Scotland - Capítulo 2: Surpresas nada agradáveis

O irmão resmungava por mais alguns instantes durante o caminho, até que a garota parou instantaneamente, antes que ele terminasse a frase.

Ela o retirou do meio da estrada assim que mais um carro passou de forma acelerada deixando uma nuvem de poeira para trás.

-Presta atenção, estamos quase chegando, você quer parar de reclamar? –disse Annie com as mãos sob os ombros dele.

O garoto inclinou a cabeça para cima, tentando observar os olhos da irmã, como sempre fazia. Mas havia um raio de Sol bem a sua frente.

-Ainda temos tempo até voltar para casa... –interrompeu a frase com algumas tossidas agora que a poeira de terra os atingiu.

Suspirou. Annie sabia que ele não facilitaria, então como sempre fazia, persuadiu o irmão com aquilo que ele não conseguiria de forma alguma evitar.

- Hm... Olha, está vendo aqueles carros ali na frente? –perguntou apontando para o horizonte.

-O que tem? – ele perguntou sem olhar.

Annie curvou-se alguns centímetros até que seu olhar pudesse ficar a altura dele.

-Aposto que não consegue me vencer numa corida até eles... – sorriu lateralmente. Sabia que o irmão não resistia a uma competição.

Sem hesitar, ele ergueu a cabeça e abriu um largo sorriso.

-Aposto que sim! –disse ele.

-E sabe o que mais eu acho? – disse recompondo a postura.

-Hm? -observou com a sobrancelha arqueada a irmã se afastar devagar.

Ela dera passos lentamente...

- Acho que eu já estou na frente! - gritou enquanto corria.

Tom sem perder mais tempo, saiu em disparada em direção à irmã.

-Isso não vale! – sua voz oscilava enquanto falava e ria ao mesmo tempo.

Conseguiu alcança-la em pouco tempo.

Corriam por cima da grama, deixando o som das folhas secas pelo caminho. Podiam atravessar por entre os carros, agora que um pequeno tráfego havia se formado.

Agora que já estavam próximos, perceberam que algo estranho estava acontecendo.

Todos os carros que viram, estavam parados em frente a sua casa. De dentro, soldados saiam e circulavam pelo terreno. Barracas e caixotes de diversos tamanhos eram empilhados ali mesmo.

A movimentação era grande.

Tom era muito pequeno para se lembrar de que aqueles eram os mesmos carros que estavam parados em frente a casa quando seu pai partira. Tinha apenas quatro anos. Annie com seus onze anos podia se lembrar claramente.

Começou a sentir uma raiva por dentro. Afinal, “ O que mais poderiam tirar de sua vida?’’.

Contornou a fonte, e com inquietação se perguntou como voltara a funcionar, já que há anos nenhuma gota de água saia dela.

Algo estava errado.

Adentrou correndo pelo largo corredor da casa. –a porta estava aberta. Tom estava bem atrás, tentando alcançar os passos da irmã.

Pararam por fim até chegar ao antigo escritório do pai.

A mãe estava parada em frente a escrivaninha e segurando uma folha de papel.

Rose era uma mulher de estatura baixa e levemente encorpada. Tinha cabelos pretos e curtos. Quase sempre o prendia com uma ou duas presilhas na parte da frente –embora hoje estivesse envolto em um coque.

Usava vestidos claros e um pulôver em dias frios. Sua pele de palidez excessiva, e seu olhar de seriedade eram suas características.

-Ah, ai estão vocês... –disse ela. Mas surpreendentemente não havia soado de forma ríspida, como todas as vezes.

Ao seu lado estava um homem. Usava uniformes típicos de militares de alta patente. Annie pode observar isso já que todos os demais usavam apenas o tradicional, como todos conheciam. Em seu peito, havia diversas condecorações.

Era alto e o cabelo era claro e muito fino apesar de não aparentar muita idade.

Seus olhos eram semicerrados e seus lábios pareciam formados por duas finas linhas.

Havia um ar galanteador em seus olhos. Talvez fosse isso o motivo da melhora de humor de Rose, pensou.

Tom o observava com extrema curiosidade, ainda ao lado da irmã, enquanto ela transparecia um profundo olhar de desaprovação.

-Esses são meus filhos... –disse Rose sem sair do lugar. –Thomas e Annelise Blanc.

O homem caminhou em direção aos dois. Esboçou um sorriso para ambos, mas se voltou para Annie, que conseguia manter olhar praticamente em linha reta para os olhos dele.

-Muito prazer. Capitão Robert Gibbs, Décimo Segundo regimento da Artilharia Real. –ele sorriu, mesmo sem ser correspondido.

Os dois irmãos fizeram uma rápida troca de olhares.

Agora que haviam entrado, Annie percebeu que havia mais alguém no cômodo. Era um rapaz jovem que estava próximo às janelas. Tinha a postura extremamente alinhada, com os braços para trás. Exatamente como soldados costumavam ficar, mas agora, observando brevemente seu traje, não poderia ser um simples soldado...

Seu uniforme era muito diferente dos que estavam lá fora e se assemelhava muito ao do Capitão.

Mas era tão jovem... Como poderia ser de uma patente tão alta?

O Capitão observou mais uma vez Annie, mas parecia ter alguma centelha de dúvida.

Rose, como se pudesse ler sua mente, respondeu rapidamente.

-Annelise puxou extremamente ao pai. George era muito alto também.

Ele assentiu com um leve sorriso, como se a resposta à sua dúvida fosse essa.

-Thomas vai crescer ainda mais quando tiver a idade dela...

-Quantos anos disse que tinha? –perguntou à garota.

Annie voltou o olhar para frente.

-Eu não disse. –respondeu de forma seca, mas não ríspida.

Diferente de Tom, que estava fascinado e abrindo sorrisos sem motivos, ela não estava nada contente com a situação. Não se esforçava para parecer agradável naquele cômodo.

-Thomas acabou de fazer nove anos, e Annelise tem dezesseis.

Robert esboçou um sorriso amigável para Tom, mas novamente se dirigiu a Annie.

- Sua mãe disse que é fluente em francês e até leciona? –perguntou com incerteza, parecendo não acreditar muito.

Annie olhou rapidamente para Rose sem mover o rosto, e então voltou a olhar o homem a sua frente.

- Sim... É verdade. – respondeu com o mesmo tom de voz das outras vezes.

Robert cerrou os lábios.

-Hm ...- esboçou em tom sério. – E... Em que lugar?

Dessa vez, Annie expressou um olhar de desconfiança e agora de impaciência.

“ O que afinal lhe interessava?”

Ponderou por alguns segundos, mas antes que pudesse dizer algo , Rose interrompeu ao longe, dizendo em voz alta:

- “Midlay McEwen” – a voz ecoou pelo cômodo. – Com toda essa situação em que vivemos, a escola ficou temporariamente fechada, bem George foi quem a incentivou, eu também, e o senhor sabe que...

Robert ergueu a mão no ar, sem se voltar para trás, interrompendo Rose de bajulações futuras.

- Bem- ele prosseguiu. – Eu nunca pude contar com o francês, uma longa história... –acrescentou em voz baixa – Mas adoraria ouvi-la dizendo algo para mim nesse dialeto tão... Bonito.

Se antes se mostrava desconfiada e impaciente, agora estava à beira de dizer alguma besteira só para ter que sair de lá.

- Acha que consegue?- Robert numa extrema e exagerada feição presunçosa, inclinou levemente o rosto.

Annie juntou aquela enorme impaciência e a transformou em algo útil contra alguém que não conseguiu suportar à primeira vista.

Pensou em todas as frases ácidas e incisivas que podia dizer ali e agora, e as formulou em apenas um trecho em sua mente.

A pedido dele, em francês é claro...

- E então? – repetiu à garota.

Annie assentiu quase que imperceptivelmente e então fez o ordenado...

E ao final da última palavra, abriu um sorriso doce e angelical. –segurando-se para que não se transforma-se numa alta e deliciosa gargalhada.

Robert permaneceu algum segundo calado, assim que Annie finalizou. Não tentou passar pela mente dela o possível fato de que ele pudesse ter blefado quando mencionou não saber uma palavra em francês. Mas pela feição que ele havia feito, pode-se confirmar que Annie estava certa.

O Capitão não havia entendido uma palavra...

-Fascinante! – ele abriu um largo sorriso.

Annie sorriu também.

-Acho que ainda não os apresentei. – continuou. Mas havia se voltado para a direita, na direção das janelas, onde o rapaz que antes vira continuava no mesmo lugar.

Mas algo havia mudado...

Sua expressão não continha mais traços de seriedade, e agora um pequeno sorriso lateral havia se formado. Os lábios estavam levemente contraídos embora seu olhar fosse concentrado.

-Esse é Peter Mc’ Allister, Segundo Tenente da tropa, estrategista de território e táticas de defesa, e meu braço direito...

Sempre quando há troca de planos entre os países aliados, Mc Allister é que faz o seu trabalho...

Ele é fluente em italiano, estrategicamente em Alemão, e é claro, em francês...

O sorriso de Annie desapareceu. Dera uma rápida olhada para o rapaz no canto da sala.

- Acha que a Srta. Blanc se sairia bem em território francês? –perguntou.

O cômodo permaneceu em silêncio por alguns instantes.

- E então? -Robert reiterou.

O olhar dela e o do jovem rapaz se cruzaram, e ele não pode evitar um sorriso no mesmo momento, por mais discreto que pudesse ser.

Voltou-se para Robert com a voz suave e mais natural que Annie conseguiu imaginar.

- Tenho certeza que sim, Capitão. – disse arqueando a sobrancelha.

A essa altura, Annie já estava levemente ruborizada. Desviou o olhar para a outra extremidade da sala.

Após a situação meramente desnecessária, Rose limpou a garganta interrompendo o silêncio.

-Bem, Capitão, antes de meus filhos chegarem você dizia...

Robert se voltou para Rose, como se tivesse acabado de se lembrar do propósito de sua visita...

-Certo. –ele se dirigiu para o centro do escritório, onde um grande mapa estava sobre a mesa de mogno. – Como à senhora sabe, a Escócia está na linha de frente na guerra. Aguardamos a decisão da Inglaterra em juntar esforços e armamento contra as tropas Alemãs.

- Acho que todos nós acabamos por saber disso pelo rádio, querendo o não... – Comentou Rose numa triste conformidade.

-Sim, é por isso que estamos aqui. – Robert expressou-se seriamente. –Conseguimos o apoio da Inglaterra.

Sei que o Q.G não pode anunciar nossa vinda antecipadamente, mas pode confirmar na declaração de Lorde Kingle. – apontou para o papel nas mãos de Rose.

- Bem, eu entendo Capitão... Mas como mencionei, com o recrutamento das forças áreas, não me restaram muitos ajudantes por aqui.

-Não se preocupe, apenas os oficiais terão acesso ao interior da casa.

Annie entendeu rapidamente do que se tratava.

-Q-qu... –limpou a garganta tentando manter o tom da voz seguro. – Quer dizer que ficarão por aqui ,todos?

- Sim. Não é a toa que viemos para esse território. O lago Ness é nossa melhor referência contra os ataques.

Ela balançou a cabeça descontente com a noticia repentina.

-Não fique preocupada, nós estamos preparados. –disse Robert, supondo a possível preocupação da garota.

- Hm... –forçou um sorriso- Com licença... – disse se retirando a caminho da porta.

-Fique à vontade. –disse Robert enquanto ajeitava o mapa novamente.

Suas botas faziam barulhos ao pisar na madeira da casa enquanto caminhava. Subiu as escadas e foi em direção ao quarto do irmão, do qual era o único em que a vista era de frente para a entrada da casa.

-Dá pra acreditar?! – Tom organizava seus soldadinhos de brinquedo sob a cabeceira da cama.

Annie estava de frente para a janela, o barulho dos carros e do falatório ali embaixo eram grande.

-Soldados de verdade em casa! –continuava a dizer, enquanto imitava o som de tiros e conversas entre os soldadinhos de plástico.

Ela inclinou o corpo para frente, deu uma última olhada para baixo e então puxou a janela para dentro, fechando-a.

-Hey Ann! Talvez o papai esteja chegando! “Pull! Pull! Nãaao! Pull!”.

Observou o irmão criando sua própria história, e que talvez devesse contar a verdade sobre o pai.

Voltou-se novamente para a janela.

Recostou a cabeça sobre vidro gelado, e observando ao longe o lago, pensou em como começaria...

Isabella Coutinho
Enviado por Isabella Coutinho em 12/04/2014
Reeditado em 12/04/2014
Código do texto: T4766372
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