CAPÍTULO 10 - ALUCINADAMENTE ALICE

10.

(ATENÇÃO: LEIA OS CAPÍTULOS ANTERIORES PARA ENTENDER A HISTÓRIA!)

Antes das aulas começarem na faculdade, ainda fiquei durante um mês e meio em minha cidade natal. Como estava de férias, eu me encontrava com Paulo quase todos os dias.

Fiquei surpresa quando meus pais me chamaram para uma conversa particular, afinal de contas, a prática do diálogo não era exercida com frequência em casa. Eles queriam que eu repensasse a ideia de estudar fora.

Paulo era de uma família conceituada. Meu namoro com ele deixava meus pais satisfeitos. Ele era, sem dúvida alguma, um excelente partido. Naquela época, o casamento ainda representava o que de melhor podia acontecer a uma mulher. Poucas trabalhavam fora de casa e, normalmente, deixavam de exercer seu ofício quando os filhos nasciam. As que davam mais importância à carreira sofriam preconceito, sendo consideradas frias, não femininas e agressivas. A importância era dada ao trabalho dos homens. Mulheres deveriam ser atraentes, maternais e boas cuidadoras do lar. Aos homens, cabia pensar e assegurar o sustento da família.

Eu tinha dúvidas acerca do que desejava para a minha vida. Queria ter o direito de ser eu mesma e de gozar de liberdade para escolher o papel que gostaria de desempenhar na sociedade, mas tinha medo de não corresponder às expectativas da minha família e de ser incapaz de conseguir gerenciar meu destino por conta própria.

Quase todas as mulheres que eu conhecia haviam perdido sua identidade no casamento. Eu não queria fazer a mesma escolha que minha mãe e vovó Nancy tinham feito. Sonhava com uma vida mais ousada e livre. Eu queria voar e para isso não podia ficar presa em uma gaiola nem deixar que minhas asas fossem cortadas.

Ao mesmo tempo, sabia que Paulo seria um ótimo marido e um excelente pai para os meus filhos. Por não ser mais virgem, talvez fosse prudente mesmo ficar com ele. Em breve, ele terminaria a faculdade e voltaria para trabalhar e morar na cidade. Não seria difícil construirmos uma família juntos.

O problema era que uma voz dentro de mim ousava falar mais alto, embora eu tentasse não ouvi-la. Ela insistia em repetir as palavras de vovô Pedro quando me comprava algodão doce:

- Alice, a graça da vida está em provar vários sabores!

Eu ainda ia fazer dezoito anos e não estava pronta para ser mulher de um homem só, embora fosse apaixonada por Paulo.

Eu tinha dificuldades para me encaixar no comportamento padrão. Cresci ouvindo que a mulher tem pouco desejo e que associa sexo com amor, casamento e procriação, no entanto, não era isso o que eu sentia. Talvez tivesse nascido com algum defeito. O fato é que eu não conseguia controlar minha vontade de experimentar o mundo. E por qual motivo tinha que fazê-lo? Não conseguia achar nenhuma explicação que, verdadeiramente, me convencesse.

Lembrei-me do Sr. Wilson sussurrando em meu ouvido:

- Menininha, preste atenção, nunca faça tudo o que seus pais disserem, O.K Trate de ser feliz!

Ele havia falecido há poucos meses. Teve um infarto fulminante. Sofri muito com sua partida. Com seu jeito bonachão e alegre e com seu comportamento de submissão aos prazeres da vida, ele marcou minha infância e influenciou meu caminho. Uma vez por semana, eu ia ao cemitério, embora não acreditasse que a alma do Sr. Wilson estivesse lá. Eu sentia uma vontade inexplicável de deixar balas e guloseimas em seu túmulo. E assim eu o fiz até o dia em que precisei mudar de cidade para cursar a faculdade de Letras.

Lady Blue Eyes
Enviado por Lady Blue Eyes em 29/08/2013
Reeditado em 22/09/2015
Código do texto: T4457208
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