeça. Em seguida leu o pedaço de papel e perguntou:

Tem certeza disso? Vai ser arriscado. São muitos.

-Não. Mas não tenho muita escolha. Eu só preciso que me diga onde fica esse quarto onde está a maleta.

-Está tudo bem eu vou com você.

-Não, você vai seguir o que está escrito aí, e depois vai levar suas amigas para uma cidade chamada Moffet, fica há alguns quilômetros ao norte. Foi a segunda cidade onde passei, e é a que está em melhor condições. Vai ser um bom lugar pra vocês recomeçarem. É só me dizer onde está a maleta, e comece a contar a partir da porta da frente.

-Você é louco, vai entrar pela porta da frente?

-Sim e sim. Mas lembre-se faça o que está escrito aí e depois saia daqui logo. Se tudo der certo eu vou seguir com a maleta para Central City. Vou tentar mudar as coisas.

- Tudo bem. É bem fácil de encontrar na verdade. A casa do grande Jack é onde ficava a antiga prefeitura. Foi modificada especialmente para dar o luxo total a ele. Não tem como errar, pois é a mais bonita, e fica bem no centro. Assim que entrar pela porta da frente, o que seria total burrice, você deve subir as escadas, e entrar na segunda porta a direita. La vai estar a maleta. Tenha cuidado por favor.

-Não se preocupe, eu sempre tenho.

-Ah, e se você não conseguir mudar as coisas, e quiser um lugar para ficar, não deixe de dar uma passadinha em Moffet.

O andarilho ajeitou o chapéu, fez sinal com a cabeça e partiu. Mal sabia ele que entraria na maior batalha desde que renascera. A batalha pela Maleta desconhecida.