CAPÍTULO 20 - ALUCINADAMENTE ALICE

20.

(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)

David não me deixou voltar de ônibus para a casa de D. Constância. Feliz por eu ter aceitado o pedido de namoro e, ao mesmo tempo, sentindo-se culpado pela briga com os meus pais, fez questão de me levar em seu carro.

A fim de tornar a viagem mais agradável e de ficar um tempo maior comigo, ele me levou para almoçar em um restaurante com jeito de bistrô à beira da estrada. A comida caseira estava bastante saborosa.

Apesar de ser dez anos mais velho do que eu, o jeito alegre e divertido de David lhe dava um ar bastante juvenil.

Ficou combinado que nos veríamos a cada quinze dias. Eu iria encontrá-lo no primeiro final de semana de cada mês em minha cidade de origem e ele viria me ver no terceiro.

Assim que chegamos à casa de D. Constância, meu namorado ajudou-me com as malas e pediu para ser apresentado a ela que o olhou de cabo a rabo. Tive verdadeiro horror em imaginar o que estaria pensando a seu respeito. Uma pessoa tão acostumada a ver o pior no próximo não poderia mesmo ter boa impressão de ninguém.

Na despedida, David me abraçou com carinho e beijou meus lábios.

- Alice, estou muito feliz que tenha aceitado ser minha namorada. Sei que não gozo de uma boa reputação. Vou fazer de tudo para que você não se decepcione comigo – disse demonstrando sinceridade.

- Formamos o par perfeito. Fui expulsa de casa. Esqueceu? Meus pais não me consideram uma boa garota. Não faço mais parte da família – falei de um jeito debochado tentando disfarçar a dor em meu peito.

Enquanto me abraçava mais uma vez, sussurrou em meus ouvidos:

- Minha pequena, tudo vai ficar bem. Você vai ver. Deixe o tempo passar.

David foi embora sem saber que sua previsão estava equivocada.

Depois de desfazer as malas, resolvi tomar um banho e aproveitei a solidão para chorar. Eu estava sofrendo bem mais do que deixava transparecer.

Repassei a briga com meus pais inúmeras vezes em minha cabeça. Não me achava merecedora da pena imposta. Eu não desejava o mal de ninguém da minha família nem pretendia envergonhá-los com o meu comportamento. Apenas queria ter o direito de escolher quem ser e que vida gozar, levando em consideração o bom senso e o meu coração em detrimento de regras morais e religiosas que me pareciam ter sido impostas com fins escusos.

Eu não era o tipo de pessoa delirante que acreditava que podia fazer qualquer coisa sem ter que prestar contas a ninguém. Sabia muito bem que pagávamos um preço por nossas escolhas, porém achava que algumas normas impostas pela sociedade não eram tão naturais e imutáveis como queriam me fazer crer.

Estaria tão errada assim? E que diferença isso fazia? Quem se importaria com o que eu pensava e tinha para falar?

Lembrei-me do que meu irmão me disse no dia em que minha mãe ficou sabendo sobre a gravidez de Lúcia:

- Alice, você não sabe de nada... Não passa de uma fedelha! – as palavras de Ricardo ecoaram em minha memória.

Fui obrigada a interromper minhas indagações ao me deparar com uma surpresa desagradável.

Depois de me vestir, abri o armário e procurei a bíblia que vovó Nancy me dera, quando eu ainda era pequena, no fundo da gaveta direita. Eu havia deixado um dinheiro escondido dentro dela para pagar o aluguel do quarto, assim que voltasse das comemorações festivas do final de ano. Meu coração quase parou de bater quando percebi que estava vazia. Desesperada, olhei página por página e depois chacoalhei vigorosamente no ar as palavras de Deus na esperança de que, se as cédulas estivessem presas, caíssem milagrosamente em meus pés. Nada aconteceu. Então, revirei o armário todo, mesmo tendo certeza de ter guardado o dinheiro no local mencionado. Eu me negava a acreditar que tinha sido furtada. Quando desisti de me enganar, procurei D. Constância e comuniquei o ocorrido.

Assustada, começou a praguejar em voz alta:

- Eu não disse que ela é uma biscate, o próprio capeta em pessoa? Mas Deus há de castigá-la. O todo-poderoso tudo vê e não deixa nenhum pecador sem receber o castigo merecido – e assim a viúva começou um sermão duradouro.

Quando me deixou falar, eu perguntei:

- E o que fazer agora? Alguém viu? Não podemos acusar Diana sem provas.

Na hora do jantar, D. Constância aproveitou a presença das hóspedes e contou a todas o que havia acontecido comigo. Perguntou se sabiam de algo a respeito e ameaçou chamar a polícia para investigar o caso e, mais uma vez, fez seu discurso religioso sobre a implacável punição de Deus. Todas juraram inocência.

Eu também desconfiava de Diana. Desde que viera morar conosco, não arranjara emprego. Pagava o aluguel e suas despesas pessoais com o dinheiro que dizia receber dos pais. Em minha opinião, ela conseguia seu sustento através dos inúmeros rapazes com quem saía com frequência e sabe se lá se não fazia uso de malandragens como essa para engordar seus rendimentos.

Sem poder pedir ajuda à minha família, fui obrigada a deixar o orgulho de lado e aceitar o empréstimo de Simone.

Fui dormir aos prantos, tentando esquecer os últimos dias de inquietude e confusão que haviam se abatido sobre mim.

Lady Blue Eyes
Enviado por Lady Blue Eyes em 28/11/2013
Reeditado em 22/09/2015
Código do texto: T4590343
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