CAPÍTULO 19 - ALUCINADAMENTE ALICE

19.

(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)

Meus dias de folga acabaram sendo bem diferentes do que eu havia planejado.

Paulo apareceu um dia depois do Natal. Tomado de constrangimento e culpa, teve dificuldades para começar e conduzir a conversa que eu nem gostaria de ter tido. A mim bastava saber que não me queria mais. Já era dor suficiente para carregar. Explicações? De que valiam neste momento? Cada palavra só fazia apertar e sangrar a ferida da alma. Eu queria chorar, gritar, implorar para que ficasse. E o que fiz? Nada, absolutamente nada. Assisti aqueles olhos azuis estonteantes saindo da minha vida como o náufrago que vê um barquinho ao longe, mas sabendo ser inútil gritar por socorro, aceita calado o seu destino.

Minha sorte não foi diferente com Isabella. Ela me recebeu em sua casa apenas duas vezes sempre com Cristiano por perto que se tornara sua sombra, impedindo-me de ter a conversa a sós que eu tanto almejava.

Bella me mostrou o álbum de casamento. Ela havia separado algumas fotos minhas com Paulo para me dar de presente. Achei melhor deixar o passado onde estava. Não queria guardar na gaveta a lembrança do fracasso amoroso nem usá-lo como desculpa para evitar a vida e um novo relacionamento.

Minha amiga estava feliz com a gravidez, plena de esperanças. O enxoval e o quartinho do bebê estavam sendo providenciados com todo carinho. Pouco falou sobre si e a vida de casada. Na presença do marido, sua espontaneidade cedia espaço a um comportamento tenso e amedrontado. E, mais uma vez, fui embora carregando comigo a sensação de que, naquela casa, fantasmas se escondiam dentro dos armários.

Por outro lado, aproveitei ao máximo a companhia de vovó Nancy. Apesar de sua vitalidade ter diminuído bastante, ainda foi possível desfrutar de muitos momentos agradáveis. Conversamos, cozinhamos, fizemos compras, jogamos baralho e tricotamos juntas. Enquanto falávamos sobre o cotidiano, íamos costurando os retalhos da vida e tentando entender como são dados os pontos. Eu sempre tinha a impressão de estar olhando para o avesso do bordado.

David não aguardou em silêncio a minha resposta. Telefonou várias vezes e apareceu em casa outras tantas.

Sua intenção de namorar comigo provocou brigas, grandes e pequenas, com minha família. Meus pais não estavam de acordo com o relacionamento porque achavam o filho do Sr. Wilson um péssimo partido para mim.

Eu não queria decepcionar nem magoar meus pais, mas também não sabia como deixar de sentir atração e carinho por David. Tão impossível quanto realizar todos os desejos é renunciar completamente a eles.

Sem saber o que fazer, tentei ganhar tempo para analisar melhor a situação, porém um acontecimento acabou decidindo por mim.

Na virada do ano, antes da ceia de Réveillon, meu irmão chegou com sua família. Eu estava no quarto me arrumando. Escolhi um vestido branco com pequenos detalhes em prata e sandálias de salto alto e fino. Queria começar a nova fase com o pé direito e atraindo boas energias.

Quando me juntei a todos, percebi que algo de muito sério estava por acontecer. Vovó Nancy era a própria expressão da dor e do desespero.

Como eu voltaria para a casa de D. Constância no dia seguinte, a conversa que queriam ter comigo não podia ser adiada.

Roberto havia morrido no final do mandato e seu cargo fora ocupado pelo vice-prefeito. Agora as novas eleições estavam se aproximando e Ricardo era candidato. Queria o apoio da família e pediu que eu me afastasse de David porque ele era um bêbado fracassado e sua mãe, uma viúva alegre. Não seria bom para a sua candidatura ter seu nome atrelado a eles.

Durante alguns minutos, acreditei que não era verdade o que eu estava vivenciando. Poderia estar sonhando, não poderia? A situação me parecia tão estranha e surreal. Meu irmão nunca conversara comigo a vida toda, então, por que o faria agora e com tal petulância? Como ele poderia falar em moral tendo sido discípulo de Roberto? Ah! Se eu pudesse dizer tudo o que eu sabia sobre seu querido sogro e tutor.

- Alice, minha querida, você acabou de perder Paulo por causa dos seus estudos e dessa sua mania de querer ser livre e independente. Está na hora de criar juízo e parar de fazer besteiras – disse minha mãe com um timbre de voz que me fez sentir como se eu fosse uma verdadeira idiota.

Desconfiei que ela estava mancomunada com meu irmão e mais preocupada com a reputação da família do que com meu bem-estar.

Olhei para o meu pai com uma esperança inútil de que ele me protegesse. Como poderia? Eu só podia esperar dele mais do mesmo. Sempre a mesma falta de coragem e de atitude. Afinal nunca pareceu estar vivo mesmo.

Nancy foi a única que veio em minha defesa. Deixou claro que esperava um homem melhor para ser meu companheiro, mas alegou que a decisão a ser tomada só caberia a mim e a ninguém mais e que o impasse devia ser resolvido com conversa e carinho.

Não é preciso ser muito inteligente para saber que a raiva é péssima conselheira.

Sentindo-me ofendida e humilhada, resolvi aceitar a proposta de namoro de David. Arrumei imediatamente as minhas malas, liguei para ele e pedi para vir me buscar. Despedi-me de todos sem sequer derrubar uma lágrima. Eu estava zangada demais para chorar.

Quando entrei no carro, minha mãe apareceu na porta de casa. Por um segundo, pensei que vinha se desculpar e pedir para que eu ficasse e assim pensasse melhor sobre o assunto.

- Se você partir com este infeliz, considere as portas desta casa fechadas para você!

Ouvi vovó chorando.

Comecei o ano ao lado de David sem ter consciência de que, daquele dia em diante, minha vida mudaria para sempre.

Lady Blue Eyes
Enviado por Lady Blue Eyes em 15/11/2013
Reeditado em 22/09/2015
Código do texto: T4572422
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