Depois da Meia Noite (Fanfic) Prólogo - A Raposa
(Esta é uma fanfic da saga Crepúsculo)
Sinopse: Depois daquela última batalha com os Volturi, o clã Cullen viajou pelo mundo, vivendo de cidade em cidade e assistindo sua flor de primavera, Renesmee, desabrochar aos poucos para a adolescência. Depois desses anos todos, eles decidem voltar definitivamente a Forks e retomar a vida comum entre os humanos. Porém, nem bem chegam à cidade, já recebem visitas inesperadas e um tanto preocupantes: três vampiros recém-criados surgem clamando por proteção. Ao que parece, a liderança dos Volturi sobre o mundo vampírico vem sendo questionada desde que estes foram ludibriados pelo clã Cullen – diga-se de passagem, mais de uma vez – e para retomar o poder, eles estão embarcando numa medonha caçada a vampiros com habilidades especiais que possam servi-los.
Acontece que os três recém-criados – Beth, Scar e Vince - são filhos de um vampiro muito antigo e poderoso, e cada um possui uma habilidade que, desenvolvida, pode fazer toda a diferença nessa guerra pelo poder. Mas há ainda outro grande problema: Renesmee também pode estar na lista para ser caçada.
Enquanto isso, a Dampira trava sua própria batalha interna consigo mesma. Ela acredita ser um fardo para sua família, por causa de sua parte humana e, de alguma forma, entende que precisa se tornar mais forte e independente, mas talvez a única saída para que ela cumpra seu objetivo pode exigir que ela descumpra a maior regra do seu Clã: a de não beber sangue humano. Além disso, Nessie deve aprender a lidar com os dramas da nova fase em que se encontra – a terrível adolescência -, na qual descobre novos sentimentos pelo seu melhor amigo, Jacob, enquanto tenta entender porque aquele recém-criado, Vince, lhe atrai tanto...
Prólogo – A Raposa
Renesmee estava empoleirada no alto da Catedral de Saint-Benigne, observando a cidade inteira a 93 metros de altura do chão. Dali ela podia enxergar até a cidade vizinha se quisesse, mas concentrou-se apenas no que importava. Dijon era conhecida como a Capital da Borgonha - região da França a sudeste de Paris - e, embora não fosse assim tão pequena para uma cidade da campanha, Dijon só tinha 300.000 habitantes. E nesse momento parecia que todos eles se dirigiam a um único ponto da cidade: o Lago Kir.
Era 14 de julho, dia de festa em todo o país pela comemoração da Revolução Francesa. É claro que todos iriam ao Lago para ver a queima de fogos de artifício anual - uma bela dança de cores explodindo no céu, ao som de uma belíssima música celta. Estariam lá, os pobres humanos, ocupados demais com a apresentação para se preocupar com outra coisa, embalados pelo som da música, cercados por uma multidão de todos os lados. Um prato cheio. Mas Renesmee não iria deixar ninguém desfrutar daquele banquete.
Muito menos, um certo garoto de cabelos ruivos.
Um vulto passou por ela, quase a derrubando do poleiro, em sua máxima velocidade vampírica. Ela só teve tempo de ver uma mancha vermelha no lugar da cabeça e escutar sua risada infantil, antes que ele cruzasse meia cidade na direção em que ela olhava.
- Armand. – chamou. A voz não passava de um sussurro, mas ela sabia que ele a ouvira, mesmo a dois quilômetros de distância – Armand, pare.
Ela não contava realmente com a obediência dele, já corria em sua direção.
O rapaz só parou no telhado de uma casa da montanha, ao lado do Lago Kir. Tinha visão de todas as pessoas amontoadas ali e escutava cada batimento cardíaco que emanava delas. Renesmee já estava em Fontaine D’Ouche, logo o alcançaria, mas ele não se pôs a correr novamente, apenas a esperou ali em cima no telhado.
- Vou ser sincero. – começou, quando a vampira já estava a poucos metros de distância – Eu gosto de você, garota. Mas às vezes você é (como eles dizem hoje em dia?)... Um pé no saco!
- Eu sei. - ela finalmente pisou no telhado e sorriu para ele, ajeitando as longas madeixas cor de chocolate. – Mas não vou deixar você caçar aqui. Essa área é do Clã Cullen.
- Garota, eu estava aqui bem antes daquele seu líder (como é mesmo o nome dele?), Carlisle, ter sequer nascido para a vida humana.
Armand podia ter a aparência de um adolescente rebelde de 16 anos - assim como Renesmee, diga-se de passagem -, mas em seus olhos escondia uma grande sabedoria acumulada por anos de existência.
- E eu adoraria ouvir essa história.
- Talvez outro dia, hoje eu estou com sede. – o ruivo deu dois passos em direção à garota, ao que ela também avançou. Ele riu. – E você não pode me deter.
- Tem certeza? – um blefe. Renesmee realmente não podia detê-lo. Nunca, em toda a sua existência.
- É claro que tenho. Consigo ouvir seu coração batendo lentamente daqui. Essas bochechas rosadas e esse pequeno calor que emana de você não enganam a nenhum vampiro de verdade. Você é mais lenta, mais fraca, menos resistente. Se eu simplesmente a deixasse sangrando aqui, morreria antes que um humano comum.
Aquelas palavras doíam. Eram verdades que queimavam no âmago da garota, nascida do ventre de uma mãe humana, pelas mãos de um pai vampiro. Era tudo verdade, Renesmee era uma aberração inútil. Ela tinha fome, sono e cansaço como qualquer outro humano, e sua velocidade reduzida sempre atrapalhava em caçadas ou quando precisava fazer viagens longas a pé com os outros vampiros de seu clã.
Ela baixou a cabeça. Tinha lágrimas humanas se formando no canto dos olhos. O garoto ruivo desviou o olhar. Não deveria ter sido tão duro, afinal, por mais que aquela dampira sempre estragasse seu banquete, ele gostava dela. Armand se aproximou ainda mais, diminuindo a distância entre os dois.
- Sabe que isso mudaria se você não fosse vegetariana, não sabe?
Ela levantou os olhos para encarar os dele. Não sabia.
- Você é meio humana, meio vampira. – ele continuou – Pode aprender a despertar um desses lados mais do que o outro quando lhe for conveniente. Você pode, por exemplo, comer comida industrializada e manter as bochechas quentes por isso, ou...
Ele pôs as mãos geladas e marmóreas nos ombros de Renesmee e a girou gentilmente para encarar a multidão humana lá em baixo.
- Ou pode beber sangue de verdade, como uma vampira de verdade... E ter poder de verdade. – houve uma pausa de efeito, para que ela digerisse a informação - Afinal, toda vez que você despertar seu lado vampírico, será como se fosse uma recém-criada. Ou seja, será mais forte do que qualquer outro.
Renesmee nada disse. Aquela informação era totalmente nova para ela, nem mesmo Alice ou Jasper, que haviam passado algum tempo com outro dampiro como ela nas terras do Brasil, sabiam disso. Ou, se sabiam, não tinham contado a ninguém. Nem mesmo os Volturi deviam saber. Senão, nunca a teriam deixado viva naquela batalha na neve há alguns anos atrás, podendo ela se tornar uma ameaça daquelas...
Armand não estava mais ao seu lado. Ele havia sumido do telhado e atravessado a multidão.
Não importava, ela estava pensando em outra coisa agora.
Talvez nem mesmo Armand soubesse. Talvez ele tivesse blefado. Talvez ele só quisesse corrompê-la a experimentar uma gota de sangue humano, algo que ela nunca havia provado em toda a sua - ainda curta - existência.
Mas... E se ele realmente soubesse? E se estivesse falando sério? Armand era velho o suficiente, havia viajado o suficiente e conhecido outros vampiros tão velhos e sábios quanto ele. Podia ser verdade. Era totalmente plausível.
Ela tinha de saber. Queria provar.
Os fogos de artifício começaram, assim como a belíssima música celta. Um solitário violinista dedilhava notas em seu instrumento de cima de um palanque no meio das pessoas, enquanto em outro palanque mais ao longe havia um flautista e um percussionista. Eles começaram com Merlaska, uma das primeiras músicas que Edward lhe ensinara a tocar no piano. As luzes em volta do lago estavam apagadas, lançando penumbra sobre a multidão de olhos vidrados nas cores do céu.
Renesmee desceu do telhado e da montanha flutuando como uma garça. Procurou com os olhos aqueles conhecidos cachos ruivos e não os achou muito longe, mas por um momento ela preferiu que estivessem. Assim, ela não teria visto a cena.
Armand se movia como uma raposa, esquivando-se com destreza dos obstáculos humanos até chegar ao seu alvo: um garoto de lisos cabelos loiros e olhos inocentes. Não devia ter mais do que 14 anos. Uma criança no florescer da adolescência, com uma vida inteira pela frente e, no entanto, prestes a receber o beijo da morte.
- Armand. – chamou ela, num sussurro que só o vampiro poderia ouvir. – Não o faça, Armand.
Renesmee estava hipnotizada. Nunca havia visto com seus próprios olhos um vampiro na caçada de sua presa humana. E por mais que ela não quisesse ver o garotinho morrer, não fez nada para impedir o avanço rápido e mortal da raposa.
Tudo durou meros dois segundos. Num instante, Armand entrelaçava os dedos nos cabelos loiros do menino, que arregalou os olhos e virou-se para protestar; no instante seguinte, Armand o envolvia com os braços e cravava suas presas no pescoço jovem e desprotegido. O garoto não teve tempo de soltar um grito, entorpecido pela dor e pelo prazer de ter sua vida sugada para fora do corpo. O mesmo tipo prazer entorpecente de um drogado que vê sua sanidade se esvair pouco a pouco com a droga.
A visão era terrível e ao mesmo tempo bela. Quem os visse de fora, acharia que fossem dois amantes envolvidos num abraço terno. Renesmee achou um caçador e uma caça envolvidos num beijo mortal.
Quando Armand terminou, ainda segurava o corpo sem vida do menino, cujos olhos inocentes agora fitavam o vazio. O ruivo dirigiu o olhar para Renesmee e sorriu. Sua boca estava imaculadamente limpa, sem que nenhuma gota de sangue houvesse sido derramada. O sorriso era macabro, divertido, angelical e lascivo ao mesmo tempo. O olhar, antes negro, voltou à cor dourada original, mas essa não era a única diferença. Armand estava mais belo do que nunca e parecia também... mais poderoso do que nunca.
Renesmee correu. Sobre os telhados da cidade antiga, correu como se sua vida dependesse disso. Sua garganta queimava. Ela se sentia esgotada, mais cansada do que nunca, mas não podia parar de correr. E aquela maldita sede atrapalhava tudo. Pegava-se farejando o ar da noite, descobrindo cada ponto de sangue a sua volta, cada coração que batia tranquilo em sua casa, e sentia vontade de seguir cada cheiro, de provar cada gosto... De se tornar tão bela e poderosa quanto Armand.
Não. Nunca.
Ela vivia entre humanos, convivia com eles, frequentava a escola, tinha amigos. Nunca seria capaz de se alimentar deles. Nunca daria tal desgosto ao seu clã, sua família, que lutava tanto para não manter esse hábito. Não se tornaria uma escrava da sua própria natureza sanguinária.
Outro vulto veio correndo em sua direção. Porém, dessa vez, o vulto tinha cabelos cor de chocolate iguais aos dela e se parecia com ela em vários aspectos. Era sua mãe.
Renesmee tinha corrido até o outro lado da cidade e estava em Parc de la Colombiére quando Bella a avistou. A vampira mais velha sentiu que havia algo errado com a filha e correu em sua direção, tomando-a em seus braços. Renesmee derramava lágrimas humanas.
- Nessie, querida, o que houve? – Bella acariciou seus cabelos, sentindo o calor da garota contrastando com seu corpo gélido.
Ela não conseguia controlar as lágrimas e também não queria falar. Em vez disso, estendeu a mão para o rosto da mãe. Logo a mente de Bella se encheu com as imagens que a filha lhe mostrava: Armand falando aquelas coisas no telhado, Armand matando o garoto de olhar inocente, Armand sorrindo para ela, Armand belo e poderoso. Armand quase a convencendo a fazer o mesmo.
- Não conte nada ao papai. Nem a Carlisle. Nem a ninguém. – pediu Nessie. – Por favor, mamãe, proteja meus pensamentos.
Bella não sabia o que pensar. Sentia ódio, porém também estava deslumbrada com esse tal Armand. Carlisle já lhes havia falado dele. Era um vampiro antigo que circundava a França há séculos. Carnívoro. Solitário. Não se curvava a ninguém, porém havia prometido não se meter no caminho dos Cullen. Em anos, nunca tiveram problemas, mas Armand estava de volta à Dijon, por algum motivo, e não concordava em mudar seus hábitos de caça. Bella, assim como a filha, também nunca tinha posto um gota de sangue humano na boca, não conhecia aquele sentimento de poder.
- Está tudo bem, meu amor. Não contarei. – ela estendeu o campo de seu escudo natural para Nessie - Seus pensamentos estão protegidos.
A essa altura os fogos de artifício já tinham se acabado e as pessoas voltavam para suas casas. O vampiro ruivo também voltaria para procurá-la, Renesmee podia senti-lo se aproximar. Ele se esconderia ali nas sombras das árvores que rodeavam o parque.
- Mãe, vamos embora.
- Ele está vindo, não está?
Bella mal terminou de falar e um ruído raspou os galhos das árvores do parque. Um garoto de 16 anos, cachos ruivos e olhos dourados de felino acomodou-se no galho mais baixo de uma árvore próxima. Armand sorria.
- Você deve ser Isabella.
- E você, Armand. – ela o olhou agressivamente. – Sabe que não pode caçar aqui.
- Oh, perdão, não pude me controlar. – o ruivo sorria cinicamente. – Aquele rapazinho cheirava bem...
Bella e Renesmee trincaram os dentes quase ao mesmo tempo.
– Mas, diga-me, Madame Cullen... Vocês já não deveriam ter ido embora nesse verão? O que Carlisle está esperando para (como eles dizem hoje em dia?)... Cair fora?
Armand era um vampiro de hábitos noturnos, à moda antiga. Quando raiava o dia, ele se trancava numa das tumbas do cemitério ali perto e dormia o “sono vampírico” - que nada mais era do que ficar imóvel até o crepúsculo. Ou seja, para ele não fazia diferença a época do ano, já que ele não tinha que se preocupar em sair ao sol. Mas os Cullen eram vampiros que se misturavam com os humanos, estudavam e trabalhavam. Portanto, no verão, eles tinham que “sair de férias”, pois não podiam arriscar serem vistos nos dias de sol intenso. Nessa época, geralmente iam a Forks. Mas, por algum motivo, Carlisle estava hesitante em sair da cidade naquele ano. Em parte por causa de Armand e do que ele viera fazer em Dijon, o que ainda era um mistério.
- Podemos ir assim que você se afastar da cidade. – devolveu Bella, sem poupar um sorriso igualmente cínico.
O ruivo gargalhou alto. Ouviu-se o crocitar de corvos em revoada mais ao longe no parque.
- Mas vocês são muito engraçados mesmo!
Armand desceu da árvore. Renesmee involuntariamente deu um passo atrás.
- Ficam na cidade por meia década! E já começam a chamá-la de lar, a protegê-la, a venerá-la... A achar que ela é de vocês!
O vampiro agora tinha um olhar feroz, porém divertido. Como quem acha tudo uma grande piada, mas sabe que a piada ainda toca uma ferida aberta.
Ele avançou um passo, Bella Cullen flexionou um pouco os joelhos, assumindo posição defensiva-ofensiva, mas Armand não estava para batalhas. Avançava despreocupadamente.
- Tudo bem. Quem sou eu para questionar os motivos de outros vampiros, por mais ridículos que pareçam os fatos? – ele fitou a dampira de relance antes de concentrar seu olhar na outra, mais velha. – Avise aos do seu clã que podem partir sem preocupações. Eu estou indo para a Itália esta noite e não pretendo voltar tão cedo.
Bella recuperou a posição normal. Mas seus olhos continuaram atentos e agora indagativos.
- Por que está desistindo tão fácil?
A pergunta incomodou Armand, que mordeu os lábios levemente. Bella sorriu consigo mesma. Bom saber que ele tinha o ego inflado.
- Não estou desistindo. Já fiz o que vim fazer aqui.
Foi a vez de a mãe olhar a filha de relance e voltar seus olhos para o outro vampiro.
- E... O que era aquilo que veio fazer?
Armand sorriu e virou-se para ir embora. Mesmo naquela noite quente de verão, ele usava um sobretudo velho e negro, que contrastava com o vermelho reluzente de seus cabelos. O casaco esvoaçou com um vento gélido e repentino.
- Vim plantar uma semente.
Por um segundo, ele sumiu. No instante seguinte, estava de volta ao galho baixo da árvore. Dessa vez, olhava fixamente para Renesmee. Nada de sorrisos zombeteiros, nada de olhares felinos. Apenas olhos dourados, fixos e penetrantes. A voz tão dura quanto sua própria pele marmórea.
- Mademoiselle, n’oubliez pas de ce que vous avez vu ce soir. *
Assim, a raposa finalmente desapareceu na escuridão.
*Senhorita, não se esqueça do que viu esta noite.