Nos domínios da Morte-em-Vida: Viagem por Kishinev (Cap. XVI)

Acordei no dia seguinte com a cabeça girando num maelström; todos os eventos das últimas vinte e quatro horas pareciam um difuso sonho. Onde estava eu mesmo? Como chegara ali? O que viera lá fazer?

Após meus olhos ainda sonolentos acostumarem-se com a fraca luz solar que irrompia pelos vidros quebrados da janela, examinei os arredores com atenção: as paredes descascadas, a encardida cama na qual dormira, e a mulher deitada ao meu lado – ainda adormecida. Pouco a pouco comecei a reconstruir os acontecimentos da noite precedente – necessitado das carícias de uma mulher, vim a encontrá-las numa meretriz, estrábica, afundada em drogas e com hálito de nicotina. Contou-me ela que conhecia-me de vidas passadas e acreditei (melhor dizendo, fingi ter acreditado) para que o amor se tornasse mais fácil entre nós. Muito provavelmente consumira copiosas quantidades de drogas antes de me dizer tudo aquilo – e quem seria aquele rapaz em quem bati? (Lembrava-me nitidamente de ter derrubado um homem ao chão com socos.) Teriam os dois alguma ligação mais profunda? Se nos encontrássemos novamente, se lembraria da surra que dei-lhe, vingando-se de mim com agressividade redobrada? “Talvez não se lembraria”, pensei, tentando tranquilizar-me; “aparentava estar demasiadamente ébrio.” Mas não gostaria de tentar a sorte.

Arrependi-me profundamente de meus planos de ontem; quem era eu para aparecer na vida de uma estranha e tentar modificá-la? Como haveria de salvá-la, estando eu mesmo perdido em minha própria melancolia? O que ela poderia fazer comigo se me recusasse a participar de sua encenação, na qual desempenhávamos o papel de conhecidos de uma encarnação anterior? Eu nem ao menos cria na existência da alma!

Todos os encantos de Alina desapareceram ante meus olhos, e enxerguei-a, enfim, como realmente era: uma mulher perdida mentalmente perturbada e irrecuperável, seja pelo poder do amor, seja por outros meios. Apenas ela própria poderia ajudar-se, e as chances disto acontecer eram mínimas naquele ambiente.

Precisava sair dali. Sem fazer qualquer ruído, levantei-me da cama, vesti-me tão rapidamente quanto pude, deixei-lhe algum dinheiro e um breve bilhete de despedida, e mal pus os pés para fora do bordel comecei a correr rumo à cidade desenfreadamente. O cansaço veio a vencer-me depois de algum tempo, e sentei-me à beira da estrada, com as pernas doloridas e os pulmões prestes a explodir.

Para a minha felicidade, vi um carro surgir no horizonte; um velho Lada. Gesticulei como louco para que parasse – bendito seja! Um gentil senhor acudiu-me. Deu-me ele uma carona, e felizmente não interrogou-me em demasiado sobre o que ocorrera comigo – não sei se conseguiria responder sem causar vergonha a ambos. Agradeci-lhe presenteando-o com uma lustrosa nota de 200 lei e caminhei tropegamente cidade adentro, carregando duas certezas comigo.

A primeira: nunca mais haveria de pensar naquela mulher e naquela noite novamente.

A segunda: todo animal depois do coito de fato entristece, como já dizia o antigo ditado.

[Continua no Cap. XVII]

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 07/06/2014
Reeditado em 20/10/2022
Código do texto: T4835704
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