Scotland - Capítulo 1: Estranha Primavera
20 de maio de 1939
A névoa que antes sobrevoava o topo da parede do velho casarão, agora cobria tudo em que a visão poderia alcançar.
Era como andar sobre as nuvens, sentindo uma gélida brisa sobre os calcanhares.
Tudo era branco.
Olhara pela janela do quarto, observando o homem de costas largas por baixo do uniforme escuro movimentando um leve aceno sobre o ar.
Fora difícil dormir na noite anterior. Parecia prever que algo estava prestes a acontecer.
Agora, naquela manhã fria e repentina, a realidade bem a sua frente parecia surtir de forma lenta e preguiçosa. Como se seus olhos custassem a perceberem que aquela poderia ser a última vez em que o veria.
E os anos seguintes puderam lhe confirmar isso...
A Escócia era linha de frente na Grande Guerra.
No rádio, eram anunciadas as diversas derrotas de outros países no confronto contra a Alemanha. A Europa estava tomada.
Não nos demos conta de quão rápido o continente havia sido invadido.
Era uma questão de tempo até que os submarinos nazistas estivessem por toda parte. E uma contagem regressiva até que chegasse ao Lago Ness.
Um caos que fora se prolongando por anos a fio. Como se a retirada de seus pais, filhos e maridos de seus lares resultassem em um efeito anestésico em seus familiares...
Como se todos estivessem esperando por uma futura dor que estava ali, escondida em meio a situação.
Seguindo o rumo de suas vidas, os sorrisos pareciam mecânicos. Sem muita sinceridade ou obrigação; Eles apenas tentavam continuar a rotina que fora tragicamente interrompida.
As crianças cresciam em meio a essa forma mecânica a todo o momento.
A pressão do governo em torná-las a salvação da pátria, sem ao menos se preocuparem em que tipo de pátria esse país se tornaria algum dia.
Sim... A vida seguia...
Só estávamos esperando o ápice desse rumo chegar...
07 de Setembro de 1943
O clima em Highland era incrivelmente diversificado em cada cidade.
Por sorte, em Jones, era favorável. Era bom saber que sempre ao começo da semana era instável.
A sensação tépida nas manhãs de terças-feiras era muito bem acompanhada a leves brisas vindas do lago.
Annie podia sentir essa brisa frente a seu rosto, já que por uma feliz coincidência suas aulas de equitação aconteciam nesses períodos.
Sentia-se duplamente confortável. Além de se livrar dos vestidos e saias dos quais era obrigada a usar, estava longe de ordens dadas e a feição severa de sua mãe.
Ali, com calças marrons e botas de couro pretas e confortáveis, era responsável apenas por si mesma, em um livre cavalgar.
Queria poder passar o resto do dia dando voltas e voltas pelos hectares do clube.
A sensação era ótima e sua percepção do horizonte era sempre renovada.
Mesmo hoje, quando uma trilha formada por grandes e pesados carros contornavam a estrada de terra por trás do lago e cruzavam a ponte para o lado residencial da cidade.
Não era comum receberem aquele tipo de transporte. Mesmo no período em que estavam.
A última vez que os vira, fora há anos. Quando um deles parou bem em frente a sua casa.
‘’Ele poderia ter voltado?”
Claro que não... Nunca mais recebera noticias.
Sabia que ele estava...
–Annie?
A voz da mulher ecoava vinda do lado esquerdo da cerca.
Foi preciso que a chamassem mais algumas vezes até que finalmente desceu do cavalo e poucos passos depois já estava de frente para ela, do outro lado da cerca.
Novamente observou os carros que passavam ao longe.
Atravessou o campo correndo, mesmo sem saber o por quê de fazer isso. Cruzou a estrada assim que um dos grandes carros dera passagem –continuando a acelerar mesmo antes dela chegar ao outro lado.
Correu pela ponte fazendo a madeira ranger, chegando até a porta da loja em que um velho carpinteiro moldava uma espécie de trenzinho.
–Não Annie! –disse o garoto se desvencilhando dela. – O Sr. Muray está terminando a locomotiva! Não posso perder.
Novamente a pequena mão do garoto fora puxada, mas dessa vez com sucesso.
–Não Tom! Não temos tempo pra isso! Temos que ir! –explicava a garota com as mãos entrelaçadas nas dele, já distantes da loja.
–Por quê? O que está acontecendo? ! - tentava retirar, com única mão livre, parte dos cabelos cor de mel que assim como os da irmã, escorriam sobre os olhos.
–Não sei! É o que vamos descobrir...