Viagem por São Paulo: Crônica de neves de antanho (Cap. XII)
Não gosto de mistificar os leitores em demasiado – sou um escritor direto. Tanto é que, no intuito de seguir a tradição daqueles que me precederam, cogitei iniciar minha história in medias res, por este capítulo; porém, começar pelo começo e assim ir seguindo até o final (que é a ordem natural de todas as coisas, convenhamos) é deveras mais simples – tanto para mim como para quem lê.
Portanto, digo sem rodeios e sem obscurantismo: meu relacionamento com Nelly foi mais um contrappasso, o pior dentre todos que sofri e que viria a sofrer. O desfecho de nossos amores revelou-se ainda pior que o de Otávio e Brígida, e ainda hoje meus pesares são repletos de Nelly e seus olhos, seus cachos, seu sorriso.
Antes, porém, de passar à derrocada de nosso amor, tivemos dois últimos episódios de felicidade que deixo registrados em minha crônica para honrar dignamente sua memória – nossa memória.
O primeiro era ser um partícipe de seu imorredouro amor por mariposas.
Durante nossas excursões noturnas, sempre que via alguma pousada em qualquer árvore ou poste, estendia a pálida e pequenina mão para tocá-la, como se fosse algum frágil e precioso enfeite.
“Prefiro mariposas a borboletas”, disse-me ela certa vez, uma mariposa caminhando lentamente na palma de sua mão, arrastando as longas asas cinzentas atrás de si. “As borboletas são como essas damas da alta sociedade; frívolas, sem nada na cabeça. Adoram usar coloridos vestidos e saírem por aí, exibindo-se, achando que o Sol é um holofote e o mundo é um palco.
“Já as mariposas são simples; preferem vestir-se com roupas mais sóbrias, menos elaboradas e cores mais escuras, mas elegantes – e gostam da noite, pois são algumas das poucas criaturas com o bom-senso de compreenderem a beleza das sombras. Elas são como eu, não acha, querido?”
“Como nós, meu bebê”, respondi, envolvendo-a em meus braços enquanto ela soltava a pequena criaturinha e a observávamos voar para longe.
Desde então, tornei-me amigo de todas as mariposas, e passei a crer recentemente que são as emissárias de Nelly, que as manda a mim para que não perca-me de meu caminho.
[Continua no Cap. XIII]