CAPÍTULO 15 - ALUCINADAMENTE ALICE
15.
(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)
O primeiro semestre da faculdade passou rápido como as horas agradáveis desfrutadas pelos apaixonados. Também pudera, eu não tinha tempo para nada!
Logo que as aulas tiveram início, comecei a trabalhar na maior biblioteca da cidade. A empresa, em que meu pai era funcionário, não ia nada bem financeiramente e, embora meu salário fosse pequeno, o dinheiro recebido era indispensável para o meu sustento.
Não tive problemas com nenhum dos professores nem com os colegas de classe, mas também não fiz grandes amizades. O passado se reeditava. Como poderia ser diferente? Eu continuava sendo a aluna exemplar e só. As notas que eu tirava eram inversamente proporcionais à minha popularidade. Os alunos apenas costumavam se lembrar de mim quando precisavam do meu caderno emprestado para colocarem as matérias em ordem.
De qualquer modo, sentia-me feliz e aliviada por estar no curso certo. Eu adorava ler obras de todas as épocas e estilos. Devorava os livros até meus olhos arderem.
Aprendi a fazer narrativas e adquiri um novo hábito. Agora, quando não estava lendo, estava escrevendo.
Não foi fácil conciliar os estudos com o trabalho. Na época das provas, ganhei olheiras fundas e escuras por não dormir ou por apenas cochilar durante algumas horas, quando meu corpo quebrado e lasso perdia a batalha contra o cansaço.
Sobrava pouco espaço para o lazer. Se eu não estava recuperando minhas energias, aproveitava para sair com Simone. Costumávamos ir ao cinema e passear pela praça onde os jovens da cidade se reuniam para conversar e paquerar. Sem interesse por ninguém, eu me dedicava a tomar sorvete e comer pipoca.
A única vantagem de estar sempre ocupada é que, praticamente, eu só voltava para casa de D. Constância na hora de dormir. A cada dia eu ficava mais irritada com seu sorriso artificial acompanhado do jeito meticuloso de escolher as palavras certas com a intenção de impor sua conduta a todas as hóspedes. Sua arrogância não a deixava perceber que era tão falsa quanto todas as convenções sociais e regras de comportamento em que acreditava.
Durante esses seis primeiros meses, eu só tive contato com a família e com os amigos através de cartas e telefonemas rápidos, porque as ligações interurbanas custavam os olhos da cara.
Agora eu me encontrava num estado de excitação que beirava a insanidade. Não dava para acreditar que estaria em minha cidade natal no final de semana para o casamento de Isabella. A saudade de todos vinha deixando meu coração mole e queixoso, escorregando em lágrimas pelos cantos da alma.
Os últimos contatos com minha amiga não tinham sido bons. Estranha e silenciosa, muitas vezes, Bella me deixou sem saber como continuar a conversa. Talvez fosse a distância e quem sabe a preocupação com os preparativos do casamento ou até o frio que invade nossa barriga toda vez que percebemos a aproximação do destino.
Cheguei um dia antes da cerimônia religiosa e da festa. Meus pais me aguardavam para o almoço. A alegria abriu meu apetite. Há tempos eu não tinha tanta fome.
Estava orgulhosa de mim mesma por me apresentar diante de minha família sã e salva. Ter partido não havia me causado nenhum dano maior.
O mesmo não se podia dizer de papai. Envelhecido e triste, falava ainda mais devagar e baixo do que de costume como quem tem medo de se manifestar. O que temia? Parecia se desculpar por existir. Deveria haver algum modo de poder ajudá-lo.
Senti vontade de cochilar depois da refeição, mas não quis perder meu tempo dormindo. Passei a tarde caminhando sem pressa pela cidade, revendo lugares e amigos.
Inevitável o encontro com as memórias. O passado permanecia o mesmo, porém agora meus olhos distantes e saudosos tinham capacidade de ver as lembranças coloridas pela tinta da bem aventurança. Eu estava em paz, ouvindo a vida de maneira apaixonada.
Quando voltei para casa, encontrei meu sobrinho, meu irmão e sua esposa à minha espera. Tinham vindo para jantar conosco.
João era um menininho alegre. Tão lindo quanto esperto. Precisei de um tempo para que voltasse a se acostumar comigo e, então, me deixasse pegá-lo no colo e participar de suas brincadeiras.
Lúcia continuava linda e delicada; a própria bonequinha de luxo. Surpreendeu-me a afinidade e a intimidade adquirida com minha mãe. Falavam de moda, decoração e da vida dos socialites com a empolgação de grandes amigas. Educadamente, perguntou-me sobre a faculdade. O que eu poderia dizer a alguém que apenas conhecia os romances amorosos feitos para as mocinhas sonhadoras?
A grande surpresa veio de Ricardo. Pouco restava nele do menino e do rapazinho com quem tinha compartilhado minha infância e adolescência. Roberto, seu mentor, vinha preparando-o para ser seu substituto tanto na política como nos negócios de família. Meu irmão revelou-se um aluno exemplar e estava prestes a entrar no jogo para ganhar. Tornara-se um homem ambicioso e arguto.
Quando me deitei, estava exausta, assim mesmo demorei a dormir. Excitado com a animação do dia, meu cérebro teimoso não parava de processar todas as informações que tinha recebido. O silêncio custou a vir me abraçar.