Zeco, o órfão

S E R I A D O

ZECO, O ÓRFÃO

CAPÍTULO I

A morte do pai

Viviam numa grande cidade, metrópole do Nordeste do país. Alfredo Flores e seu filho único: Oscar Caetano Flores, ou simplesmente Zeco. Apelido ganho na escola devido à sua habilidade com a bola. Seu estilo era comparado ao do ídolo Zico e, para diferenciar, os colegas começaram a chamá-lo Zeco. Não chegava para quem queria, todos faziam questão de tê-lo no time. Às vezes até se recusava a jogar porque se irritava com a disputa em torno de si.

- Não jogo hoje, estou indisposto, dizia.

Então tudo serenava. Zeco voltava-se para dialogar com o professor de Educação Física, numa forma de desabafo.

- Sabe, professor, eu gostaria de não saber jogar, assim não seria motivo para tantas discussões em volta de mim. Isto é muito chato!

- Compreendo, Zeco. Acontece que você sabe e muito bem, daí toda esta confusão – confirmava Paulo André, o professor – Você ainda será um ídolo das massas, tenho convicção disso.

- Não é isso que sonho para mim – respondeu o garoto, nervoso – Tenho planos de estudar e ser um físico nuclear e trabalhar na Nasa, para isso estudo inglês há três anos. Meu pai, entendendo esta minha aspiração, nada deixa que me falte, por isso também estudo neste colégio tão caro.

- Bela aspiração, garoto, porém você não deve olvidar o que a natureza põe à sua disposição este maravilhoso dom de ser craque de bola. Sabe, Zeco, você fica rico da noite para o dia e nunca mais empobrece, isso se souber administrar sua fortuna. – Falou Paulo André.

- Definitivamente não é o que quero. Desculpe-me, mas esta conversa me aborrece.

E saiu dali. Foi ao encontro de outros colegas que estavam do lado oposto da quadra e por lá ficou até o sinal bater, dando por encerrado aquele horário.

Oscar Caetano Flores, Zeco, não era filho verdadeiro de Alfredo Flores, embora o garoto assim pensasse. Na verdade, Zeco desconhecia sua origem. Imaginava que sua mãe houvesse falecido durante o seu parto, pelo menos dessa forma Alfredo lhe dissera. Zeco houvera sido raptado numa maternidade assim que sua mãe descansou. Alfredo pagara alta soma em dinheiro à Zélia, uma enfermeira que trabalhava no hospital-maternidade onde o menino nascera. Foi tudo muito fácil e o bebê fora entregue a Alfredo que o registrou como filho autêntico, todavia com o nome de uma mãe fictícia.

Os anos logo se passaram e Zeco cresceu. Alfredo o amava verdadeiramente e tudo dava ao filho, satisfazendo a todos os seus desejos. No início habitaram algum tempo num pequeno apartamento, contudo vendo que Zeco crescia e que precisava de espaço, Alfredo logo comprou um imenso terreno num bairro nobre da cidade onde moravam e ali construiu a casa dos seus sonhos. Não era uma simples casa, era uma mansão. Nela havia piscinas, salões de jogos, campos de futebol, quadras e um lindo parque rodeado das mais belas flores. Como conseguira Alfredo tanto dinheiro para a construção deste palacete? Donde vinha tanto numerário? Às vezes até Zeco ficava a pensar, pois sabia que o pai era quase analfabeto, lia quase nada e mal assinava o nome. Mesmo assim, jamais tivera coragem de questionar, o importante era que nada faltava e tudo em sua residência era do bom e do melhor, incluindo aí os seus pertences pessoais: roupas, sapatos, bicicleta, joias,computadores... Alfredo dizia-lhe que trabalhava como empreendedor e, devido a isto, viajava muito, passava dias e mais dias longe de casa e do filho, apenas controlando Zeco através do telefone. Zeco aprendera a ter discretas amizades e jamais levou qualquer colega à sua casa, Alfredo dera ordens expressas neste sentido e Zeco cumpria à risca. Era demasiadamente obediente. De vez em quando ía ao encontro dos amigos nas residências deles, mas só. Era inteligente, estudioso e estava entre os primeiros de sua sala. Zeco era muito querido, todos o achavam muito bonito,

elegante, educadíssimo. Estava exatamente com 13 anos. Era moreno claro, cabelos castanhos, longos e lisos, olhos castanhos quase cor de mel... Na realidade, um garoto lindíssimo.

Tocou o sinal da última aula. Como todos os dias, Alfredo o esperava à saída, tinha bastante cuidado com o filho sempre que estava por perto, menos nas interrogativas viagens que fazia e que ficava dias ausente, no entanto nessas épocas, enchia o filho de recomendações que sabia ele, eram detalhadamente obedecidas.

- Oi, pai, tudo bem?

- Tudo certo, Zeco. E as aulas de hoje?

- Tranquilas, só aquele lance na Educação Física, como sempre a disputa para me terem no time. Já estou cheio disso...

- Quem manda saber jogar tão bem? – disse o pai.

- Que nada! É que eles são tão pernas de pau que, por ser eu um pouco melhor que eles, me endeusam. Mas não é a bola que me interessa, você bem sabe...

- Sim, eu sei. Você quer ser físico nuclear e, se isso depender de seu pai, você vai realizar seu sonho, nem tenha dúvidas sobre isso.

- Não tenho dúvida alguma. Eu amo você!

- Puxa, filho! Eu também te amo!

Rapidamente conseguiram desvencilhar-se do trânsito e chegaram em casa. O relógio marcava 17:30 h.

- Zeco, vá tomar seu banho e bote uma roupa chique. Vamos jantar num restaurante hoje, preciso conversar com você umas coisas. Viajarei pela madrugada e não sei quando vou retornar. Há muitos detalhes a serem consumados.

- Ah, painho... viajar outra vez? – retrucou Zeco de mau humor.

_ Pois é, filho. São os negócios.

Cada qual se dirigiu ao seu banheiro. Logo estavam impecavelmente vestidos e já a caminho de um restaurante. Escolheram um lugar bem discreto e se sentaram. Alfredo iniciou o diálogo.

- Hoje vou revelar a você um grande segredo. Disse Alfredo.

- Segredo? E você tem segredos para mim?

- Profissionalmente os tenho, sim. Porém vou contar-lhe algumas coisas, pois posso demorar-me nesta jornada.

- Que segredos?

E entregou a Zeco um pedacinho de papel com alguns números que Zeco não compreendeu do que se tratava.

- Este é o segredo do cofre do quarto de seu pai. É necessário que você decore e bote o papel fora.

- Você nunca me deixou chegar nem perto deste cofre. – Espantou-se Zeco.

- Tudo tem sua hora., filho. Dentro do cofre só há dinheiro, não gosto de guardar valores em banco, detesto burocracias.

- Pai! E há quanto neste cofre?

- Milhões de reais! Toda a nossa fortuna . Ninguém sabe que guardo dinheiro em casa, portanto você já sabe que nada deve falar a quem quer que seja, certo?

- Claro, pai, porém estou tão nervoso...

- Fique calmo, assim que eu retornar você me devolve a chave, menos o segredo que ficará para sempre em sua mente.

- Isto não é uma grande responsabilidade para um garoto de 13 anos, painho?

- Não! Você já é um homem e merece a minha confiança. Só lembrando que o cofre fica dentro do guarda-roupa...

- Sim, sim, - disse – eu sei porque um dia você me contou...

A conversa esfriou e jantaram. Em seguida rumaram para o lar. Zeco estava apreensivo, jamais o pai confiara tanto nele. E, neste instante, vieram à sua mente as velhas indagações: “como meu pai ganha tanto dinheiro? O que ele faz realmente? Que tipo de empreendimento ele tem?” Não conseguia pensar mais. De roupa e tudo despencou no sofá da sala e o sono o dominou. Despertou com a voz de Alfredo à sua volta.

- Nem ao menos trocou de roupa, filho?

- Que hora é , painho?

- Sã0 3 horas da manhã. Estou de partida. Levante-se e me dê um abraço e um beijo. Não sei quando estarei de retorno.

Bambo de sono, Zeco conseguiu pôr-se de pé e o beijou várias vezes, até que Alfredo abriu a porta e desapareceu na escuridão do jardim.

Zeco conseguiu despistar totalmente às horas da manhã. Nunca se sentira tão cansado... De súbito, lembrou que tinha no bolso a chave do cofre. Caminhou lentamente para seus aposentos e colocou a chave na gaveta do armário, onde deixava os livros da escola. Despiu-se e tomou um longo banho. Enxugou-se, vestiu a cueca e desceu. Foi até à cozinha tomar o desjejum. Retornou à sala e ligou a tv, contudo o pensamento estava em seu pai. “Como ele conseguia ganhar tanto dinheiro? Que tipo de trabalho possuía?” As horas passaram despercebidas. Imediatamente se dirigiu ao quarto e pôs o fardamento da escola. Teria de ir e voltar de táxi, porque Alfredo estava ausente.

Fechou o portão a chave e se encaminhou a uma pizzaria perto de casa. Almoçou e rumou direto à escola. As horas agora pareciam monótonas, o tempo meio preguiçoso e Zeco louco para chegar em casa. Apesar da aparente lentidão, Zeco saiu do colégio, lanchou num bar próximo e foi para casa. Lá chegando, tirou os sapatos e aboletou-se no sofá. Ligou a televisão. Pouco depois assistia ao noticiário e uma notícia chamou sua atenção: GRANDE ACIDENTE NA BR-232 MATA 9 PESSOAS, TODAS JÁ IDENTIFICADAS E COM SEUS CORPOS À DISPOSIÇÃO NO IML. O carro em que viajavam colidiu com um ônibus, não houve sobreviventes. E, uma por uma, a tv mostrou a relação das vítimas. Colado à tela da tv, Zeco soltou um grito de desespero e caiu desfalecido.

- Não! Não! Não!

Fim do Capítulo I

Ivan Melo
Enviado por Ivan Melo em 23/04/2014
Código do texto: T4779483
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