Pesadelo
Um cheiro tétrico invade minhas narinas. Estou de quatro, rastejando num lamaçal pestilento e pegajoso. Sinto nojo. Não consigo controlar meu corpo. Começo a evacuar ao mesmo tempo em que vomito. Sinto-me um ser repugnante. Sou repugnante. Rastejo por aquele lamaçal. Olho para os lados e nada enxergo. Uma névoa maléfica me cerca. Meu corpo dói. Ouço o eco dos meus próprios gemidos num silêncio sepulcral. A velha sensação de desamparo cresce. Sinto-me abandonado e perdido num mar de silêncio. Chamo por minha mãe, por meu pai, por Horácio, mas só os ecos de minhas palavras repercutem no ambiente infecto. Sei que não adianta gritar. Sei também que tenho que me virar sozinho. Não tenho esperança. Tento sair daquele lamaçal rastejando, mas não consigo. De repente, vejo uma cabeça de homem surgir no lamaçal. Num primeiro momento, só a cara. O homem vai crescendo e transforma-se num imenso monstro, com dentes afiados e uma boca descomunal, que cheira a podridão. Eu sei que vou morrer. Eu tenho certeza de que vou morrer, mas fico paralisado. Não consigo fazer absolutamente nada. O homem-monstro abre a boca e avança sobre meu corpo. Grito desesperadamente.
Acordo.
O corpo treme sem controle.
Olho para o lado e vejo Renata, deitada, nua, dormindo numa serenidade angelical.
Eu também estou nu e tremo convulsivamente.
O sol despontando no horizonte entra pela porta de vidro, iluminando o quarto.
Visto a roupa e saio.
Na sala me sirvo de um uísque. O líquido queima a garganta. O gosto é horrível, mas bebo mesmo assim, de um só gole.
Abro a porta de vidro que dá para a varanda. O dia vai amanhecendo lentamente. Uma bonita mistura de azul, rosa e laranja compõe o cenário.
O mar, de um azul translúcido, é lindo de se ver.
Lembro-me dos versos da música de Marina: “e tudo o que eu posso te dar é solidão com vista pro mar”.
É o pior tipo de solidão: um horizonte infinito, descomunal, sem expectativa, sem esperança. Numa monocromia de céu e mar monótona.
Sinto vontade de chorar.
Não sou de chorar.
O pomo de Adão sobe e desce.
O uísque começa a fazer o efeito de esquentar o corpo, mas a alma de iceberg continua intacta.