CAPÍTULO I - NASCIMENTO
Ao ser arrebatado do lugar onde eu existia, venho confuso. Minha mente não tem palavras. Ainda assim, provo o que descobrirei mais tarde como “desconforto”. Como saí assim do nada? Não, não tenho ainda conceitos. Mas houve mudança. Sou retirado da invólucro que me envolvia. Algo corta minha ligação com o mundo em que eu existia. A reação é instintiva: choro. Sinto medo e dor.
Estou entregue às estranhas criaturas, que não sei se me devorarão. Minhas sensações são táteis, pois meu olhos, em formação, nada veem, além de vultos. Minha existência foi descoberta. Sou um ser completamente indefeso. Apenas uma coisa sem nome e sem forças para fugir ou reagir. Sou erguido facilmente. As mãos que me erguem são seguras.
E sou colocado sobre a coisa de onde vim. Um lugar macio e quente que emite um ruído agradável, que me lembra do sonho da terra onde eu vivia. Decididamente reconheço este som protetor e descubro que sou lábios, lábios que procuram sem saber por uma fonte que me acalme e me dê prazer. Contudo, estou ainda aturdido e cego em um mundo de toques, sons e cheiros.
Descubro o tempo, pois a dor e o medo passam. E que tenho prolongamentos que não conheço e me causam surpresas. Sobre os desejos meu controle é limitado. Preciso de muitas coisas. Saber comunicar-me. Felizmente “mamãe” consegue prever muitas coisas. Sei que ela é “mamãe” porque este som é repetido diversas vezes, tanto pelo ser que cuida de mim, quanto pelos outros seres que vêm e que vão. Mas não posso reproduzir ainda este som.
O tempo passa, mas ele é infinito. E há uma sucessão de dores e prazeres com os quais, aos poucos, me acostumo. Descubro que posso movimentar os braços e as pernas. Tenho controle sobre meu corpo, Perco o medo dos outros, afinal, minha “mamãe” aparece se eu choro. Meus olhos se tornam aos poucos desanuviados. Preciso aprender a comunicar. Os outros sempre abrem os orifícios que trazem sob uma protuberância com a qual às vezes tocam e fazem movimentos me trazendo sensações agradáveis. Posso imitar este. Percebo que os outros se tornam mais amigáveis quando faço isto. Descubro o que depois saberei o que se chama “sorriso”.