São Paulo, Nova York, França
Autor: Soleno Rodrigues
Peça em um ato
Sinopse
Advogado fracassado, bêbado e poeta maldito, encontra rapaz, vindo do interior, sem trabalho e sem teto, morando em uma pensão mal – afamada e tentando sobreviver na cidade grande, mantendo-se fiel a seus princípios. Ao lado de duas prostitutas viverão junto a loucura da noite na cidade grande, iniciando entre eles uma grande amizade.
Personagens: 2 femininos
2 masculinos
Dr. França
Tonho
Maiara
Marluce
Cenário
Uma pequena praça , bancos simples, flores...
Cena 1
É fim de tarde, e Tonho , um rapaz vindo de uma pequena cidade do interior, está sentado no banco da praça lendo um jornal, a seção de emprego, quando chega Dr. França, semiembriagado, e pergunta se pode sentar-se ali , no banco.Com a resposta positiva , Dr. França senta-se ao lado de Tonho, e vai logo iniciando uma conversa.
Dr. França: É , rapaz... (Faz uma pequena pausa, e fala de forma poética) A tarde está indo embora, vagarosamente; é mais um dia chegando ao seu final. A tarde vai-se sem nenhum prenúncio de culpa , e nós aqui, estamos com pressa demais...
Tonho: A tarde, né? (Recolhendo o jornal e impressionado com o jeito de falar e com a postura de Dr. França)
Dr. França: É a tarde com o seu belo aspecto crepuscular que nos convida para a contemplação... (Com um olhar sem direção) E nós estamos com pressa demais.
Tonho: (Sentindo-se intimidado com o vocabulário de Dr. França , mas Interessado em interagir com aquele desconhecido) É... tá no final da tarde... e é muita pressa... muita gente passando pra lá e pra cá.
Dr. França: É muita pressa. E o tempo não espera por ninguém, e também parece não dar importância aos nossos propósitos. Mais um dia que vai embora. (Lânguido) E um dia é uma parcela do tempo.
Tonho: Um dia parece ser curto pra se fazer tanta coisa .
Dr. França: (Ativado pela fala de Tonho) Eu não posso dizer que um dia é um tempo curto ou se é um longo tempo. Depende de como a gente utiliza o nosso tempo.
Tonho: É ...
Dr. França: (Aumentando o tom) O tempo é um enigma que desafia a curiosidade humana. É provável que seja o maior mistério do universo ,e intriga a nossa capacidade de pensar. É inexorável o seu poder em relação a todos os seres vivos, e exerce um grande fascínio sobre homens e mulheres; é um professor austero, e também nos causa tanta preocupação. O tempo. O que fazer do nosso tempo? ( Passando a mão direita na testa, pensativo)
Tonho: (Sentindo necessidade de acompanhar o raciocínio de Dr. França) A gente precisa saber o que fazer com o nosso tempo. Mas nem sempre isso acontece, e na maioria das vezes quando a gente se dar conta das coisas que a gente vai fazer, o tempo já passou.
Dr. França: Esse é o caso de muita gente.
Tonho: É , tem muita gente assim.
Dr. França: (Identificando-se com o exemplo da fala de Tonho). Hoje eu não fiz praticamente nada, quer dizer, nenhuma coisa útil, mas bebi muito.(Ri com deboche) Bebi muito e não fiz nada.
Tonho: (Ri, sem graça) Foi, né? Bebeu?
Dr. França: Bebi bastante.(Deliciando-se)
Tonho: Bebeu bastante e não fez nenhuma coisa útil?
Dr. França: Não fiz nenhuma coisa útil.
Tonho: A gente tem que fazer alguma coisa útil.
Dr. França: Ah, se bem que beber também pode ser uma coisa útil. A bebida deveria ser considerada um gênero de primeira necessidade. A solução para os problemas insolúveis. (Irreverente) E eu bebo. Eu bebo sim.
Tonho: Beber é coisa útil?
Dr. França: Dependo do ângulo que vemos a bebida, e o comportamento de quem a consome , a bebida pode ser uma coisa útil, sim.
Tonho: (Com ingenuidade) A bebida embriaga.
Dr. França: Embriaga sim... (Advertindo Tonho) Mas eu não estou embriagado. É... (Meio confuso) Eu estou quase embriagado... E... não estou muito embriagado...
Tonho: (Concordando com Dr. França)Tá quase embriagado, mas não tá embriagado não.
Dr. França: Sou capaz de me equilibrar em um só pé.(Levantando-se do banco e tentando ficar em um pé só, quase cai e é amparado por Tonho, e senta-se novamente no banco)
Tonho: (Ignorando o estado etílico de Dr. França)Tá firme.
Dr. França: (Com ênfase e rindo) E forte.
Tonho: E forte, também.(Esforçando-se para não ri) O senhor tá muito bem.
Dr. França:( Mantendo-se firme) Eu sou duro na queda.
Tonho: Dar pra perceber.
Dr. França: Mas o álcool causa esses efeitos.
Tonho: O efeito do álcool.
Dr. França : (Mudando de assunto e de tom) Você é daqui mesmo? Eu não lembro de ter te visto por aqui... Mas você não me parece estranho... Eu acho que não...( Olhando para Tonho com atenção) Não, não, eu nunca te vi antes. Eu te confundi com outra pessoa. Eu encontro com tanta gente diariamente que confundo as pessoas. Essa é a primeira vez que te vejo, e como é mesmo o teu nome?
Tonho: Meu nome é Antônio , mas todo mundo me chama de Tonho, e eu não sou daqui não! Eu sou do interior. Eu sou de uma cidade do interior, bem pequenininha.
Dr. França: Do interior, e tá aqui na cidade grande? Veio se aventurar na cidade grande? (Fala como discursasse) Mais um jovem do interior que veio aventurasse na cidade grande, nessa imensa selva de pedra. E o que irá lhe acontecer? Vai passar por momentos difíceis, hein. Como é difícil a vida na cidade grande. Vai precisar de muita sorte e muita coragem . Muita força pra vencer todas essas dificuldades, viu?( Com a mão na cabeça de Tonho, balança-o)
Tonho: (Com segurança) Eu sei. Tô aqui na cidade grande e peço a Deus que tudo dê certo, que eu consiga encontrar o que eu estou procurando, que é um trabalho melhor, uma condição de vida melhor aqui na cidade grande.
Dr. França: Cidade grande, pra muita gente é uma aventura. (Olhando para o alto) Uma bela aventura. Uma aventura daquelas, que parece rasgar o destino das pessoas, mudando a sua história de vida. Para uns a vida muda pra melhor; para outros, a vida não é tão generosa assim. É uma aventura. E às vezes essa aventura se transforma em tragédia. Uma tragédia. (Virando-se rapidamente para Tonho e fazendo gesto de negação com o dedo indicador da mão direita no ar)Mas não é o seu caso.
Tonho: Tô aqui na cidade grande, e vou lutar pra ver se consigo alguma coisa por aqui.
Dr. França: Cidade grande ,São Paulo; ‘A Paulicéia Desvairada ‘ , muito diferente de uma cidadezinha do interior. Lá ,no interior, as coisas são mais fáceis, aqui a coisa muda de figura ,é bem mais complicado. É um mundo cheio de perigos. A cidade grande está cheio de armadilhas. (Com jeito assustador) E é preciso muito cuidado pra não ser vencido pelo medo... ou pela realidade.
Tonho: É, tem que ter muito cuidado.
Dr. França: São muitos os perigos aqui, na cidade grande.
Tonho: No interior também não tá tão calmo assim, não. A coisa lá também tá difícil. A violência , a agitação tá em todo lugar. Na minha cidadezinha também tá muito violento. Tem muita violência lá, muita violência. ( Lamentando)
Dr. França: É, a vida tá difícil em qualquer lugar. O que estão fazendo com esse velho planeta terra? É um absurdo atrás do outro. E não há perspectiva de melhora. O mundo está mal e o Brasil é o reflexo dessa decadência humana. Tá tudo muito mal. (Preocupado) O que vamos fazer das nossas vidas, Tonho?
Tonho: É muita coisa ruim.
Dr. França: Muita coisa ruim, rapaz.
Tonho: É, a vida é muito complicada.
Dr. França: Complicadíssima!
Tonho: Por que que a vida não é diferente?
Dr. França: ( Meio tímido) Diferente, né?
Tonho. Como era bom se a vida não fosse tão difícil assim.
Dr. França: É difícil.
Tonho: Muito complicada.
Dr. França: ( Sentindo necessidade de passar otimismo para Tonho) A vida é uma linha reta, nós imaginamos as curvas.
Tonho: É assim?
Dr. França: É sim.
Tonho: Pode ser assim. A gente tem que encontrar uma maneira de se livrar de tantos problemas, ir em frente, driblando os problemas.
Dr. França: Pode sim.
Tonho: É preciso ter força, a vida não é moleza. E também é preciso ser esperto.
Dr. França: Tem que ser esperto, e aqui no Brasil... É imprescindível, a esperteza.
Tonho: A esperteza, né?
Dr. França: Vamos deixar esse assunto de lado, fale mais de você , você tem emprego (Com Ansiedade)Já arrumou algum trabalho? Estar procurando trabalho e não encontrou ainda? Você estava lendo a seção de emprego?
Tonho: Ainda não arrumei trabalho, tá difícil, é como o senhor disse, tá difícil em qualquer lugar. Mas eu estou procurando.
Dr. França: Tem que procurar bastante, São Paulo é muito grande.
Tonho: É muito grande.
Dr. França: O problema é que tem uma crise por aí , uma tremenda crise econômica... E nos pegou de surpresa.
Tonho: É uma crise feia.
Dr. França: Mas o Brasil é grande , vai superar essa crise. Logo , logo essa crise vai passar.
Tonho: Vai superar sim. (Confiante) E essa crise vai passar.
Dr. França: (Fazendo graça) Enquanto isso, eu bebo e você procura trabalho.
Tonho: E é assim, é? (Ri)
Dr. França: Não é um bom trato?
Tonho: Qué que eu posso fazer?
Dr. França: Não há uma alternativa plausível.
Tonho: ( Sem entender) Hã?
Dr. França: Você disse que até na sua cidade também tem violência?
Tonho: Tem violência , sim.
Dr. França: ( Surpreso) É mesmo, é? É, a coisa tá feia, o Brasil se transformou em um lugar muito violento, em toda parte desse país tem violência. ( Com veemência) É um naufrágio total. Naufragamos, Tonho.
Tonho: Lá na minha cidade também tem violência; tem roubo, crime. Agora, aqui tem mais violência. Lá não tem tanta violência assim. Aqui, o lugar é maior, né?
Dr. França: É, e sonhávamos com uma nação democrática e civilizada. E até lutamos muito pra que isso acontecesse. Foram muitos anos tentando essa conquista: uma nação democrática e civilizada. Lutamos pela democracia, a democracia chegou, mas não trouxe consigo a civilidade. ( Como se estivesse falando apenas para si) Como é bom a civilidade. E não estamos civilizados.
Tonho: Tem muita coisa errada nesse mundo.
Dr. França: (Falando alto e não se preocupando com a capacidade de entendimento de Tonho ) É , parece que o ser humano desumanizou-se mesmo. E aqui , com especialidade. O Brasil desumanizou-se , independente da questão ideológica, eu não estou me referindo ao tempo passado recente como um período de paz, e associando esse tempo a uma situação política autoritária; estamos numa democracia e estamos desumanizados.
Tonho: E isso tudo me faz medo! Eu tenho medo. Todo dia eu telefono pra minha mãe, pra meu pai, e eles tão muito preocupado comigo. Eles vê o noticiário na televisão, assalto, assassinato, muita coisa ruim.
Dr. França: É, é uma barra.
Tonho: E eu tenho um medo danado. Tenho medo de assalto, de briga...
Dr. França: Todos esses problemas tem uma explicação... Eu acredito que tudo isso seja o resultado da falta de organização política –social. É muita desigualdade... É como diz aquele velho ditado popular: é pouco com tanto, e muito sem nada. É a velha injustiça social que provoca toda essa confusão. E é uma carnificina, Tonho. ( Alertando-o) Você precisa ter cuidado.
Tonho: Eu também acho que é isso mesmo, o senhor tem razão. E é preciso ter cuidado.
Dr. França: É , e estamos vivendo em um país que é um exemplo de injustiça social. É uma desigualdade de lascar, e isso gera pobreza, marginalidade, violência.
Tonho: É muito ruim viver assim .
Dr. França: É péssimo viver assim.
Tonho. A gente tem que dá nó em pingo dágua pra sobreviver. Se não for assim, a gente se atrapalha.
Dr. França: É preciso ter muito cuidado, rapaz.
Tonho: Eu tô desconfiado de muita coisa, quando eu percebo uma pessoa suspeita, eu já vou logo dando o fora
Dr. França: Tem que ficar de olho bem aberto.
Tonho: Tem que tomar cuidado.
Dr. França: É tanta gente pelas ruas de São Paulo... Como é que pode se viver assim? Não se tem sossego.
Tonho: E a sua família, o senhor é casado, tem filho?
Dr. França: ( Secamente)Não. Eu não tenho família.
Tonho: ( Com estranheza)Não tem família?
Dr. França: Eu não tenho ninguém no mundo. Ah, eu sou só no mundo , Tonho.( Meio aborrecido)
Tonho: (Com piedade). É sozinho no mundo.
Dr. França: (Cabisbaixo)Sozinho no mundo.
Tonho: Não é bom a gente ser só no mundo.
Dr. França: Não é bom.
Tonho: É muito bom ter uma família.
Dr. França: (Querendo mudar de assunto) Vamos falar novamente do Brasil.
Tonho: ( Com admiração) O Brasil é muito grande. É uma nação muito grande.
Dr. França: É enorme. (Com ironia) O Brasil é enorme.
Tonho: E tem muita pobreza, é uma pobreza danada, mas também tem muita riqueza, eu fico olhando pra esses prédios grandes, é muita riqueza, e no outro lado da cidade ,muita pobreza também... Muita pobreza mesmo... Meu Deus!(Lamentando)
Dr. França: É isso Tonho, fala-se que em breve o Brasil será uma potência econômica. Embora o momento seja de crise, mas essa crise logo vai passar e voltaremos a crescer, e essa possibilidade de sermos uma potência econômica é uma ótima notícia, em princípio, mas na prática, infelizmente, as coisas não são tão animadoras assim. Não temos escolas boas, não temos hospitais, não temos segurança, enfim , vivemos em uma lástima de país. E é muito provável que esse quadro não vai mudar a curto prazo . Mesmo que o dinheiro venha, e essa nação se torne uma potência econômica. O Brasil é um grande exemplo de que o dinheiro não traz felicidade. Ao menos para o seu povo.
Tonho: É , a nossa realidade é bem triste, e dá medo.
Dr. França : É preciso ser forte para suportar os horrores deste trópico maldito! (Agressivo)
Tonho: (Sem dar importância à agressividade de Dr. França)Tem que ser forte!
Dr. França: Tem que ser muito forte pra enfrentar essa realidade desastrosa.
Tonho: O perigo tá em qualquer lugar.
Dr. França: Em todo lugar, o perigo e o medo já fazem parte do nosso dia a dia.
Tonho: É assim o Brasil.
Dr. França: ( Com cinismo) Deus salve o Brasil! Afinal de conta, Deus é Brasileiro, e não vai esquecer o ser lugar.
Tonho: ( Com seriedade) O nosso país, o nosso lugar.
Dr. França: Isso tudo nos deixa de cara amarrada. (Com irreverência) Eu tô de cara amarrada, percebesse?
Tonho: De cara amarada?
Dr. França:(Esforçando-se para não ri) Eu estou de cara amarrada.
Tonho: Não é pra menos, é muitos problemas. E a coisa é séria... viu?
Dr. França: São muitos os nossos problemas, e a solução parece estar muito distante de nós...
Tonho: Tá ruim de resolver esse problema. E o Brasil...
Dr. França: (Uma ira repentina) O Brasil deveria ser classificado como uma nação bárbara, e excluído da história humana; e destruído, aniquilado, inviabilizado as todas as formas de vida.
Tonho: (Entendendo a fala de Dr. França e sentindo-se chocado) Aí não, eu não concordo com o senhor não.
Dr. França: Não concorda?
Tonho: O Brasil não merece isso, nem o povo brasileiro.
Dr. França: Eu lamento pelo seu lugar, o seu lugar , o seu belo lugar. O seu belo país. ( Com jeito gozador) Olha que é um belo país.
Tonho: Eu não conheço esse lugar não. (Aborrecido) Eu conheço o meu lugar. E o meu lugar é importante pra mim. É muito importante pra mim. Eu gosto de viver aqui no Brasil. No meu lugar.
Dr. França: ( Meio sádico)É o seu lugar?
Tonho: ( Com orgulho) É o meu lugar. E não pode ser assim não. É o meu lugar ...( Apontando o dedo indicador da mão direita para Dr. França) E é o seu lugar também.
Dr. França: (Lamentando) Não houve outro jeito. Mas a culpa não é minha. Eu não pedi a ninguém pra nascer aqui. E se dependesse de mim, você acha que eu queria ter nascido neste lugar... tão ordinário?
Tonho: Eu gosto do meu lugar. E não pode ser assim como o senhor falou. O senhor tá errado. (Incisivo) É também o seu lugar. E foi muito pesado o que o senhor disse.
Dr. França: Pesado? (Ri)
Tonho: Muito Brabo, muito violento. E isso aqui é o seu lugar também.
Dr. França: (Sentindo o peso das palavras de Tonho)É verdade, é o meu lugar também. (Constrangido) E eu reconheço que peguei pesado. Eu fui longe demais. Eu não devia...
Tonho: E não pode ser assim.
Dr. França: Às vezes eu passo do limite. Se é que eu tenho algum limite. Eu acho que eu não tenho limite. ( Refletindo)E o limite é necessário.
Tonho: Eu acho que foi um erro do senhor.
Dr. França: (Com jeito humilde)Me perdoe pelo erro.
Tonho: (Compreensivo)Todo mundo erra nessa vida.
Dr. França: É... E nesse estado etílico em que me encontro os erros acontecem com muita frequência. (Demonstrando não querer conflito com Tonho)Eu te peço perdão.
Tonho: É , o erro é humano.
Dr. França: ( Com delicadeza)Você não está chateado comigo?
Tonho: Não. Eu não tô chateado com o senhor não.
Dr. França: ( Com simpatia) Então mostre um sorriso.
Tonho: (Desconfiado)Um sorriso?
Dr. França: (formal) Um sorriso.
Tonho: ( Ainda não acreditando no pedido de Dr. França) Um Sorriso.
Dr. França: (Com seriedade) Um sorriso.
Tonho: .(Ingênuo) Sorrir é tão bom.
Dr. França: É , você tem razão, sorrir é muito bom. Um sorriso pode ser uma manifestação de alguma coisa boa.
Tonho: Um sorriso pode ser uma demonstração de bondade.
Dr. França: ( Com jeito professoral) Pode ser uma demonstração de bondade, e pode ser maldade também, depende das circunstâncias, depende de como o sorriso é apresentado, depende de quem sorrir.
Tonho: Sorrir é bom.
Dr. França: É, sorrir é bom, bom mesmo. E como um sorriso é oportuno, é necessário, ajuda a suportar os momentos difíceis. Enfeita a vida. Mas as vezes ele pode ser cruel. Eu me lembro de um jogador de futebol brasileiro, que quando ia cobrar um pênalti . Ao pegar a bola, para colocá-la na marca da cal, fazia um sorriso. Frio e debochado. Era o terror dos goleiros. Exatamente, no único momento em que o goleiro fica em uma situação privilegiada. O goleiro não tem obrigação de defender o pênalti; o cobrador tem obrigação de converter, de fazer o gol. Porém, esse atleta conseguia inverter essa situação. Aquele sorriso causava perturbação nos goleiros (Pausa). É preciso saber sorrir. (Rindo e advertindo Tonho)
Tonho: (Refletindo) Um sorriso é importante, mas é preciso saber sorrir.
Dr. França: É muito importante saber sorrir.
Tonho: ( Concordando) Saber sorrir.
Dr. França: Mesmo com tudo isso você gosta daqui, rapaz, dessa bela cidade grande? Cheia de oportunidades. Cheio de coisas boas. ( Com ironia) Olha que aqui tem muita coisa boa.
Tonho: Eu tô aprendendo a viver aqui.
Dr. França: Mesmo com todos esses caos urbano?
Tonho: (Determinado)Eu vou me acostumar com toda essa confusão
Dr. França: (Falando fortemente) Ainda não se acostumou com toda essa movimentação?
Tonho: Eu ainda não me acostumei a essa vida tão corrida, é muita agitação. Mas eu vou me acostumar com isso tudo. (Como fizesse um alerta a Dr. França) E não vai demorar muito não.
Dr. França: É muita agitação, além de todas as coisas ruins que a gente já falou... E por que você veio pra cá? É por que tem mais oportunidades?
Tonho: É porque aqui tem mais oportunidade, apesar de toda essa dificuldade , aqui tem mais oportunidade
Dr. França: Aqui tem mais oportunidade. (Alertando Tonho)Mas é difícil conseguir as oportunidades.
Tonho: Lá, na minha cidade é muita pobreza, não tem trabalho, e o que aparece é por pouco tempo, trabalho lá é difícil.
Dr. França: Por falar em trabalho , que trabalho você gostaria de fazer aqui?
Tonho: Tô procurando, na construção civil, ou de jardineiro, o que aparecer eu pego.
Dr. França: Vai aparecer, é só ter um pouco de calma. Você demostra ser um homem trabalhador, é forte, não falta disposição pra trabalhar, né? É só ter paciência, quando menos se espera, acontece. E o emprego é seu.
Tonho: O senhor não tá precisando de uma pessoa pra trabalhar pro senhor ,não?
Tonho: O nome do senhor é...?
Dr. França: (Interrompendo ) Eu? Eu não posso nada. Eu não tenho um trabalho pra você. Dr. França. (Com a voz alta) E o meu nome é França. Dr. França.
Tonho: ( Curioso)O senhor é um médico?
Dr. França: (Sem entusiasmo) Sou advogado.
Tonho: ( Surpreso)Advogado.
Dr. França: ( Com a voz baixa)Sou advogado.
Tonho: (Solenemente)Advogado.
Dr. França: (Com empolgação) E sou poeta também!
Tonho: Poeta?( Estranhando) É, o senhor fala diferente. E fala bonito, mesmo quando diz coisa que eu não concordo.
Dr. França: ( Com orgulho)Sou poeta.
Tonho: Desculpe a minha ignorância, mas o que é que o senhor tá fazendo a essa hora aqui na praça, e...?
Dr. França: ( Com sarcasmo) Estou tentando poetar. E encontrei você.
Tonho: (Sem entender a malícia de Dr. França ) E conseguiu?
Dr. França: Não consegui , mas eu encontrei você. Você é uma criatura especial, você gosta do Brasil. O seu belo país.( Com ironia) Encontrar uma pessoa como você é como fazer um belo poema... É como escrever uma bela poesia. Há pessoas que são como um belo poema, tem a beleza de um belo poema. (Já sem ironia) A simplicidade de um homem é uma bela forma de poesia.
Tonho: Eu sou uma poesia? O senhor acha que eu sou uma poesia? Eu não sou nada. E muita gente gosta do Brasil, eu não sou a única pessoa que gosta do Brasil. (Um pouco carente) Tem muita gente como eu por aí.
Dr. França: Todo ser humano é uma poema. Existem várias formas de poema, tem poema da beleza, poema trágico, e como tem poema trágico. (Com seriedade) Mas todo ser humano é um poema. Espero que você não seja um poema trágico. (Decidido)Você não é um poema trágico.
Tonho: Poema trágico?
Dr. França: Um poema trágico como a vida.
Tonho: A vida pro senhor é uma coisa trágica , é?
Dr. França: A vida é trágica, é uma tragédia de proporções gigantescas, e os personagens dessa tragédia, somos todos nós, seres humanos... Mas vamos mudar de assunto.
Tonho: Vamos sim... (Curioso) O senhor é advogado?
Dr. França: Eu sou advogado, e no momento eu não faço nada, estou quase ébrio, mas eu gosto mesmo é de ser poeta. Ser poeta é que me satisfaz na vida. Um poeta maldito.
Tonho: Poeta maldito?
Dr. França: Um poeta maldito.
Tonho: Poeta maldito?(Sem entender) Poeta é bom! É bom ser poeta.
Dr. França: Ser poeta é bom porque poeta não fracassa. Poeta não fracassa, e quando o poeta morre ,fica famoso, aí tudo bem!
Tonho: Poeta maldito? Por que o senhor é um poeta maldito?
Dr. França: A minha poesia é maldita.
Tonho: Maldita?
Dr. França: Quando eu lhe mostrar minha poesia você vai entender o porquê dessa maldição.
Tonho: Poesia maldita. ( Pensativo)
Dr. França: Você pode não gostar da minha poesia. (Advertindo Tonho) Achar minha poesia chata.
Tonho: Eu gosto de poesia! Na escola , eu gostava muito quando a lição era uma poesia , Castro Alves, Manuel Bandeira...
Dr. França: Nem tudo tá perdido, Tonho, você gosta mesmo de poesia. Você deu prova de que gosta de poesia. ( Surpreso ) Hum... que coisa boa!
Tonho: Poesia é bom. Eu gosto de poesia. Eu leio poesia, poesia matuta, poesia nordestina.
Dr. França: É, eu conheço a poesia matuta, poesia nordestina, poesia popular , é interessante esse tipo de poesia.
Tonho: (Com entusiasmo)Eu gosto muito de poesia, de todo tipo de poesia.
Dr: França: Poesia é vida. A vida Sem poesia é insuportável. A poesia ajuda a suportar a vida. Se bem , que tem gente que mesmo com poesia não suportou a vida. E tibum!
Tonho: ( Mantendo o entusiasmo) Eu gosto de poesia!
Dr. França : (Também entusiasmado) Ótimo ,Tonho!
Tonho: Me diga uma coisa, poeta ganha dinheiro?
Dr. França: Às vezes poeta ganha dinheiro, mas não é muito comum poeta ganhar dinheiro.
Tonho: Quem ganha mais dinheiro, poeta ou advogado?
Dr. França: (Com ironia)Poeta ganha mais.
Tonho: (Com curiosidade ) É mesmo? Poeta é assim? Ganha muito dinheiro?
Dr. França: É brincadeira.(Rindo) Poeta não ganha nada.
Tonho: Não ganha nada?
Dr. França: Quer dizer , sempre se ganha alguma coisa com a poesia. Vale a pena ser poeta. ( Com resignação)Pode não se ganhar dinheiro, mas é uma satisfação imensa ser poeta. É muito bom ser poeta. Mesmo que não se ganhe nada.
Tonho: Poeta não ganha dinheiro?
Dr. França: Às vezes poeta ganha dinheiro, mas não é comum poeta ganhar dinheiro. ( Querendo finalizar o assunto) E... Poeta é assim mesmo...
Tonho: ( Insistindo no assunto)Poeta faz muitas coisas na vida.
Dr. França: Alguns poetas fazem muita coisa na vida.
Tonho: O senhor já fez muita coisa na vida, eu tenho certeza disso.
Dr. França: Pode ser, mas deixemos isso pra lá.
Tonho: Poeta e Advogado.
Dr. França: Poeta e bacharel. Meu pai sempre quis que eu fosse bacharel... Ser poeta foi uma escolha minha.
Tonho: É o que eu penso. O senhor tem jeito de quem fez muita coisa na vida. Como advogado e como poeta.
Dr. França: Você acha?
Tonho: Tenho certeza.
Dr. França: (Voltando o interesse na conversa) Poeta , você nem imagina do que somos capaz... Como poeta eu fiz uma porção de coisas agradáveis. Fiz até essa frase : É preciso ser forte para suportar os horrores deste trópico maldito!
Tonho: (Sem dar importância as palavras ásperas de Dr. França) É ,eu gosto muito de poesia!
Dr. França: Quem sabe eu não faço um poema pra você falando da coragem do jovem do interior que veio se aventurar na cidade grande. Se bem que esse tema é bem batido, cheio de lugares comuns, mas você é tão especial, gosta de poesia, isso salva você dos outros companheiros de aventuras.
Tonho: Eu vou ficar muito contente se isso acontecer, o senhor contando a minha vida, contando a minha história de vida ,e em forma de poesia. Oh, é muito bonito. Será que eu mereço tudo isso?.
Dr. França: ( Com euforia)Tonho, sua vida em uma prosa poética.
Tonho: É bonito isso.
Dr. França: (Com reverência) Uma prosa poética contando as aventuras de Tonho na cidade de São Paulo.
Tonho: (Empolgado) É uma beleza. Pra mim é uma beleza.
Dr. França: (Com veemência) A minha prosa poética falando de você... vai ser um sucesso.
Tonho: Sim. (Com um verto orgulho) A sua poesia falando de mim.
Dr. França: Eu vou fazer essa prosa poética.
Tonho: É muito bonito isso. Vai ser muito bonito. Vai ser muito bom pra mim.
Dr. França: Tem um problema, Tonho( Pausa) Você não conhece a qualidade dos meus versos, e se eu for um mau poeta, aí vai ser uma vergonha, uma decepção, como tantas que eu já passei, que eu já vivi. São muitas decepções , e agora com um agravante, posso decepcioná-lo também.
Tonho: O senhor não pode ser um mau poeta... O senhor fala bonito, mesmo quando fala das coisas que eu não concordo, que não me agrada. Fala bonito.
Dr. França: Por que você chegou a essa conclusão , por que eu não posso ser um mau poeta? Você conhece pouco sobre mim. Só porque eu falo bonito, isso não é uma garantia que eu seja um bom poeta. Você não conhece nada sobre a minha capacidade poética. E a minha poesia? Você ainda não conhece. (Alertando Tonho) Eu posso ser um mau poeta, Tonho.
Tonho: Um mau poeta não falava comigo desse jeito, não ia me dar atenção, e não ia escrever uma prosa poética contando a minha vida na cidade grande. (Ri) E o senhor fala bonito. E é um homem bom. E só pode ser um bom poeta.
Dr. França: Ah, quer dizer que você acha que os bons poetas são generosos, humildes, pessoas boas... Olha que não é bem assim não... Poetas generosos , nem sempre.
Tonho: Nem todo poeta é bom? Nem todo poeta é uma pessoa boa?
Dr. França: Nem todo poeta é generoso.
Tonho: E advogado é generoso?
Dr. França: Também não é comum advogado generoso. E se for um advogado de sucesso, fica mais difícil ainda ser generoso. Para um fracassado como eu, pode ser diferente. É bem provável que a minha generosidade seja fruto do meu fracasso.
Tonho: O senhor acha que o senhor não é um bom advogado?
Dr. França: Não! Eu não consegui ser um bom advogado; sou medíocre na minha vida profissional; sou um homem fracassado ,Tonho, um fracassado.( Demostrando piedade de si mesmo) Eu nunca fiz uma grande defesa na minha vida advocatícia, e as pequenas defesas as vezes são vergonhosas, e eu preciso delas pra sobreviver. (Esforçando-se para animar-se)Mas eu sou um bom cantor. E vou cantar pra você uma canção muito pertinente a minha condição de vida.
Dr. França canta duas estrofes da canção “Viagem”
-“ Oh tristeza, me desculpe
Estou de malas prontas
Hoje a poesia veio ao meu encontro
Já raiou o dia, vamos viajar.
Vamos indo de carona
Na garupa leve do vento macio
Que vem caminhando
Desde muito longe, lá do fim do mar...”
Tonho: É , muito bem! O senhor não é só um bom poeta ,também é um bom cantor, poeta! Não é bom ser um bom poeta e também um bom cantor?
Dr. França: É bom sim. É bom ser um bom poeta e também ser um bom cantor. Mas eu nem sei se sou um bom poeta e também não sei se sou um bom cantor. É você que tá dizendo que eu sou um bom cantor. (Transferindo a responsabilidade)
Tonho: (Com segurança) O Senhor é um bom poeta e um bom cantor. Eu garanto que o senhor é sim: bom poeta e um bom cantor.
Dr. França: Obrigado, Tonho, você é que é generoso! Mas eu acho que sou mais um poeta bom do que um bom poeta, e não estou com ironia ao fazer esse trocadilho, você me entende ? E quanto ao bom cantor eu concordo com você. Eu acho que eu canto bem. (Como se estivesse aborrecido) E você tem que me aplaudi quando eu cantar.
Tonho: Eu não sou poeta, nem também sou cantor. (Rindo)
Dr. França: Tonho ( Advertindo-o) dizem que se nasce poeta, você falando assim...
Tonho: (Com um jeito desafiador) Eu aposto que o senhor é um bom poeta.
Dr. França: (Fingindo seriedade)Você falou Tonho, eu não vou duvidar de você.
Tonho: Tá bem.
Dr. França: Ah, a poesia, como a poesia me faz bem. ( Com as mãos para o alto como se estivesse embevecido) A poesia me faz muito bem.
Tonho: (Interrompendo) Dr. França, mudando de assunto, eu preciso de um lugar pra ficar , a pensão onde estou é muito fuleira, aliás, não é uma pensão, tá mais por um cabaré do que pra uma pensão. !(Aumentando o tom de voz) É um cabaré. A coisa lá é quente, é quente mesmo!
Dr. França: Somos dois, Tonho. A minha pensão também tem a característica de um cabaré! Aquilo lá é um cabaré. E eu não gosto nem pouco disso (Debochado) Falando sinceramente, é muito interessante. É claro que tem suas inconveniências. Mas eu gosto dessa situação, apesar do medo, e as vezes do desiquilíbrio que é viver em um lugar assim , ah , eu até fiz um poema, é assim o poema: Apieda-te da minha grande miséria, como dizia Charles Baudelaire. E Viver assim, como eu vivo aqui, é estar sempre entre os vermes que não vem da terra, mas ensandece o ar. Nosso destino, obscuro é um legado satânico; apieda-te da nossa grande miséria. E o que tremula, a bandeira, é a nossa servidão, e que a podridão não nos deixou sobreviver. Não. Eu vou adiante!
Tonho: Esse verso é seu?
Dr. França: Gostou?
Tonho: É meio chuvoso. É muito chuvoso. É um poema chuvoso.
Dr. França: ( Estranhando) Chuvoso?
Tonho: Brabo.
Dr. França: (Com espanto) Um poema brabo?
Tonho: Um poema brabo.
Dr. França: Um poema pessimista, né?
Tonho: Um poema triste, violento.
Dr. França: É assim que você acha do meu poema?
Tonho: É sim. Tem muita tristeza no seu poema. É muita brabeza, é um poema chuvoso mesmo.
Dr. França: Um poema chuvoso. Gostei.
Tonho: Um poema chuvoso.
Dr. França: Mas eu vejo a vida assim ,desde de criança que foi assim. A vida já estava mostrando, para mim, sua face cruel. A crueldade da vida.
Tonho: ( Com uma certa perplexidade)A crueldade da vida?
Dr. França: A crueldade da vida. A vida é muito cruel, Tonho, muito cruel.
Tonho: É, tem esse lado mau da vida.
Dr. França: A vida e o seu lado mau.
Tonho: Há tanta coisa ruim no mundo que a gente não sabe mais o que fazer. (Desânimo) O que é que a gente vai fazer?
Dr. França: Não dê importância as coisas ruim do mundo. Seja frio diante das misérias ,seja frio mesmo. (Falando Alto) Nunca se envergonhe de ser indiferente às dores do mundo.
Tonho: (Preocupado) Ser indiferente as dores do mundo?
Dr. França: (Dramático)É Tonho, nunca se envergonhe de ser indiferente às dores do mundo.
Tonho: (Confuso) O mundo é assim?
Dr. França: ( Seguro) O mundo é pior.
Tonho: Ainda assim , o mundo é bom! (Olhando para o alto) O mundo é um presente de Deus
Dr. França: (Irônico) É bonito?
Tonho: (Com reverência) O Brasil é bom, é uma nação boa. Apesar de muita coisa errada , o Brasil é uma nação boa.
Dr. França: ( Com ironia) E o mundo também é muito bom. E muito bonito. O mundo é Ótimo.
Tonho: Não é feio não. O mundo é bonito! Agradeço a Deus pelo mundo, a nossa morada!
Dr. França : (Com delicadeza e ironia)Não é um poema certinho. Você fez um poema, Tonho, mas não é um poema certinho.
Tonho: (Compreendendo a ironia de Dr. França ) Não deu pra perceber.
Dr. França: (Ainda com delicadeza) Depois eu vou recitá-lo com calma, devagar. E você vai entender melhor.
Tonho: O poema?
Dr. França: O poema.
Tonho: Voltando ao assunto de onde eu estou hospedado, o lugar é um cabaré. É um lugar muito depravado (Rindo)E tem umas meninas lá...
Dr. França: A minha pensão também é um cabaré, e eu aposto que a sua pensão ainda é melhor do que a minha, em se tratando de moral e conforto.
Tonho: É, assim; tá assim é, poeta? E o senhor gosta?
Dr. França: E você não gosta ?
Tonho: Não gosto muito não. E muita zuada ,muita confusão, não gosto não, poeta.
Dr. França: Gostei!!!
Tonho: Do quê? Da minha pensão? O senhor nem conhece ela.
Dr. França: Não! Você tá me chamando de Poeta, mesmo sem ter entendido os meus poemas, tá me chamado de poeta, é isso é bom, muito bom!
Tonho: Ser poeta é bom.
Dr. França: (Com orgulho)Eu sou um poeta.
Tonho: Dar pra perceber que o senhor é um poeta. E eu entendi um pouquinho do seu poema. O senhor é um poeta de verdade. Poeta mesmo!
Dr. França: ( Com jeito brincalhão) Isso é que é um elogio , você é inteligente. hein, rapaz!
Tonho: (Também com jeito brincalhão) O senhor tá me elogiando.
Dr. França: Você me elogiou primeiro.
Tonho: Um elogio do senhor vale mais.
Dr. França: (Dúvida)O elogio de um poeta , vale mais?
Tonho: Poeta é aquela criatura que sabe muita coisa!
Dr. França: Mais um elogio.
Tonho: E o senhor me elogiou!
Dr. França: Você me elogiou primeiro, e continua me elogiando.
Tonho: Então a gente fica aqui , um elogiando o outro, e a vida levando a gente por buraco.
Dr. França: Tonho, a vida nos levando para o nada, para o buraco. Você falando de coisa ruim, Tonho, falando que a vida é um buraco,
Tonho: (Um pouco assustado)A vida é um buraco?
Dr. França: .( Com firmeza) Um buraco.
Tonho: ( Com firmeza)A vida não é um buraco.
Dr. França: ( Triunfante) A vida é um buraco enorme.
Tonho:(Indo de encontro à opinião de Dr. França) E esse buraco não pode assustar a gente.
Dr. França: (Com reverência)Filosofou!
Tonho: Mas, mudando de assunto: eu não convido o senhor pra minha pensão por que não vale a pena; é muito fuleira
Dr. França: Eu digo o mesmo pra você! Eu não te convido pra minha pensão pelo mesmo motivo; não vale a pena conhecê-la(Rindo)
Tonho: Estamos vivendo a mesma dificuldade . Somos dois batalhadores.
Dr. França: Estamos vivendo o mesmo drama. (Demonstrando dramaticidade)Somos mal tratado pela vida
Tonho: Então, se é assim, vamos pra minha pensão, é como eu disse : o lugar é meio desmantelado.
Dr. França: É , mas eu gostei da ideia, vamos em frente!
Tonho: Vamos!
Dr. França: (Eufórico) Vamos, o que tá esperando, rapaz!
Tonho: ( Também eufórico) Vamos simbora!
Dr. França: Essa situação me deixou inspirado.
Tonho: Manda brasa. Fale , diga, cante ,recite...
Os dois saem caminhando pelas ruas de São Paulo e Tonho observa os edifícios enquanto conversa com Dr. França.
Tonho: ( Com um pouco de perplexidade)É muito prédio grande por aqui.
Dr. França: É , tudo aqui parece ser tão forte, duro, mas não é difícil encontrar poesia por aqui.
Tonho: Aqui tem poesia, nesse fim de tarde?
Dr. França: (Falando como quem recita) É final de tarde. Final de tarde. Sepultemos todas as nossas perversões, no final da tarde, quando o sol já tiver indo embora , e um crepúsculo vermelho-claro se transformará em luz, e essa melancolia desaparecerá. E na manhã seguinte, sob um sol, espalhando raios - brilhantes- generosos- construiremos uma nação. A nossa casa, E quem sabe ,a nossa pensão.
Tonho: Desse eu gostei. ( Batendo palmas, levemente)
Dr. França: Gostou?.
Tonho: Eu achei bonito e não é chuvoso.
Dr. França: Obrigado, Tonho. Você tem gosto poético bem apurado.(Rindo)
Dr. França e Tonho continuam caminhando, e Dr. França, recitando, diz:
- Nesse final de tarde ;isso Aqui me parece um lugar estranho; Um lugar estranho para mim e ao mesmo tempo tão familiar. É como se fosse um prostíbulo bem vagabundo, desses que quem o frequenta tem por obrigação contrair uma doença venérea, só para guardar como lembranças as coisas podres da vida .
Tonho: Dr. França, esse é chuvoso.
Dr. França: ( Rindo, com sarcasmo) Chuvoso?
Dr. França e Tonho continuam caminhando e conversando.
Dr. França: Tonho ,você acredita em Deus?
Tonho: (Com firmeza) Acredito, sim.
Dr. França: ( Provocativo)Deus não existe. Eu estou lhe dizendo: Deus não existe
Tonho: (Erguendo as mãos para o alto, com reverência.) Existe sim, eu creio em Deus!
Dr. França: ( Jeito arrogante)Pois fique sabendo que há um provérbio inglês que diz: there no god, but mam
Tonho: O que é isso?
Dr. França: (Com cinismo) Não há Deus, além do homem .
Tonho desviou o olhar, parou , e começou a contemplar os edifícios.
Dr. França: ( Com insistência Deus criou o homem , Tonho?
Tonho: ( Sem tirar os olhos dos edifícios). Sim, criou o homem!
Dr. França: Mas existem as doenças , a poliomielite; Sabin, o cientista, inventou uma vacina. Então meu caro Tonho: Sabin é um Deus melhor.
Tonho continuava olhando para os edifícios.
Dr. França: Deus criou o homem, Tonho?
Tonho: (Secamente) Sim!
Dr. França: Criou mesmo? Mas também criou a loucura; Freud tentou confortar os loucos, portanto: Freud é um Deus maior.
Tonho desperta de sua postura contemplativa, e diz:
--- E o homem mau?
Dr. França: (Rindo e um tanto agressivo) Esse é o demônio !
E recita um verso seu:
-- Todo ser humano tem sua Absínia, um lugar onde cada um de nós vive sua tragédia.
Tonho não entende bem as observações de Dr. França, que vai andando, com passos trôpegos, e Tonho olha para o céu com reverência e diz
--- A terra, sempre a mesma terra! Uma obra de Deus, que alimenta todos os homens! O homem bom e o homem mau!
Dr. França: Alimenta todos os homens?
Tonho: Alimenta, sim! E todo homem é uma obra de Deus.
Dr. França: E é? É você que está dizendo.
Tonho: (Sem dar importância a opinião de Dr. França) E a gente pode alcançar a felicidade, quando Deus quer.
Dr. França:( Com cinismo) Alcançar a felicidade?
Tonho: A felicidade, sim. Quando Deus quer o homem pode ser feliz. E o homem quando quer Deus lhe dá a felicidade.
Dr. França: A ignorância tem as suas vantagens, como dizia o grande poeta Carlos Drummond de Andrade: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.
Tonho novamente olha para o céu e com a mesma reverência, diz:
-- Eu agradeço a Deus pela minha felicidade.
Dr. França aplaude discretamente, e diz:
--- O homem é o próprio Deus ,Joca, e é na ciência, na filosofia, nas artes, que o homem se afirma e ganha uma dimensão sagrada; e com suas invenções, ideias, criações e descobertas, é capaz de construí uma sociedade mais organizada, mais humana, mais feliz. Mas é , principalmente quando o homem ama que ele se torna um Deus completo, porque é o amor que faz o cientista, o artista e o filósofo; o amor fomenta todas as coisas necessárias para o bem da vida. E fique sabendo, Joca, que é o amor que cria todos os deuses... e as deusas também!
Tonho fica em silêncio, e os dois saem dali
Cena 2
Cenário
Uma sala pequena. A pensão onde Tonho se hospeda, e ele e Dr. França se juntam a duas mulheres prostitutas. Dr. França após tomar um banho , reacende as energias e junto com Tonho faz a festa divertindo-se com essas duas mulheres. E toca uma música e eles dançam.
Após alguns minutos, eles param de dançar e iniciam uma conversa
Dr. França: Tonho, como foi que você descobriu esse lugar ? Você merece no mínimo uma menção honrosa! (bebendo com euforia) É um paraíso.
Tonho: O senhor parece que o senhor gostou desse lugar?
Dr. França: Você não pode reclamar da sorte , Tonho.
Maiara: Dr. França tem jeito de que quem gosta de uma noitada boa; de uma noitada violenta. (Rindo exageradamente)
Dr. França: (Com sarcasmo) E há coisa melhor nesse mundo? Pode ser que alguém saiba como levar uma vida melhor do que a nossa, alguém bem comportado. Um tipo que defende a questão moral da sociedade.
Maiara: Então vamos se divertir.
Marluce: Vamos aproveitar a vida.
Dr. França: Estamos num lugar certo e num momento certo.
Maira: Para se divertir?
Dr. França: Para celebrar a vida. Um brinde a vida.
Maiara: Um brinde a vida.
Tonho: Meninas, Dr. França também é Advogado.
Maiara: Que chique! É mesmo Dr. França, o senhor é advogado?
Dr. França: Tonho já revelou o meu segredo. (Sem empolgação)Eu sou advogado.
Maiara: E faz grandes defesas?
Dr. França: (Irônico)As maiores.
Marluce: (Com reverência)Um advogado.
Dr. França: (Incisivo) Mas esqueça esse detalhe. Pra vocês eu sou apenas um poeta.
Marluce sai e logo aparece com mais um litro um de bebida, e eles bebem
Dr. França se aproxima de Maiara e os dois dançam, Dr. França canta.
Tonho: Dr. França é muito animado. (Observando Dr. França dançar com Maiara)
.Dr. França: Já fui melhor nisso! (Ainda dançando com Maiara)
Tinho: Dr. França é mesmo um dançarino.
Dr. França: (Largando Maiara) Já fui muito bom nisso.( E puxando Maiara pelo braço para junto do seu corpo) E continuo sendo bom nisso
Marluce : O senhor tá em forma.
Dr. França: Maiara não está reclamando.
Marluce: É um pé de valsa.
Dr. França: (Saudosista) Isso era nos bons tempos.
Tonho: Ele tá se fingindo de morto, mas dança muito bem.( Rindo)
Dr. França: Eu sou um homem morto. ( Fingindo-se dramático e continuando dançando) Morto!
Marluce: (Com ironia)Não diga!
Dr. França: ( Jeito dengoso) Eu quero um pouquinho de vida...perto de vocês.
Marluce: Que tal a gente ressuscitar o senhor: hein gente , não é uma boa ideia, ressuscitar ele?(Apontando com o dedo indicador para Dr. França e falando alto) Ressuscitar o Dr. França, hein minha gente?
Dr. França: .(Fingindo-se dramático)E uma ideia interessante, mas não vai valer a pena.
Marluce: Deixe de ser teimoso, homem. Vamos viver a vida!
Tonho: Dr. França não pode reclamar da vida, está no meio das mulheres.
Maiara: É, Dr. França, o senhor está no lugar certo.( Pondo a mão direita no ombro de Dr. França)
Dr. França: ( Com entusiasmo) É , vamos viver a Vida. Embora isso pareça um pleonasmo ,mas é uma frase verdadeira e é uma força de expressão. Vocês me convenceram. É, vocês me convenceram.
Tonho: Parece que Dr. França gostou do lugar. E mais ainda: gostou das pessoas do lugar. Gostou das mulheres do lugar. ( Com jeito provocativo)Dr. França gostou mais de Maiara ou de Marluce?
Dr. França: Eu gostei das duas. (Largando Maiara e puxando Marluce para dançar)
Tonho: E parece que gostou do lugar também.
Dr. França: Não é exatamente um lugar que deixaria Toulouse Lautrec encantado, inspirado, mas, para um Dr. França da vida, tá de bom tamanho. (Falando alto)
Marluce: Quem é esse cara? E seu amigo, amigo de farra né? (Rindo)
Dr. França: (Sem demonstrar sarcasmo)É um amigo meu, bebemos muita vez juntos.
Maiara: Traga ele pra cá que a gente vai ensinar a ele o caminho da felicidade (Rindo)
Dr. França: (Com sinceridade) E ele vai gostar de ser feliz.
Maiara: Eu também. Somos dois!
Tonho: Somos três; eu também gosto de ser feliz!
Marluce: E não há no mundo um lugar melhor pra ser feliz do que aqui. Alguém duvida?
Dr. França: (Surpreso)No Brasil?
Marluce: No Brasil, e aqui ,com a gente...
Maiara: Por que Dr. França? O senhor não gosta do Brasil?
Marluce: O Brasil não está bem não?
Dr. França: Não está bem.
Maiara: Qué que o senhor acha do Brasil ,Dr. França?
Dr. França: O Brasil? Um problemão.
Marluce: O que acontece com o Brasil na sua opinião? O Brasil tem jeito?
Dr. França: Analisando os acontecimentos lamentáveis que a mídia mostra diariamente da vida pública brasileira, conclui-se, que até o mais vigoroso dos otimistas desaba no abismo da desilusão.(Pausa) Mas eu estou bem ao lado de vocês.
Marluce: É , tem muita coisa errada no Brasil. Mas é um lugar bom, é muito bom viver no Brasil.
Tonho: Dr. França não acha o Brasil é um lugar bom de se viver. E esse lugar aqui, a nossa pensão, o senhor gosta dela?
Marluce: É, Dr. França, o Brasil é um lugar bom de se viver.
Tonho: Eu amo o meu lugar. A cidade, o estado , a região , o país. O amor é livre .Se houve momentos de raiva, o amor é maior.
Dr. França: (Meio sem graça e não querendo contradizer os amigos) Eu não duvido do amor de vocês pelo país em que vivem. É bonito essa forma de amor. E não há outro lugar tão aprazível quanto esse lugar , essa pensão, principalmente ,no momento atual. É o momento que se vive que vale a pena , é esse momento que se deve aproveitar. E eu gosto do lugar de vocês. Mas quando se trata do Brasil , eu ainda não sei responder essa pergunta. (Meio confuso) Sinceramente, eu não sei.
Maiara: Dr. França, o senhor é um homem muito chique, e por isso que o senhor não gosta do Brasil, mas gosta desse lugar ,da nossa pensão, gosta da alegria da gente, gosta do nosso lugar. Mas tem uma coisa que eu não consigo entender: esse lugar é tão pobre, por que o senhor gosta dele?
Dr. França: Mas é muito divertido. Tem mulheres, e as mulheres são as coisas mais divertidas que a natureza criou. As mulheres, que maravilhas. (Abraçando e beijando Maiara e Marluce)
Maiara: Que afirmação!
Tonho: Dr. França não gosta do Brasil, mas gosta muito de São Paulo.
Dr. França: É, é verdade, parece uma contradição; eu amo São Paulo. É um lugar divertido. Apesar de todas as coisas desagradáveis que acontecem por aqui, São Paulo é um lugar divertido. Eu amo São Paulo.
Tonho: Divertido?
Maiara: É divertido. Eu também acho São Paulo divertido.
Marluce: Dr. França ama São Paulo.
Maiara: Dr. França , o senhor nasceu aqui?
Dr. França: Nasci aqui, sim. São Paulo é o meu berço.
Tonho: É por isso que o senhor gosta tanto de São Paulo.
Dr. França:(Com ênfase) E porque também você está aqui; porque vocês estão aqui... Estão em São Paulo.
Maiara: O senhor gosta de elogiar as mulheres. Trata bem as mulheres. É muito educado com as mulheres. (Provocando Dr. França) Gosta muito de mulher.
Dr. França: Eu vou além dos elogios.
Marluce: É um poeta.
Dr. França: Não duvide do que sou capaz! Os poetas nem sempre são vencidos pela vida.
Marluce: Qué isso. Eu percebi a sua competência.
Risos
Dr. França: Agradeço o elogio; mas você tem mais poesia do que eu.
Marluce: É um elogio ou uma cantada?
Dr. França: Um galanteio!
Maiara: Que romântico!
Marluce: ( Com deboche)Que romântico!
Maiara. Dr. França o senhor é livre, não tem compromisso, não é casado?
Marluce: É , Dr. França não é casado?
Dr. França: livre! Eu sou livre. Livre como um pássaro. A liberdade é o meu único bem.
Tonho: Todo mundo aqui é livre.
Maiara: Viva! Viva a liberdade
Dr. França: Brindemos a nossa liberdade!
Todos brindam
Dr. França: Isso aqui é uma festa, e tem gente que não gosta (Sem olhar para Tonho) Paris é uma festa! E isso aqui é uma festa!
Marluce: Isso aqui é uma festa!
Maiara: O senhor é um homem viajado, né?
Dr. França: Nova York!
Maiara: Dr. França sempre Nova York. O senhor gosta muito de lá?
Dr. França: É o centro do mundo; e é lá que as coisas acontecem.
Maiara: Eu tenho vontade de mim ir pra lá.
Dr. França (Cantando )
Dr. França canta um trechinho da canção “Night and day”
“ Night and day, you are the one
Only you beneath the moon or under the sun
Whether near to me, or far
Its no matter darling where you are
I think of you night and day...”
Todos aplaudem
Dr. França: (Jeito contente)Noite e dia, insuperáveis.
Maiara: O senhor gosta muito de Nova York
Dr. França: É um lugar onde as minhas dores diminuem diante da exuberância de uma cidade com suas noites encantadoras .Insuperáveis!
Marluce: E é assim, vamos pra Nova York!
Maiara: São Paulo também é bom. São Paulo e Nova York.
Risos, todos
Maiara: .( Com jeito esnobe)Como eu já conheço São Paulo, eu quero ir pra Nova York.
Marluce: Se for pra ir pra lá , eu também quero ir.
Dr. França: Se dependesse de mim todos os seres humanos iriam pra Nova York, e principalmente as mulheres. Como eu sou generoso, Tonho. Um poeta generoso.
Risos
Marluce: Eu, .em Nova York..?
Dr. França: Todas as mulheres se tornariam damas, e dançaríamos na noite, e seríamos apaixonados, com aquela canção a nos embalar, sempre!
Maiara: Me leva pra lá!
Dr. França: Só se a noite fosse uma carruagem mágica, aí sim, nos transportariam numa viajem de sonho.
Tonho: A vida da gente pegando fogo e o senhor falando em noitada mágica em Nova York.
Maiara É bom sonhar , Tonho, é de graça, menino.
Dr. França: o sonho é bom , mas a vida é cruel. Você também acha a vida cruel, Tonho? E você Maiara? E Marluce?; Você não acham a vida cruel?
Tonho: Um pouco cruel! Mas eu gosta da vida.
Marluce: Apesar dos pesares , eu gosto da vida . Eu gosto de viver.
Maiara: Acompanho a minha amiga. Eu amo a vida!
Dr. França: Eu não disse que eu não gostava da vida, eu disse que a vida é cruel. É cruel. Ou se suporta a vida, ou se foge dela como um desesperado procurando algo menos sombrio do outro lado da nossa realidade. ( Dramático) Da nossa triste realidade.
Maiara: (Demonstrando preocupação) Vamos mudar de assunto gente.
Marluce: Vamos!
Dr. França: Vamos, né?
Marluce: Vamos falar de sexo.
Dr. França: Ah, que coisa chata é falar sobre sexo, falar sobre sexo é chato demais. (Pausa) A não ser que se queira entender as opiniões de Freud sobre seu principal assunto. Pode ser interessante adquirir esse conhecimento. Mas, no momento, eu não sinto o mínimo desejo de penetrar profundamente no universo obscuro do bruxo de Viena. E sexo não se fala, se faz.
Maiara: E você Tonho? Tá tão calado.
Dr. França: Tonho tá repensado seus amores.
Tonho: Eu quero falar de outras coisas.
Maiara: Que outras coisas ,Tonho.
Dr. França: De trabalho não! Não fale sobre trabalho, não. Hoje, a noite é de festa. São Paulo é uma festa. Eu quero a lua de São Paulo. Eu quero as estrelas de São Paulo. Eu quero cantar. Eu quero cantar Nova York também.
Dr. França canta a canção: “Fly me to the moon”
- “Fly me to the moon and
Let me play among the stars
Let me see what spring is like
On Jupiter and Mars...”.
Marluce: Dr. França, sempre ligado em Nova York
Dr. França: Nova York; amo Nova York
Maiara: Dr. França tá a mil por hora. E tá aqui com a gente.
Tonho: A vida não é somente essa noite não. E aqui é São Paulo.
Dr. França: Amo São Paulo, e, Nova York também.
Maiara: São Paulo e Nova York.
Marluce: Dr. França é chique.
Tonho: E também é um bom cantor.
Maiara: É verdade, cante mais Dr. França.
Marara: Cante mais, pra lembrar Nova York.
Dr. França canta a canção New York, New York
“Start spreading the news
I'm leaving today
I want to be a part of it
New York, New York
These vagabond shoes
Are longing to stray
Right through the very heart of it
New York, New York...”
Marluce: É , Dr. França é um a festa!
Tonho: É uma festa o dia inteiro!
Maiara: Uma festa permanente
Marluce: É um homem feliz.
Dr. França: Eu? Um homem feliz? Sou não! Isso é uma alegria transgressora.(Com ênfase) Uma alegria transgressora
Tonho: Não é felicidade, não?
Dr. França: Felicidade! Felicidade é a coisa mais careta que algum imbecil teve a audácia de inventar. Alegria, sim; é a alegria que justifica a existência humana. ( Como estivesse com raiva) E chega de falar em felicidade .
Marluce: Nossa ! Como Dr. França é revoltado.
Maiara:O senhor não tem esperança?
Dr. França: O mundo é um inferno ,já dizia Dante, e a esperança deve ficar de fora, quando entramos nele.
Maiara: ( assustada)A vida é esse tudo?
Dr. França: .(Dramático)Ainda é bem pior.
Tonho: ( Tentando quebrar o clima)A vida é uma festa!
Marluce: Viva!
Dr. França: A vida é desnecessária. A vida foi um mau acaso. A vida humana ,essa foi o pior acontecimento que a natureza produziu ou criou, dar no mesmo. Nada é tão inconveniente quanto a vida humana. Foi um mau acaso, a vida humana.(Com jeito dramático) É um mau acaso da natureza, a vida humana.
Maiara: Dr. França vai da alegria à tristeza, em segundos.
Dr. França: Você falou tudo, a alegria, eu tenho alegria, não tenho felicidade. E é uma alegria agressiva; uma autodefesa ou até mesmo um ataque. Felicidade é caretice O mundo quer ver a gente triste, a gente ri; isso é uma resposta violenta. Uma resposta a altura da agressão.
Maiara: Mas a vida não pode ser assim pra todo mundo; tem muita gente que consegue dar equilíbrio a vida.
Tonho: É isso aí, tem gente que consegue dar equilíbrio à vida.
Maiara: Mas não é o nosso caso.(Rindo, com deboche)
Tonho: Tem gente assim que consegue alcançar a felicidade.
Dr. França: Cada pessoa se engana como pode, ou se sabe e não reconhece a realidade, mas a realidade é insuportável, aí a ilusão chega devagarzinho, e toma conta de tudo, e a felicidade se dar muito bem com a ilusão.
Tonho: A felicidade não é uma ilusão.
Dr. França: E se for uma ilusão também não é tão mal assim.
Tonho: Uma ilusão?
Dr. França: Eu gosto muito de ilusão, e até fiz um poema sobre a felicidade.
Dr. França recita o poema
- Quantas lágrimas que dariam para inundar estes campos secos,
Quantas luxúrias nas bocas desses homens malditos.
E o aperreio de uma mulher sozinha,
Buscando o gozo da fruta do outro lado da estrada.
Eis uma palavra solta no ar,
Responde-me, tira-me dessa angústia devoradora.
Esconde-me da tristeza,
Atingi-me com a alegria...
A vida sobra.
O momento existe.
Vontade.
Gosto.
Felicidade!
Tonho: É um poema que Dr. França misturou tudo e tenta escapar da infelicidade, é mais um poema que fala de coisa triste, e eu achei bonito. E é um poema meio chuvoso, mas no final ele fala da felicidade. Tudo bem !
Dr. França: É Tonho, você tem razão, é um poema onde eu misturei minhas ideias. Eu tava no momento especial, mas a vida é assim mesmo. E nesse poema eu busquei a felicidade. A felicidade que nunca existiu, e principalmente neste país.
Marluce: Não posso concordar com o senhor, Dr. França, a vida não é desse jeito, tem muita coisa boa na vida. E isso é a felicidade. E esse nosso país...
Dr. França: É preciso ser forte para suportar os horrores deste trópico maldito.
Marluce: .(Indignada) Êta! É pesado. O senhor pegou pesado.
Maiara: E é assim, Dr. França?
Marluce: Dr. França, o senhor vê as coisas dessa maneira?
Dr. França: Faz parte de mim. E é assim que eu vejo essa nossa realidade. A realidade desse país. Mas... Talvez seja o efeito do álcool que me faz ser mais incisivo...
Tonho: Violento.
Dr. França: Transgressor...
Marluce: É uma transgressão.
Dr. França: São transgressões! E eu vivo as coisas boas, quer dizer, eu sei transgredir, quando a situação exigem que eu vá além, que eu vá de encontro às opiniões alheias.
Marluce: Eu sei que eu sou transgressora também, acho que de forma diferente, e eu nem sei se gosto de ser transgressora. Também não sei se sou feliz.
Dr. França: Há as transgressões boas, são tão benéficas quanto as nossas amizades.
Marluce: Transgressão boa?
Dr. França: Deliciosas transgressões E quanto a felicidade , não dê tanta importância a ela, e se ela vier, faça mais festa.
Maiara: Viver nessas condições que a gente vive, só pode ser uma transgressão. Eu não me sinto bem sendo uma transgressora.
Dr. França: O que te perturba tanto assim, criatura?
Maiara: Nas nossas condições como é difícil a questão da amizade. A amizade parece ser uma coisa distante da nossa realidade; eu falo de um tipo de amizade que acontece entre um homem e uma mulher
Marluce: Somos solitárias.
Marluce: Somos marginalizadas, excluídas...
Dr. França: Alguém disse que é através das nossas amizades que nos encontramos. "Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos.
Marluce: Eu fico triste por causa disso.
Dr. França: Careta!
Maiara: Careta?
Marluce: São tão pouco as nossas amizades.
Dr. França: Não importa os desafetos se afetos forem verdadeiros!
Maiara: Dr. França: os nossos desafetos se julgam superiores a nós, e são superiores mesmo.
Dr. França :(Interrompendo) Careta!
Maiara: Pois é, no fundo eu sou uma careta mesmo.
Dr. França: E eu um maldito! Um poeta maldito!
Tonho: Nenhum poeta é maldito, mesmo que ele seja chuvoso. Poeta é sempre bom! E as palavras bonitas que o senhor acabou de dizer...isso é muito bom.
Dr. França: Meninas, Tonho chama a minha poesia de chuvosa!
Marluce: Por que a poesia do Dr. França é chuvosa, Tonho?
Tonho: Quando ele recitar um verso dele você vai perceber que a poesia dele é chuvosa.
Dr. França recita um pequeno verso direcionado à Marluce
Vamos caminhar como almas tranqüilas,
a procura de um lugar seguro; onde ninguém nos encontrem;
e seremos esquecidos, e não sentiremos a tristeza de ser gente.
Tonho: Esse poema não é muito chuvoso não, mas ainda assim , é triste. Dr. França o senhor sente a tristeza de ser gente?
Dr. França: É o que eu sinto, e não é uma licença poética.
Maiara: É bonito esse verso, mas diga mais um verso seu pra nós, Dr. França, diga mais um, esse foi tão curtinho.(Como se implorasse) Só umzinho só.
Marluce: É Dr. França diga mais um verso seu. O senhor deve ter muitos poemas; diga mais um pra gente.
Tonho: Recite , Dr. França.
Dr. França: Eu vou recitar outro verso, mas também é curtinho.
- Um anjo negro fugido de um céu desconhecido
Que agita a quieta loucura escondida em mim.
Padece talvez de um suave castigo,
Desobedece as leis as regras , a vida, o amor, enfim.
Todos aplaudem
Maiara : É bonito, embora eu não entendi bem, mas é bonito. E é curtinho também.
Marluce: Mas é bonito
Tonho: Bonito. E esse verso é chuvoso. Dr. França é um poeta de verdade. Maiara: (Admirada)Não... é bonito mesmo.
Marluce: Por que a poesia do Dr. França é chuvosa, Tonho?
Maiara: É , Tonho, por que é chuvosa?
Tonho: Chuvosa é quando uma poesia é violenta, é braba e triste, é quando fala de coisas tristes. É uma poesia que fala da maldade da vida.
Maiara: Ah, é assim , né?
Marluce: A poesia de Dr. França sempre fala de coisa triste.
Tonho: Mesmo assim, Dr. França é um poeta de verdade.
Dr. França: Elogio de amigo, não vale.(Jeito brincalhão)E Tonho é o meu mais novo amigo. E por falar em amigo eu tenho um poema um pouco longo falando de uma amizade estranha.
Dr. França retira do bolso da camisa um papel onde está escrito um poema e ele começa a recitá-lo
- Abalam-se os nervos em uma tremenda agonia; como o mal estar, dito por Freud sobre a civilização ocidental. Embora houvesse a vontade do bem, da felicidade, os caminhos percorridos não encontram a ideia da realização. Uma conclusão. Um jogo onde a competição parece desmotivar o competidor. Um abuso. Sempre aquém daquilo que então parecia- lhe fácil. É a passagem para um lugar onde prevaleça o sonho, apenas. Não ir mais adiante, com a certeza de que o certo, já encontra- se perto de si. São rápidas, as decisões tomadas , embora a questão esteja distante da possibilidade de ser ganha. Mil .Porém, quando, o ganho vem, a descrença. É o ritmo das situações que lhe são contrária. No entanto ,constrói, inconscientemente. Acha-se sem rumo, sem uma ordem legal das coisas. Obedecendo apenas o que está ao lado oposto dos seus sonhos, esperando a derrota. Ainda assim, caminha. Aparecem lições em sua vida que ele jamais imaginava que houvesse. Um amigo. Pensamentos diferentes , até então. Uma reviravolta em sua vida. A amizade desperta interesse em ir para lugares onde prevalecem as coisas do saber, da luz. Um amigo, um sonho. Completo. Um otimismo inconfessável. Mas há a dúvida. Sou ou não sou. Tal engano. E essa fase em que a compreensão de si mesmo torna-se um desafio. E a interpretação ? Não lhe aparece com facilidade. Luta, luta. Embora não seja pela linha da racionalidade. E a palavra amiga; também , imparcial. Mas lhe é favorável. Ou seja, há aquela afirmação de sempre: talento, força. E a mente, confia, amiga. O amigo. Os amigos. Nesse caso, o amigo e as amigas.
Mariara: Esse poema foi longo, é bonito, eu não entendi bem, mas é bonito.
Marluce :É bonito, mas é complicado, e é longo.
Tonho: Mas não é um poema tão maldito assim .Pelo que eu pude entender, no início ele é meio chuvoso, mas termina falando de amizade, de como é bom uma amizade, não é um poema chuvoso, um poema maldito.
Dr. França: Não é um poema maldito . É verdade , Tonho, no início ele parece perturbador, mas no final ele fala de amizade, a importância da amizade , fala de amigos e de amigas.
Marluce: Poema maldito?
Tonho: É quando um poema é complicado e triste, poema brabo, chuvoso, é esse o poema maldito que Dr. França faz . Um poema estranho, né Dr. França?
Dr. França: É, um poema estranho, nós chamamos de maldito. E o poeta que faz poemas assim é um poeta maldito.
Maiara: E o que que o senhor acha sendo um poeta maldito?
Dr. França: !(Com ironia)É uma maldição!
Maira: É poesia que fala de amor?
Dr. França: É poesia de amor.
Marluce: Faça uma poesia pra mim.
Dr. França: Eu farei. Eu prometo que farei.
Marluce: Eu vou ficar com ciúme!
Dr. França: Farei poemas para duas.
Tonho: (Jeito brincalhão) Quem tá com ciúme agora sou eu
Dr. França: Poesia é a manifestação das nossas vontades, seja sentimental, ou ideológica, material, de objetos , situações, no caso de vocês é uma poesia de admiração, e até sentimental, e o que determinar as minhas palavras essas são o que devo colocar no papel, e depois falada, às vezes mudam o sentido, depende de cada pessoa que recita, às vezes essas palavras podem ser mais fortes do quê os sentimentos escritos. E a amizade que surgiu ainda pouco, é legal , parece que foi solidificada por um elemento impossível de se encontrar natureza física: o amor.
Tonho:(Provocativo) O amor existe? O senhor acredita no amor?
Dr. França: Assim como o ódio existe... eu reconheço que o amor existe.
Marluce: Por que o amor é tão complicado que as pessoas estão fugindo dele? Hoje em dia as pessoas não querem viver um amor mais profundo, por que isso?
Dr. França: Você fala do amor a dois, do amor carnal, e o tempo hoje é de muitas variações, e até de superficialidade, como você falou, e que as pessoas estão lidando com as suas emoções com muito mais facilidade do que algum tempo atrás. Eu não acho que amor seja algo fácil de se encontrar , e até concordo com você :o amor é complicado, e esse tipo de amor, o amor de um homem a uma mulher, ou ao contrário, amor de mulher para um homem, e o amor ente homens e entre mulheres; e em muitas vezes essa situação é complicada. Às vezes se torna trágico, termina em tragédia. Eu vivo esse tipo de amor. Eu gosto desse tipo de amor. (Vibrando)Trágico Amor!
Maiara: O amor trágico, e não sai de moda, é só dar uma ligadinha nos programas policiais; os crimes passionais não sai de moda.
Dr. França: Exatamente, o que eu tava falando pra vocês, é bem provável que o amor homossexual seja mais fácil de se lidar com ele... seja menos complicado. E por isso que esse tipo de amor está tão em moda, e eu sou tão careta ( Fingindo lamento)Eu não posso renegar o meu passado... os anos vividos.
Tonho: Eu prefiro amor complicado mesmo; eu sou do tempo das antigas! Eu também sou careta, Dr. França
Dr. França: Somos dois, Tonho! Mas tenho que reconhecer que é complicado esse tipo de amor tão antigo. Mas eu gosto de dificuldade , eu fico com esse tipo de amor. ( Jeito de lamento) Se é que existe um amor pra mim.
Marluce: Eu não sei se eu tô aberta para esse tipo de amor, mas se pintar eu vou ver como é.
Tonho: O amor moderno?
Marluce: Esse mesmo, porque não?
Maiara: Eu respeito, mas eu prefiro ficar com uma coisa mais antiga., mas tradicional. Como Dr. França diz: esse tipo de amor antigo, careta.(Rindo)
Marluce: (Levemente embriagada)Gosto não se discute. Eu sou aberta pra tudo nessa vida
Tonho: O amor é assim Dr. França?
Dr. França: Não é a vida um mistério? Tudo que há de bom e de mau no mundo também pode ser misterioso; o amor é um campo vasto para se percorrer ;nenhum outro tipo de amor tem a complexidade do amor a dois, principalmente, o amor entre um homem e uma mulher. Mas como eu já disse esse tipo de amor é bem antigo; assim como o homossexualismo também é muito antigo; e antigo por antigo eu fico com o meu jeito antigo de amar; e fico torcendo para que o outro jeito de amar também seja prazeroso como esse meu jeito. (Com muito entusiasmo) E viva todas as forma de amor.
Maiara: (Provocando Dr. França) E o sexo , como é que fica?
Marluce: É , e o sexo?
Dr. França: (Com Irreverência) Pratica-se!
Risos ,todos
Maiara: Uma boa resposta! Dr. França é esperto!
Marluce: Resposta diabólica!
Tonho: Dr. França é muito inteligente.
Maiara: Se é.
Marluce: Esperto!
Dr. França: Aprendi com a vida ,é essas lições é tão simples, e é democrática. A vida é grande parceira na aprendizagem, embora o saber acadêmico tem a sua importância; os livros têm a sua importância. Eu sou das duas escolas. (Com imponência) As do livros e a da vida.
Marluce: É a escola da vida, essa vale mais do que o que se aprende nos livros, e todo mundo recebe essas lições.
Dr. França: Eu concordo em parte, é verdade que a vida nos dar boas lições, mas a academia tem outra forma de ensinar as coisas da vida. .(Com ironia) Mas não vamos brigar por tão pouco.
Nesse momento Dr. França convida Tonho, Marluce e Maiara para a sua pensão.
Cena 3
Cenário
Uma sala pequena com uma biblioteca com muitos livros e poucos móveis, desarrumados , é a pensão onde Dr. França mora.
E após eles beberem e se divertirem na pensão de Tonho, chegam à pensão de Dr. França.
Dr. França: Estamos no meu reino, e não há algo de podre nele, aqui não é o reino da Dinamarca, nem outros reinos podres que a gente conhece muito bem. ( Com ironia) Não há nada de podre no meu reino.
Maiara: Há podridão em todos os reinos. Em todos os reinos há podridão.
Dr. França: E é...?
Maiara: Em todo reino há podridão.
Dr. França: (Estranhando)Você conhece Shakespeare, hein?
Maiara: Não. ( Sem entender). Eu acho que em todos os reinos há podridão.
Dr. França: (Aparentando embriaguez) Em todos os reinos há podridão, no meu reino, não. (Repentinamente triste) Mas estou melancólico. Melancólico por ter nascido neste país. Melancólico por ter medo de declinar moralmente, de ser um bandido qualquer. Melancólico por ter medo de ser violentado. Melancólico por ter medo de uma existência ridícula. Brasileira. Melancólica.
Marluce: Ah, Dr. França, vamos esquecer essas bobagens que deixa a gente triste. Vamos viver a vida. Vamos cantar, vamos dançar. (Eufórica)
Dr. França: Só o lenitivo do álcool e a presença das mulheres podem fazer com que esqueçamos as nossas misérias, as misérias brasileiras.
Tonho: Misérias brasileiras?
Dr. França: As misérias brasileiras.
Tonho: Mas parece que em todo lugar do mundo tem miséria, não?
Dr. França: É verdade , mas as nossas misérias são mais previsíveis.
Maiara: Todo mundo sabe o que vai acontecer, né?
Dr. França: São misérias anunciadas.
Maiara: E que podia ser evitada, né?
Tonho: Nisso eu concordo com o senhor, tem muita coisa ruim que podia ser evitada.
Marluce: Ei gente, o papo tá muito pesado, vamos falar de coisas leves, de coisas boas.
Tonho: Eu concordo com você, Marluce. É muito coisa ruim que estamos falando.
Dr. França: É a nossa realidade, a realidade brasileira. É a realidade de quem vive nesse país. Mas eu concordo com vocês, vamos falar de coisas agradáveis, de preferência de coisas fora do Brasil.
Maiara: O senhor está aqui, Dr. França, esqueceu?
Marluce: E eu quero ouvir o senhor cantar novamente, Dr. França. Eu quero ouvir a sua voz cantando.
Maiara: Dr. França, o senhor canta muito bem.
Tonho: Eu já disse isso pra ele. Dr. França é um bom cantor.
Marluce: Dr. França tem um voz, é muito bonita sua voz.
Tonho: Cante ou dance Dr. França.
Maiara: Cante Dr. França e dance também...vamos, Dr. França.
Dr. França livrando-se da sua tristeza coloca no aparelho de cd, a canção Night and Day
Todos ficam dançando, e Dr. França ensaia um strip tease. E após alguns minutos(3 minutos) eles param de dançar.
Tonho: Dr. França fica triste e fica alegre.
Maiara: É , Dr. França vai da alegria à tristeza em pouco tempo.
Dr. França: (Apresentando conformismo) Eu sou um bipolar. Eu já me acostumei com isso mesmo. A minha vida é assim. É como as ondas do mar: indo e voltando.
Maiara: Estamos numa festa, e Dr. França está com a gente, está feliz.
Tonho: O senhor tá bem, Dr. França, está com a gente, está feliz. Está com a gente, está com Deus.
Maiara: É, o senhor está bem Dr. França.
Dr. França. (Ligeiramente triste Eu não sei se estou mais bêbado do que cansado ou mais cansado do que bêbado ; ou as duas coisas juntas. Cansado e bêbado.
Maiara: Isso a gente resolve.
Tonho: Marluce não está cansada.
Marluce: Eu, cansada, agora? A noite é uma criança, e eu sou igual a ela, eu quero mais.
Maiara: Somos as duas mulheres mais animadas do planeta. (Com entusiasmo)
Dr. França: Vocês são jovens, eu não sou mais jovem...Mas não estou tão cansado assim... Dar pra aguentar. E viva a noite.
Marluce: Viva a noite, e falando em jovem, e Tonho, como é que tá?
Tonho: Eu tô cansado também! Não muito acostumado a beber. Depois de tudo isso, eu tô cansado. É brincadeira, Eu também não tô cansado, é que eu não sou de muita farra.
Dr. França: Nós nos conhecemos hoje a tarde e ainda estamos no ar, Tonho é jovem ,não pode reclamar de cansaço , se for verdadeiro o cansaço de Tonho, o que dizer de mim. Mas eu não vou entregar os pontos, eu estou firme forte, no meio dos amigos , no meio das mulheres.
Marluce: (Mostrando o seu corpo) Eu tô em forma, olha!
Maiara: Eu também!
Dr. França: A gente não está cansado; a noite é uma criança. Viva a noite.
Marluce: Eu não me canso assim . facilmente, passo a noite toda no ar, também; de manhã , eu tomo banho, tomo café e durmo, durmo, depois levanto, almoço, durmo novamente. Levanto, e começo a noite.
Dr. França: Que pique! Eu faço quase tudo que você disse que faz, guardada as proporções, evidentemente, mas sigo uma rotina muito parecida com a sua.
Tonho: Eu me guardo muito, e agora ,por hora, eu só tô procurando trabalho mesmo. Mas não resisti, bebi um pouco, mas foi pouco.
Marluce: Garoto esperto!
Dr. França: Minha rotina é infernal; é bebida , bebida, bebida, e mais...(Demonstrando cansaço)
Marluce: Infernal! A nossa , também.
Maiara: É , a vida da pra gente, um sopapo atrás do outro. Que inferno. É, mas, ainda tem momento bom, esse mesmo agora, como é bom tá aqui com vocês. Vocês são dois cavalheiros, vocês são dois homens que tratam as mulheres bem. Um poeta e um operário desempregado .(Advertindo) Mas trabalhador, eu sei que Tonho é trabalhador. Eu também acho Dr. França um grande poeta. Não é não, Dr. França?.
Dt. França: Um grande poeta.
Maiara: Viva o poeta e viva a classe operária, também somos operárias, não?
Marluce: Claro que somos operárias! Não é não, Dr. França?.
Dr. França: Quem ousa dizer o contrário.
Tonho: As meninas são operárias. Eu garanto que sim.
Dr. França: Eu também garanto!
Marluce: E Nós concordamos!
Dr. França: Mulheres, mulheres. Vocês fazem parte das noites maravilhosas das cidades democráticas em qualquer lugar do mundo. Não são apenas objetos do desejo de frequentadores do prazer fácil. São testemunhas das crises que acometem a humanidade inteira. São as terapeutas das mentes perturbadas pelas agressões que sofre o ser humano na sua frágil condição de mortal. Ah, as mulheres da rua. (Abraçando Maiara e Marluçe) E a todas as mulheres que tanto nos ajuda a suportamos essa nossa pobre vida; como vocês são necessárias para uma existência digna, vocês são imprescindíveis para que se mantenha vivo o sonho da felicidade humana. (Em êxtase) As mulheres são demônios que nos mandam para o inferno pela porta do paraíso.
Dr. França beija Maiara e Marluçe e é aplaudido por Tonho, e demonstra um pouco de cansaço e joga-se no sofá
Maiara: Que coisa, Dr. França? ( Dançando na frente de Dr. França)
Tonho: É Dr. França falou a verdade, não se pode viver sem mulher; e também sem a mulher da rua, vocês alegram a vida de muita gente; gente que está sozinha e que a companhia de você faz muito bem a essa gente sozinha; e essas pessoas sozinhas encontram prazer, encontram alegria.(Com empolgação) Encontram consolo pra sua dor.
Dr. França: ( Levantando-se do sofá) A companhia de vocês mulheres é um lenitivo para as nossas dores. E vou recitar um poema que fiz para um mulher que passava na rua de repente .E não é um poema triste.( Para Tonho) Não é um poema chuvoso ou um poema maldito.
Dr. França, recita:
Uma bela mulher caminhava na chuva fina,
E encheu o meu coração de esperança.
Como é interessante o jeito dela caminhar,
Há delicadeza nos seus passos, e uma firmeza de quem estar indo a uma guerra.
Os ombros, um porte de quem é invencível.
Os olhos rápidos, a cabeça erguida; embora, vez por outra, olhe para o chão.
Tem um corpo atraente: nem alto, nem baixo.
O rosto se destaca sob uma cabeleira , um pouco loura e um pouco ruiva.
A chuva não incomodava, nem a ela , nem a mim.
Como deve ser a sua alma?
Indecifrável?
Tomara que seja tão interessante quanto aquela cena.
Dr. França: Esse poema é , a mulher que caminhava na chuva.
Tonho , Maiara e Marluce aplaudem.
Tonho: Esse poema fala da chuva mas não é chuvoso.(Rindo)
Maiara: Dr. França apesar de ser diabólico, ama as mulheres.
Marluçe: Dr. França ama as mulheres.
Tonho: Dr. França: Dr. França sabe como lidar com as mulheres, sabe de toda manha das mulheres, sabe de muita coisa que as mulheres usam para seduzir o homem.
Maiara: Nós somos o bem da humanidade.
Marluce: E só fazemos bem à humanidade.
Dr. França: As mulheres são demônios que nos mandam para o inferno pela porta do paraíso.
Tonho: É um poeta de verdade!
Maiara: E ama as mulheres.
Marluce: Dr. França é irresistível
Tonho: E maldito. Um poeta maldito.
Dr. França: Houve poetas diabólicos que não gostavam de mulher, mas garanto a vocês que não é o meu caso.
Maiara: Com Certeza.
Dr. França: ( Provocativo)Tonho sempre concordando com a minha poesia.
Tonho: Nem sempre eu concordo com a sua poesia, poeta. Mesmo assim, eu gosto de toda a sua poesia. Eu gosto da sua poesia, e gosto mais da poesia que não é chuvosa. Poesia da boa.
Dr. França: É, a minha realidade, nem sempre é compreendida. ( Lamento)
Maiara: (Provocando Dr. França) O poeta é aquela pessoa que vive fora da realidade.
Dr. França: Eu discordo de você, todo ser humano tem a sua realidade. Mesmo que essa realidade seja uma discórdia permanente.
Marluce: É, mas dizem que o poeta vive no mundo da lua. Vive de ilusão
Dr. França: A vida é uma ilusão ou uma realidade? O que entendemos por realidade e por ilusão ? Há situações na vida que não se pode conceber como realidade. O espelho, por exemplo. Às vezes, perece enxergarmos outra pessoa, não somos nós que estamos sendo visto do outro lado. Será uma ilusão? - Pensei ,por diversas vezes, e ainda não cheguei a uma conclusão. Só com um olhar mais profundo é que pode ser ver a vida de uma forma mais segura, sem tantas ilusões.(Inseguro) E se as ilusões forem pertinentes à condição humana? Como é que ficamos nessa história? O Amor não é uma ilusão. Mas é tão subjetivo. A vida pode ser uma ilusão. Será que a vida é uma desagradável ilusão? Será? ( Cabisbaixo) Eu acho que a vida não é uma ilusão, é uma realidade desastrosa.
Maiara: A vida pode ser uma ilusão. Gostei! Mas não acho a vida desastrosa.
Marluce: A vida como uma ilusão, muita gente diz isso, na feira, no boteco, no cabaré...
Dr. França: Infelizmente é assim, e a vida também pode ser uma ilusão amarga. ( Com jeito melancólico)A vida é uma ilusão amarga.
Marluce (Advertindo-o)Dr. França!
Dr. França: É o que eu acho da vida!
Tonho: A vida pode ter uma razão. Eu acho que a vida tem uma razão de ser.
Dr. França: O prazer! É o único propósito da vida! É o mais nobre propósito da vida.
Tonho: Tem alguma coisa a mais. Tem coisa que o homem não enxerga com os seus olhos, é preciso enxergar com o coração.
Marluce: Eu também concordo com Tonho, eu acho que tem alguma coisa a mais. Mas nem todo homem pode enxergar. .
Tonho: A amizade já é uma coisa a mais.
Dr. França : Você é uma pessoa boa, Tonho. E vocês também, e apesar de viver em dificuldade , esperam muita coisa da vida.
Tonho: É preciso fazer o bem.
Dr. França: Fazer o bem? É interessante fazer o bem.
Tonho: É bom a gente acompanhar o padecimento do nosso irmão.
Dr. França: Tonho, seja frio diante das misérias; se possível, seja técnico; nunca se envergonhe de ser indiferente as dores do mundo.
Tonho: Eu não posso ser indiferente às dores do mundo.
Dr. França: É essa a receita que te dou.
Tonho: ( Dúvida)Uma receita?
Dr. França: Uma recomendação, um conselho, uma ajuda para o seu jeito de viver
Marluce: É pesado!
Tonho: É um conselho chuvoso.
Maiara: Eu não vejo a vida de forma tão egoísta assim. Eu acho que se deve lutar pelo uma melhora , uma melhora para todos.
Marluce: É isso aí!
Tonho: É , um mundo melhor pra todo mundo.
Dr. França: Tempo perdido!
Tonho: Não é tempo perdido trabalhar para o bem de todos. É até uma necessidade trabalhar pelo bem de todos, pelo mundo justo.
Maiara: Eu também não! Eu não vejo como tempo perdido lutar por uma melhora para todo mundo
Dr. França: É bonito trabalhar por uma sociedade mais fraterna, mais equilibrada, mais humana , mais justa e mais feliz, e nessa caminhada encontramos muitas pedras impedindo o nosso avanço, e adversários poderosos aprecem a nossa frente, e a luta é desigual, aí é quando se descobre que o mundo não merece tanto sacrifício.
Tonho: Eu não sigo por esse caminho, eu acredito numa força maior. E essa força maior leva a gente a trabalhar pela justiça. Quando a gente vinha caminhando até a pensão , eu observava os edifícios, é uma criação humana, mas Deus criou o homem ,e essa foi a resposta que eu dei a Dr. França quando ele me perguntou , quem tinha criado o homem. E eu disse : Deus criou o home.
Dr. França: Eu disse pra Tonho que há muito coisa ruim no mundo, Deus também criou o mal? Não sei não. Mas eu já havia dito que a vida é um mau acaso. Não há um propósito nobre em meio a tanta desorganização. (Com veemência) É muita coisa errada, e a vida humana é o maior dos erros.
Maiara: Boa parte do mal que há no mundo , a culpa é do próprio homem. Eu ouço falar em crise ambiental, a violência também , isso é provocado pelo homem. O homem provoca muito mal a vida.
Dr. França: É verdade que o homem provoca muitos desastres;, porém há outros desastres que o homem não tem nenhuma participação. O homem não contribuiu em nada para que aquelas coisas ruins acontecessem. Então , o mundo é mau, ao menos , em boa parte.
Tonho: A vida é um mistério! Deus sabe o quer que faz e gente não sabe o quer que diz. Deus tem uma explicação pra essas coisas que o homem não consegue explicar. Tem homem que não consegue entender a grandeza de Deus .
Maiara: Eu acho que a vida não é só isso aqui, deve ter algo além. Deve ter alguma coisa a mais.
Tonho: O mundo não é só aqui. Outras coisas vão vim depois. Eu creio nisso.
Dr. França: isso deve ser bom pra quem acredita; eu não acredito. A vida é só isso; se bem que eu ainda acho muita coisa, principalmente , coisa ruim. Mas tem as mulheres e a bebida que são as compensações da vida.
Maiara: Pelos meus pecados , eu também acho que tem alguma coisa além.
Marluce: É claro que tem, algo acima de nós, agora, se eu tenho merecimento ou não , aí é outro departamento. .(Fingindo carência) E eu tenho medo.
Tonho: Tem sim muita coisa acima da nossa cabeça, e é Deus que administra o que acontece com a gente aqui na terra.
Dr. França: Todo mal acaba aqui e todo bem também! E a vida se afina mais com o mal do que com o bem, e não há nada além disso aqui. E também não há nenhuma força maior a nos conduzir pela vida. A vida acaba aqui. E eu João Carlos Rodrigues de França através da minha arte poética vou me tornar imortal. Vou ser imortalizado pela minha arte, pela minha poesia.
Marluce: Só a poesia é imortal?
Dr. França: Só a poesia é que pode me dá a imortalidade.
Tonho: Pro senhor só a sua poesia pode dar ao senhor a imortalidade?
Dr. França: (Esforçando-se para não parecer embriagado) Como disse Hipócrates, “ tão longa a arte , e tão breve a vida”.
Maiara: Eu acho que não é assim não, Dr. França, tem algo maior acima de nós. Tem, sim; eu acredito.
Dr. França: Pura Fantasia.
Maiara: Fantasia? Não. Há alguma coisa acima da nossa cabeça.
Dr. França: Pode ser até que haja, mas também pode ser apenas fantasia , e fantasia é coisa séria também. Eu sempre gostei de fantasia. Principalmente, depois que as coisas ditas reais não mais me convenciam da sua realidade, de uma realidade absoluta. Como é o caso da nossa discussão. E então começou a surgir em mim, o sonho, a fantasia. .(Com deboche) Um lugar de paz, com luas habitadas por seres delicados , bonzinhos. Casinha de chocolate. E vai por aí.
Maiara: Isso é fantasia de criança! E o senhor tá longe de ser uma criança.
Dr. França: Fantasia é fantasia! Fantasia não tem idade!
Marluce: Isso é certo, fantasia não tem idade. Mas essa fantasia que o senhor falou é próprio pra criança, imagine , casinha de chocolate.(Jeito infantil)
Dr. França: Casinha de chocolate é o símbolo da minha fantasia, e é pra qualquer idade. Qualquer idade.
Tonho: Casinha de chocolate?
Dr. França: É uma fantasia bem particular.
Marluce : As minhas fantasias são mais interessante.(Insinuante)
Dr. França: Mais apetitosas! Essas fantasias são muito comum entre as mulheres... (Com satisfação) e como são deliciosas.
Tonho: Dr. França tem razão, é muito deliciosa essa fantasia.
Maiara: Deliciosas.
Marluce: ( Ainda insinuante)E perigosas também
Dr. França: O perigo está sempre presente no nosso dia a dia.
Tonho: E as fantasias também.
Dr. França: É a fantasia que me faz suportar o dia a dia. Principalmente na forma de poesia.
Tonho: A poesia, né? Dr. França alimenta a sua alma com a poesia.
Maiara: Dr. França tem uma ligação forte com a poesia.
Tonho: É uma paixão antiga.
Maiara: A poesia e as mulheres.
Dr. França: A poesia está em todos nós.( Para Tonho) Eu já te falei que todo ser humano é uma poesia. Todo ser humano é uma poesia.( Com veemência) Eu faço poesia para tudo que é interessante e que aparece a minha frente. E isso faz com que eu suporte a minha difícil realidade. É a poesia que me faz suportar a desagradável incoerência da existência humana. Eu suporto o dia a dia com a minha poesia. É a poesia que funciona como um alimento para as almas aflitas .E eu me incluo nesse rol dos necessitados. E quanto as mulheres, eu me recuso a comentar o obvio.
Tonho: Poesia é muito bom.
Marluce: A poesia é a sua fantasia, Dr. França. ?
Maiara: É, Dr. França? Poesia e fantasia.
Dr. França: A poesia é a minha fantasia, e também é a minha realidade. A minha salvação e a minha perdição.
Maiara: A arte é bom pra combater a tristeza. É uma pena que não sei fazer nenhuma arte.
Tonho: (Surpreso) Você não sabe fazer arte?
Dr. França: Não concordo com você ,o seu dia a dia é uma arte, o que você faz da vida é uma obra de arte. E eu me sinto lisonjeado de compartilhar esse seu talento. .(Galanteador)É um privilégio desfrutar da sua arte.
Tonho: É isso mesmo. Dr. França tem as palavras certas pra dizer pra uma mulher.
Maiara: ( Com jeito infantil ) Eu faço arte?
Dr. França: Você não apenas faz arte, você é uma obra de arte.(Continuando com os galanteios)
Maiara: (Com humildade) Mas o artista aqui é o senhor.
Marluce:(Jeito carente) E eu? Eu também faço arte?
Dr. França: Se analisarmos bem os que vocês fazem da vida, todos aqui somos artistas.(Aumentando o tom) Somos artistas, seja, mulher da rua, poeta ou filósofo. E como disse o filósofo Nietzsche: “A arte existe para que a verdade não nos destrua”,
Maiara: Muito bem, Dr. França.
Tonho: Fazer arte é importante e Dr. França faz isso muito bem , é um poeta, (Jeito solene)Dr. França é um poeta de verdade.
Maiara: A arte é bom, ajuda a levar a vida em frente, e o senhor disse que a minha vida é uma arte, que eu sou uma obra de arte. A arte é coisa boa.
Tonho: A arte é coisa boa, a poesia então...
Dr. França: A arte humaniza o sofrimento. E há tanta forma de arte; e toda forma de arte é oportuna pra lidar com os infortúnios da vida. A arte é um consolo pra os nossos dias infelizes, e a arte da palavra é muito boa, e eu tenho certeza que a poesia é a principal arte da palavra, e as palavras são como pássaros, voam! (Gritando e pedindo para que todos repitam)
Maiara: As palavras são como pássaros, voam!
Tonho: As palavras são como pássaros, voam!
Marluce: As palavras são como pássaros, voam!
Dr. França: As palavras são como pássaros, voam! Que belo coral de amigos.
Marluce: O importante é a amizade
Tonho: Amizade é bom.
Dr. França: Amizade ! Como é interessante uma amizade verdadeira.
Maiara: Nada se compara a uma amizade verdadeira
Dr. França: Amizade em primeiro lugar.
Tonho: Dr. França é um poeta bom. E também é um bom amigo.
Dr. França: E talvez não seja um bom poeta, mas eu me esforço pra ser um bom amigo. Eu sou um bom amigo.
Marluce: Com certeza!
Tonho: Dr. França é um amigo.
Marluce: Dr. França sabe fazer amizade. Sabe fazer poesia e sabe fazer amizade.
Maiara: (Para Dr. França) Sua poesia às vezes é complicada, mas é bonita. Eu gostei muito da sua poesia, ela é bonita.
Dr. França: Bonita?
Tonho: É bonita sim, tem aquelas poesias triste, braba, chuvosa, mas são bonitas.
Marluce: O senhor recitou uma poesia que falava de anjo... Fale de anjo ... Anjo existe realmente? O senhor acredita em anjo?
Maiara: É, Dr. França, fale de anjo.
Tonho: O anjo do poema de Dr. França é um ser bem estranho.
Dr. França: Um ser estranho?
Tonho: Diferente, né?
Maiara: E o senhor conhece um anjo diferente?
Marluce: Quem é esse anjo, Dr. França?
Dr. França: É um anjo que está afinado com a realidade humana.
Marluce: Mas fale de um anjo melhor.
Tonho: É Dr. França, fale de um anjo iluminado...um anjo que ajude a gente a ser feliz.
Maiara: Isso mesmo! Fale de um anjo bom!
Tonho: O senhor tem capacidade pra isso.
Marluce: É , fale de algo positivo.
Maiara: De um amor maior.
Tonho: Fale de um anjo perfeito.
Dr. França: (Cedendo aos apelos e sem constrangimento) O anjo que habita em mim. Tem a humildade que esquecemos de mostrá-la. Tem a bondade que precisamos vivê-la. Tem o amor que precisamos senti-lo. O anjo que habita em mim, quer ser um parceiro; na dor, um consolo; na alegria, brindaremos juntos.
E todos brindam
(Fim )