GERAÇÕES - PARTE I - CAP. IV
GERAÇÕES
PARTE I
CAPÍTULO IV
Houve a abertura da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes, muito festejada na cidade de W. A imprensa se fez presente em massa. Muito concorrida. Uma surpresa geral ocorreu quando foram dissertados oralmente pela voz de Beto Antunes, Presidente, os nomes componentes do Conselho de Administração da Fundação. Com certeza o nome de Raimundo Thiné como ocupante do cargo de Vice-Presidente foi o que mais impressionou. Ninguém opinara em suas especulações o nome de Raimundo, apenas, até então, simples funcionário da imobiliária do
grupo. Os festejos entraram pela madrugada. Dagoberto recordou-se dos velhos tempos em que morara no Vale das Cobras, encheu a pança de cachaça, estava muito feliz. Alzira, que não era chegada ao álcool, nesta noite o absorveu em larga escala e foi preciso Beto levá-la nos braços até o carro a fim de que pudesse retornar à residência em companhia do marido, igualmente dominado pela embriaguez. Eugênia, noiva de Beto Antunes, desmanchava-se em sorrisos para com os repórteres, gostava muito de ser motivo de notícias e aparecer em noticiários. Depois que todos deixaram o recinto, inclusive Raimundo, Beto Antunes saiu com a noiva, para eles a festa continuava. Levou-a ao apartamento decorado e já pronto para a futura residência de ambos, quando se casassem. Lá se entregaram aos prazeres da vida e se ofertaram de corpo e alma, um ao outro.
Muito inteligentemente Beto conseguiu dividir-se em dois sem levantar suspeitas. Ao estar nos braços de Eugênia, mostrava-se o mais perfeito dos amantes, satisfazendo a todos os caprichos e fantasias da futura mulher. Era o amante impecável e ela se deliciava com seu aconchego e com seus carinhos. Quando se encontrava em companhia íntima de Raimundo, era a mesma coisa, jamais se permitiu falhar, considerava-se como um “homem de ferro”.
Mais um ano se passou. Era o casamento de Beto Antunes e Eugênia Pedrosa. Foi o acontecimento social do ano na cidade de W. Beto gozava do esplendor dos seus 19 anos e sua esposa dois anos mais velha: 21. Diferença pouca entre ambos e isto nunca abalou a relação. Eugênia era loira, alta, olhos verdes, pele alvíssima e bem cuidada. Seus cabelos brilhavam de tão amarelos e ela não era do tipo de mulher que usasse muita maquiagem, preferia quase o natural.
Estava belíssima em seu vestido de noiva, especialmente encomendado em Paris. Tudo ocorreu rapidamente, foi uma rápida cerimônia, logo sem seguida os noivos embarcaram num cruzeiro em lua de mel com destino às ilhas do Caribe.
A viagem de núpcias durou exatamente quinze dias. Regressaram. Beto reassumiu seu posto de Presidente e chamou Raimundo à sua sala.
- Entre. Ponha chave na porta, estou louco para beijá-lo, alucinado de
saudade de você. – Confessou-se.
- Eu também, Beto, curto uma intensa saudade...
E se abraçaram e se beijaram ali mesmo. Depois Beto pediu.
- Deixe sem a chave, tenho negócios a comentar com você.
- Alguma novidade? – Inquiriu Raimundo.
- Sim. Durante a viagem de núpcias conheci Angelo Buccello, proprietário de um frota de pequenos aviões que fazem linha entre aeroportos de cidades do interior. A empresa está à beira da falência. Propus comprá-la, ele aceitou vender. Fechamos negócio. Daqui a pouco sairemos
eu e você, iremos ao encontro de nosso advogado ao cartório para oficializarmos a transação.
- Uau! Parabéns! Mais uma empresa para o conglomerado da Fundação.
- Exatamente. Nossos empreendimentos só fazem crescer, crescer... e navegamos de vento em popa. – Beto disse.
A transação foi realizada. Dagoberto Antunes parabenizou o filho pela aquisição da empresa aérea.
- Você só me dá alegrias, meu filho. Graças a Deus! – Afirmou a o velho.
Mais dois anos se passaram. Beto Antunes vivia seus gloriosos 21 anos. Recebeu com bastante felicidade a notícia de que Eugênia esperava seu primeiro filho. Continuava firme dos dois lados e não oferecia, por mínima que fosse, qualquer suspeita em seu envolvimento com Raimundo,
cada vez mais festivo, igualmente.
Por outro lado, Raimundo, sorrateiramente, fraudava, espetacularmente, alguns empreendimentos do grupo em benefício próprio. Não roubava da empresa, mas cobrava altas propinas de interessados diretos quando algumas decisões dependiam de seu aval para que negócios importantes fossem concretizados. Assim, abriu uma conta secreta num banco que não trabalhava com as empresas do Grupo de Dagoberto Antunes e ali fomentava um alto depósito, inteiramente desconhecido de seus patrões.
Nascia o primeiro filho de Beto. Era um menino e recebeu o nome de Peter Antunes. Geneticamente puxou a mãe, sendo loiríssimo e tudo faria crer que seus olhos seriam verdes. Beto deu uma grande festa em comemoração do fato e muita gente importante se fez presente.
O tempo avançava. Mais dois anos e outro filho de Beto nascia, agora uma menina e recebeu o nome de Vanusa. Beto era só sorrisos e seus lábios não mostravam outra faceta, somente felicidade. Raimundo, sigilosamente, com a dinheiro das propinas que recebia, comprou para si uma empresa portadora de grandes navios de carga. Muito dinheiro investido e ele passou a ser único proprietário. Foi numa noite de sexta-feira, ao encontrar-se com Beto no apartamento secreto de ambos, que resolveu pôr um fim ao relacionamento amoroso.
- Você está muito frio, hoje – queixou-se Beto.
- Tenho algo a dizer-lhe. Desculpe-me, sei que lhe devo muito, mas meu amor por você caiu por terra.
- Isso não é hora para brincadeiras... Eu amo você! – Disse Beto, nervoso.
- Não estou brincando. Hoje, aqui e agora, ponho um ponto final em nossa ligação ilícita.
- Por que? Em que te magoei?
- Em nada... você nunca me magoaria. Tenho enorme admiração por você, porém, basta, não quero mais esta ligação sentimental entre nós. Não estou arrependido de nada, apenas acabou... Entenda...acabou! Não sinto mais tesão por você...
- Você quer me enlouquecer? Não saberia viver sem você, por favor...
- Acabou, Beto Antunes! E para que não alimente qualquer esperança em relação a mim, peço exoneração do cargo que ocupo na Fundação. É uma decisão irrevogável, sem chances de haver uma recaída.
Raimundo Thiné deixou o ambiente e foi embora. Já havia providenciado a mudança do lar e levou os velhos pais a coabitarem consigo numa mansão comprada à beira-mar do litoral sul da cidade. Devolveu a chave da antiga residência a Beto, e não disse onde estaria a morar. Tudo fez no mais pleno sigilo.
Beto ficara só no apartamento. Entregou-se às lágrimas e chorou copiosamente. Na realidade, amava de forma desesperada a Raimundo e seria difícil esquecê-lo. Saiu dali arrasado e buscou um bar para afogar sua dor. Bebeu que bebeu e chegou em casa só Deus sabe como, totalmente embriagado. Eugênia bem que gostaria de compreender o motivo de ver o marido naquele estado, mas ele nada disse, permaneceu num silêncio sepulcral. Nem conseguiu comunicá-lo de que
estava a esperar seu terceiro filho. Lamentou-se: “amanhã eu digo a ele.”
Na manhã seguinte, Eugênia, tomada por pesado sono, não percebeu que Beto acordara-se mais cedo e fora para o escritório. Os funcionários perceberam sua mudança de humor:
- Nunca vi Sr. Beto com esta cara... algo deve estar acontecendo, fiquemos de olhos abertos... disse uma das funcionárias da Fundação.
A notícia da exoneração a pedido de Raimundo Thiné deixou a todos com o queixo caído. Ninguém poderia supor que, o jovem e bem sucedido empresário rompesse com a organização e todos buscavam entender a razão do afastamento, o que não demorou a ocorrer, porque os jornais
do dia seguinte estamparam bem claramente: “Raimundo Thiné é o mais novo Diretor-Presidente da empresa X”. E a reportagem dissertou detalhadamente o negócio realizado e o vultoso capital investido na aquisição da referida empresa.
Em sua sala, Beto tentava compreender como Raimundo levantara dinheiro para a concretização deste labor. Sua mente fervilhava. Convocou, inesperadamente, uma minuciosa auditoria nas
contas da Fundação, entretanto nada mostrava que o capital de Thiné fosse fruto de roubo ou de fraude dentro daquilo que a si pertencia. A pulga ficaria a tecer enorme buraco atrás de sua orelha.
Alguns meses depois, dois acontecimentos viriam abalar a estrutura de Beto Antunes: a morte de seu pai e o nascimento de Otávio, seu filho caçula. Seu coração estava magoado: por mais que se esforçasse, não conseguia retirar Raimundo Thiné do seu pensamento. Não estava acos-tumado a perder, havia dentro de si a esperança de que, um dia, haveria de reconquistar aquele a quem doou parte importante do seu amor, por mais que amasse Eugênia.
Todavia as horas são implacáveis... O tempo corria... Cinco anos depois, falecia sua genitora e seu coração estava amargurado. Diante do esquife chorava, baixinho, e até lembrou-se de um episódio ocorrido em seus 12 anos: “Eu não já lhe disse que sou um rapazinho, não precisa mais de dar banho em mim, por favor, respeite minha intimidade...”
Algo o apanhou de surpresa durante o velório de Alzira. Levantou o olhar e viu aproximar-se de si, com uma coroa de flores às mãos, Raimundo Thiné, que veio cumprimentá-lo pelo desaparecimento de sua mãe.
- Eu sinto muito, querido amigo. Sua mãe foi um exemplo de mulher. Condolências! - Desejou Raimundo.
- Obrigado por ter vindo... Sua presença me alivia um pouco a dor. – Agradeceu Beto.
O enterro foi realizado debaixo de forte comoção. E Raimundo ali estava, dando a ele força parasuportar momento tão difícil.
Após a consumação dos funerais, Beto ainda consegue chegar perto de Raimundo.
- Vá visitar-me amanhã em meus escritórios. Não guardo ressentimentos e será um prazer recebê-lo, Raimundo Thiné.
- Sim, Beto Antunes, amanhã à tarde eu o farei uma visita. Até lá.
Com muita expectativa Beto aguardou, no dia seguinte, a visita de Raimundo Thiné. Ele chegou e foi muito festejado pelas funcionárias, que o admiravam com sinceridade. Beto o recebeu com alegria.
- Seja bem-vindo de onde jamais deveria ter saído.- Cumprimentou-o.
- São as coisas da vida, meu amigo. Cada qual que procure suas melhoras. Não nego que muito devo a você pelo que sou e pelo que tenho. Como eu disse da última em que nos vimos: eu o admiro bastante, Beto Antunes.
- Pena que esta admiração não seja mais os arroubos sentimentais que nos ligaram por alguns anos e dos quais guardo ternas recordações. – Colocou Beto.
- O amor às vezes é traiçoeiro, Beto. No início de nosso caso, confesso, não o amava, mas aprendi a amá-lo com o passar do tempo. Cheguei a amá-lo profundamente, porém não sei a razão, um dia descobri que o sentimento não era o mesmo e, para não magoá-lo, resolvi afastar- me. Peço a você perdão se o fiz sofrer, mas o destino quis assim.
- E hoje, o que vai em seu coração em relação a mim? Beto indagou.
- Uma profunda admiração, não mais amor. – Respondeu Raimundo.
- E está sozinho?
- Não, estou noivo de Alessandra Reis e vamos nos casar dentro de um mês.
- Desejo que sejam felizes. – Estimou Beto.
- Muito obrigado. Vindo de você, sei que são votos muito verdadeiros. Convido-o a vir conhecer minha empresa. Não é um mundo como são seus negócios, não obstante é uma empresa.
- Aceito seu convite e breve retribuirei sua visita. – Beto prometeu.
De fato Beto cumpriu o prometido. Três semanas depois foi, igualmente, bem recebido.
E o tempo? Ah, o tempo... Este não perdoa ninguém... Alguns anos se foram, houve o casamento de Raimundo, o desaparecimento de seus pais quase numa mesma época e o enriquecimento da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes. Beto dirigia com competência seus empreendimentos e, agora, adquirira uma transportadora, com uma frota estimada em mais de cem caminhões
que carregavam frete sob encomenda de norte a sul, de leste a oeste do país. Não se sabia onde guardar tanto capital, tamanho o sabor dos lucros que as empresas produziam. Em contrapartida, Beto era excelente patrão, pagava a todos muito bem e ainda, duas vezes por ano, destinava parte do lucro líquido entre todos, numa forma de agradecimento pelo desempenho . Eram o décimo quarto e décimo quinto salários pagos perante a satisfação dos empregados.
Peter Antunes, filho mais velho de Beto, estava a completar 15 anos. Festa à vista!
AMANHÃ - O CAPÍTULO V DESTA I PARTE