CAPÍTULO 24 - ALUCINADAMENTE ALICE

24.

(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)

Distraída, mais sobrevivendo do que, de fato, vivendo, deixei o tempo passar à revelia.

Meus últimos dez anos foram espantosamente vazios e monótonos se comparados aos da minha infância e juventude.

Mergulhada na vida profissional, passei a viver reclusamente, deixando enterrados, no passado, meus dissabores familiares e emocionais.

Ocupei minhas horas dando aulas de Literatura Estrangeira na faculdade, trabalhando como voluntária em um hospital especializado nos tratamentos de combate ao câncer, escrevendo artigos para revistas e jornais, dando pequenos cursos e palestras. Cheguei a alcançar certa reputação como escritora, tendo publicado três livros com boa aceitação popular.

A maior parte do tempo passei comigo mesma. Tive poucos e curtos relacionamentos amorosos. Raramente ia a alguma festa ou badalação, dando preferência ao cinema, ao teatro e a eventos culturais que, geralmente, frequentava sozinha.

Mas como ninguém foge do seu destino, ele veio me buscar numa tarde de agosto, quando eu estava cumprindo meu voluntariado no hospital.

Comecei a trabalhar com pacientes portadores de câncer influenciada pelo acontecimento do passado em que Nancy, ao descobrir a amante do marido, espetou uma faca na mão dizendo que, para se livrar daquela dor, foi preciso sentir outra.

A perda do contato com a família e com minhas amigas, Isabella e Simone, somada às mortes de David e vovó me deixaram apática e melancólica.

Ao invés de arrumar uma dor maior para mim, achei que seria interessante ajudar pessoas com problemas ainda mais sérios, assim os meus, quando comparados, perderiam a importância.

Bastante experiente, eu tinha a função de receber e orientar os pacientes novos e seus familiares.

Jamais passou pela minha cabeça que à minha espera encontrava-se minha amiga de infância e juventude. Quando reconheci Bella, meu coração deu pulos dentro do peito. Eu não a via desde o nascimento de Felipe há dezessete anos.

Emocionadas, trocamos muitos beijos e abraços. Bastou vê-la por um segundo para que eu esquecesse toda a mágoa que sentia por ter me abandonado.

Se, por um lado, fiquei feliz com o reencontro, por outro, sofri demais ao saber que ela estava com câncer de mama.

Bella me pediu perdão por ter sumido sem deixar telefone e endereço para contato. Abriu seu coração como nos velhos tempos e fez revelações surpreendentes.

Logo que ficou sabendo da doença, mudou de cidade para fazer o tratamento médico e, finalmente, criou coragem de se separar de Cristiano. Desde os tempos de namoro, ele batia nela. Inocente e apaixonada, Bella acreditava que ele ia mudar e que, por algum motivo, tinha provocado e merecido o castigo. Mas, é claro, que assim como em tantas histórias semelhantes, a situação foi piorando com o tempo.

Com o filho recém-nascido nos braços, sabendo da má reputação que gozava uma mulher divorciada, Bella resolveu se afastar. Achou que longe da família e dos amigos dela, Cristiano, que era muito ciumento, ficaria mais calmo e compreensivo.

Felipe tinha os olhos claros da mãe e era alto e magro como o pai. Falou com gentileza e educação:

- Sei que me pegou no colo e que era a melhor amiga de minha mãe. Ela sempre falou de você com muito carinho e saudades.

- Que bom. Fico emocionada em saber. Não podemos recuperar o tempo perdido nem mudar o que aconteceu, mas podemos curtir o reencontro e viver melhor o presente.

O médico explicou o tratamento a Isabella. Fragilizada, ela chorou várias vezes e foi amparada pelo filho.

Lady Blue Eyes
Enviado por Lady Blue Eyes em 09/01/2014
Reeditado em 22/09/2015
Código do texto: T4642781
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