Nos domínios da Morte-em-Vida: Viagem por Kishinev (Cap. II)

Há muito tempo acreditei em Deus, até descobrir que ele já não acreditava mais em mim. Contudo, ainda tenho a Bíblia em grande consideração, e na grande maioria das vezes o Antigo Testamento supera tanto em beleza quanto em poesia as antigas fábulas pagãs greco-romanas.

Vejo-me sempre retornando ao Cântico dos Cânticos e ao Eclesiastes – o eterno embate entre Amor e Morte, Eros e Tânato. Modéstia à parte, se por algum infeliz acaso o Livro do Eclesiastes fosse irremediavelmente perdido, eu saberia recriá-lo quase que fielmente, estando gravado em minha memória a ferro e a fogo – assim sendo, quando planejei minhas viagens, lembrei-me do que Coélet escrevera: “Mais vale a casa em luto que a casa em festa”. Somando este aforismo à citação do Apóstolo a respeito da luz fazer mal a olhos doentes, escolhi meus destinos a fim de que seus nativos pudessem acompanhar-me em meu pranto, mutuamente consolando-nos.

Orientado por tal raciocínio, a mais imprescindível parada de meu itinerário seria a “amaldiçoada cidade” de Kishinev; com o dinheiro das vendas de minha noveleta – que diminuem a cada ano – parti mais uma vez a viajar à roda de meus pesares, levando no peito como sempre as bênçãos de meus amigos e a sempiterna, inabalável indiferença de meus pais.

[Continua no Cap. III]

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 13/08/2013
Reeditado em 20/10/2022
Código do texto: T4432926
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