Entre a Cruz e a Espada-7
ENTRE A CRUZ E A ESPADA
VII
O amor rompe as barreiras da Eternidade!
Lindas são as flores da primavera! No perfume inebriante que acaricia o olfato, tem-se o cheiro do orvalho da vida. Assim estavam os campos, os jardins, as praças públicas. Por onde se caminhava, sentia-se o doce aroma das rosas, das dálias que massageava os pulmões e havia um colorido que enfeitava a existência.
Lucas aceitara ser adotado por Matheus Cintra. Levou-se algum tempo até que todas as formalidades fossem cumpridas, todavia finalmente Matheus o tinha ao seu lado. Lucas era carinhoso e atencioso. Menino de bons costumes e bem educado. Não era muito alto: 1,65 cm de altura. Nem era magro, nem gordo. Porte atlético, cabelos e olhos negros, pele alva. Uma doçura de criança.
- Então quer dizer que hoje está completando 14 anos – perguntou Matheus.
- Sim, hoje – replicou o menino.
- E o que gostaria de ganhar de presente? – Indagou Matheus.
- Já ganhei – falou – você!
E se abraçaram. Matheus o beijou no rosto e o convidou para sair.
- Vamos fazer um programa especial de aniversário – propôs Matheus – vamos passear, almoçar fora, comprar coisas para você.
- Estou à sua disposição- concordou Lucas – iremos aonde você desejar.
Saíram. Curtiram aquele sábado e foi um dia para nunca mais apagar-se do calendário . Lucas voltou para casa carregado de sacolas e dentro delas havia roupas, sapatos, brinquedos, relógio, boné, um notebook, uma pulseira de ouro... Na orelha direita do garoto viam-se dois brincos dourados.
- Obrigado, Matheus , quer dizer, meu pai Matheus. – agradeceu – você não está zangado comigo por que pedi para colocar estes brincos?
- De forma alguma – respondeu Matheus – você é muito belo e os brincos contrastam com sua beleza.
Lucas era um menino adorável, no entanto parecia muito seguro em relação ao seu íntimo, não era de dividir tudo com Matheus, com certeza havia muitos segredos ali camuflados...
Numa determinada noite, Lucas estava aflito por causa de umas questões de Matemática que não conseguia resolver e, no dia seguinte, haveria prova, exatamente sobre a matéria. Matheus notou sua angústia e se aproximou.
- O que há? – Perguntou – Por que está chorando?
- Estas questões de Matemática que não consigo encontrar soluções para elas... parece grego!
Lamentou-se.
- Deixe-me vê-las – pediu Matheus.
Matheus pegou o livro e leu as questões. Nunca fora tão bom em Matemática, porém o assunto parecia fácil ao seu entendimento.
- Observe, Lucas – pediu atenção – são equações biquadradas, basta aplicar esta fórmula, por ela tudo se resolve.
E mostrou a Lucas como ele deveria proceder e o garoto ficou encantado com as explicações. Compreendia tudo agora.
- Oh... como não me liguei no emprego da fórmula... Que tonto que eu sou! – Criticou-se.
- Você não é nada de tonto, apenas não estava a entender – Disse Matheus. – Agora será capaz de resolver qualquer problema dentro desta matéria.
- Muito obrigado! – agradeceu.
- Não há de quê! Contudo percebo que há outras coisas que não divide comigo, como se fossem segredos os quais não posso ter acesso.
Lucas ficou bem vermelhinho. Era muito tímido e Matheus tocara em uma de suas feridas.
- Desculpa ! É que sempre fui assim, sou bastante introvertido.
- Pode conversar sobre o quiser comigo, estarei aqui para dar atenção e sentido à sua vida. – Colocou Matheus.
- Está bem, tentarei abrir mais meu coração para você, prometo!
Voltou-se para as questões de Matemática e ficou até quase meia noite estudando. Matheus já se recolhera ao seu quarto e estava dormindo, tranquilamente.
Lucas fechou o livro, arrumou a bolsa e também foi deitar-se. Logo adormeceu. No dia seguinte estava cedo na escola, Matheus o levava e ia buscá-lo, diariamente. Na saída, como de costume, lá se encontrava Matheus à sua espera.
- Por que não consegue andar direito? – Matheus indagou.
-Levei uma forte pancada na coxa quando estava a jogar bola no intervalo – justificou Lucas – mas não é nada demais.
- Quero ver isto quando chegarmos em casa – disse Matheus.
- Mas não é nada demais...
Matheus nem disse mais nada. Colocou-o nos braços e o levou para o táxi que os esperava. Ao chegar no prédio em que moravam, ainda nos braços carregou-o até dentro do apartamento, pois, era visível que Lucas não conseguiria andar. Dirigiu-se aos próprios aposentos e o deitou sobre sua cama.
- Que vai fazer? – questionou Lucas.
- Ver o tamanho desta pancada e o que posso fazer para sanar seus efeitos. E não me diga que não é nada, porque nem está conseguindo andar.
Retirou as vestes de Lucas e os sapatos, deixando-o apenas de cueca.
- Onde foi a pancada? – Matheus perguntou.
- Aqui... e apontou a coxa da perna esquerda, bem na altura das nádegas.
- Vou ter de retirar sua cueca, assim divisarei melhor o local – avisou Matheus.
Lucas estava, envergonhadíssimo, mas nada falou e cobriu o rosto com o travesseiro.
- O local parece inchado – disse Matheus – vou precisar dar-lhe um banho e depois fazer aplicação de pomada. Você está morrendo de vergonha, não é?
- Estou sim – respondeu – sou muito tímido e introvertido.
Matheus o colocou dentro do box e o banhou carinhosamente, lavando-o em todas as suas partes. Depois enxugou-o, enrolou-o na toalha e o trouxe de volta para o quarto, depositando-o novamente sobre a cama.
- Não precisa ter vergonha de mim. Estou aqui para ajudá-lo, sempre.
Retirou a toalha de seu corpo, levou-a e a estendeu no banheiro. Trouxe de uma pequena farmácia um vidrinho com uma pomada preta e fez a aplicação no local inchado e dolorido.
- Esta pomada é muito boa – disse – com três aplicações você estará quase bom.
- Ei – chamou Lucas – aonde você vai?
- Vou ao seu quarto pegar uma cueca limpa para vestir em você – respondeu Matheus.
- Não me traga cueca para não apertar, traga-me um calção de algodão que é leve... – Pediu Lucas.
- Pois não, senhor – brincou Matheus – assim será feito.
Procurou o tal calção no armário de Lucas e o encontrou, volveu ao quarto e o vestiu, beijando-o no rosto.
- Quando puder andar, vou levá-lo a um endocrinologista , você precisa de uma consulta – falou Matheus.
- O que é endocrinologista?
- Médico especialista. Precisamos entender o desenvolvimento do seu corpo. Em sua idade, minha região púbica era repleta de pelos, com você dá-se o contrário, é completamente liso, parece um menino de 8 ou 9 anos.
- Era disso que eu não queria que você soubesse – disse – enquanto meus amigos da sala são ricos neste aspecto, eu sou pobre e eles tiram muito sarro com minha cara.
- Aí que eu deveria saber – disse Matheus – pois, caso já soubesse, você já teria ido ao médico e já estaria no tratamento hormonal.Você imaginava que eu fosse tirar sarro com sua cara também?
- Imaginei...
- Prova de que não me conhece bem, ainda. Eu jamais tiraria sarro com sua cara por causa disso, mas o levaria ao especialista para tratar-se. Bobão!
Abraçaram-se e trocaram beijos no rosto.
- Obrigado – agradeceu Lucas – agora sei que posso confiar tudo a você.
- Não era nem para ter tal dúvida. No momento em que resolvi que iria adotá-lo, fi-lo por puro sentimento e não para gracejar de você. – Explicou Matheus.
Lucas nada mais falou.
- Vou ligar – disse Matheus – pedir almoço para nós dois. Quer comer o quê? – Matheus perguntou.
O almoço chegou e se fartaram. Matheus o deixou em sua cama e foi tomar banho. Depois, só de bermuda, deitou-se ao seu lado e ambos adormeceram.
Três anos se passaram. Lucas chegara aos 17, quase 18. Matheus se preparava para festejar seus 50 anos. A convivência estreitou-se, não obstante ao coração de Matheus ninguém nunca havia conseguido apagar a chama do amor que nutria por Fernando. Conversava abertamente com Lucas sobre o pai, como viveram felizes naquele apartamento até o dia de sua morte. Lucas bebia suas palavras e passava a admirar Fernando, embora não o tivesse conhecido, porém havia bastantes fotos para que pudesse imaginar o quanto teria sido bom aquele homem.
- Ele foi tudo para você, não foi?- Indagou Lucas.
- Sim, a pessoa mais importante que já houve em minha vida. Eu amo você e, às vezes, fico confuso, pois, percebo que em muitas coisas você faz-me lembrar dele... Seu jeito de falar, de me abraçar, de beijar meu rosto, de acariciar-me os cabelos... você me faz volver-me ao passado e uma grande parte daquele amor que senti um dia, parece-me vivo quando tenho você comigo... Amo muito você... você, de certa forma, fez-me renascer... Muito obrigado! Matheus estava chorando...
- Se você tinha alguma dívida para com a natureza, certamente a liquidou no instante em que me adotou. – Disse Lucas.
- Eu peço desculpas a você por este desabafo, Lucas... É que estou tão frágil! E em você reencontrei uma parte de minha alegria de viver. Hoje você é meu tudo! Mais uma vez: obrigado! Você tem amor por mim, Lucas?
- Infinitamente! O que sou hoje e o que serei amanhã, obviamente deverei a você. Sei que você me ama, mas seria muita ousadia de minha parte esperar que me amasse como amou Fernando um dia...O que me importa é que conheci você, fui adotado por você e sou feliz!
- Eu também estou feliz, Lucas!
- Um dia eu quis levá-lo ao endocrinologista... mas foi você quem me levou...
- O quê? O que foi que você disse?
Matheus estava estupefato... Não podia crer no que acabara de escutar... Chorava abundantemente.
- Repita, por favor... o que você disse...
- Eu não disse nada!
- Você disse: “Um dia eu quis levá-lo ao endocrinologista...mas foi você quem me levou...”
- Eu disse isto? Tem certeza?
- Sim, você disse... Meus Deus! Será possível? Eu não entendo destas coisas... Meus Deus clareia minha mente... Que se passa, meu Deus? Que se passa?
- Se você está dizendo que eu disse... porém não lembro de ter dito isto... juro que não lembro... Estarei enlouquecendo?
- Não, meu filho, não está... quem está enlouquecendo sou eu, ouvindo coisas...
- Vamos tomar banho juntos como nos velhos tempos?
- O quê? Não! Isto não pode estar ocorrendo... não pode!
- O que foi agora, meu pai?
- Você disse: “Vamos tomar banho juntos como nos velhos tempos?”
- Sinceramente... Não sei o que se passa comigo neste instante... Estou meio tonto, vejo-me num corpo de homem mais velho... Pai, será que estou ficando maluco?
Matheus soluçava... Fenômenos estranhos estes, desconhecia-os por completo... Emocionadíssimo, ajoelhou-se, levantou as mãos para o alto, rendeu graças ao Pai Celestial e disse:
- Senhor meu, é crível o que passa aqui neste momento? Creio em ti, Senhor, creio em ti... Se for o que penso, abençoa-me, abençoa-o igualmente...
Trouxe Lucas ao seu abraço, beijou-o repetidas vezes no rosto, nas mãos, no ombro, no peito, nos cabelos... falou-lhe:
- Não entendo o que acontece aqui, meu filho... porém sei ser coisa de Deus e coisa muito abençoada... Deus seja louvado!
- Estou tomado de forte emoção, pai. Também não compreendo... todavia, posso mensurar o tamanho de meu amor por ti... equivale ao infinito da imensidão universal. És tudo para mim, tudo quero da vida ao teu lado, sempre ao teu lado... e nada mais importa!
Matheus não havia em si mais dúvida, embora nenhum conhecimento houvesse sobre tais fenômenos... Suas lágrimas eram abundantes, sua sensibilidade emotiva estava sem controle, mas logo conseguiu dominar-se...
- Sim, vamos... estou louco de saudade...
Lucas encostou sua cabeça no ombro de Matheus e o beijou ternamente em seu rosto, seguidas vezes. Acariciou-o na face e nos cabelos e ambos foram, pela primeira vez em suas vidas, tomar um banho juntos... Depois foram dormir na cama de Matheus e a noite de sono só foi interrompida com o badalar do tique-taque do relógio na parede. A manhã seguinte anunciava um belo dia. Estaria Lucas a completar 18 anos nesta data e desejava compartilhar com Matheus a intensa felicidade de tê-lo ao seu lado.
Levantaram-se, tomaram banho e saíram. Era domingo e muito havia o que ser feito. Queria aproveitá-lo, porque em sua data natalícia o dia estava lindo e outra vez as flores da primavera enchiam os olfatos do gozo íntimo e de beleza. A natureza é assim, ela ali está sempre todo o ano e em suas estações, mas é o ser humano quem envelhece...
FIM DO CAPÍTULO VII