Viagem por São Paulo: Crônica de neves de antanho (Cap. VIII)
O nihil admirari à época era-me uma ideia inconcebível; como alguém pode contemplar algo belo e não se impressionar? É impossível que tal infeliz autômato, desprovido de um coração no peito, soubesse aproveitar a vida apropriadamente, por ela flanando feito um insensível espectro que a tudo pode ver mas de nada participar.
Tal afirmação acabaria por se tornar mais um tragicômico contrappasso a entrar para a vastíssima coleção que deles vim a fazer; mas por ora desbravemos e admiremos juntos a enorme casa do amigo de T… (cujo nome nunca importei-me em aprender) e o suntuoso baile que oferecera, pois era um tempo no qual vivia ávido por estímulos.
Ao chegarmos, T… foi cumprimentar o amigo enquanto eu fui deixado para explorar o enorme e decorado hall guarnecido de fina mobília, com uma longa mesa repleta de comes e bebes em lugar de destaque, e abarrotado de mascarados que trouxeram-me a sensação de presenciar uma daquelas vesanas pinturas de James Ensor se desenhando ante meus olhos. Pensei no Carnaval veneziano do “Beppo”, e prometi que aproveitaria aquela noite ao máximo.
Dancei com algumas belas garotas; julguei a todas demasiado frívolas, entretanto. Minha poesia não parecia tocar-lhes as cordas do coração tanto quanto um anel de diamantes ou um par de brincos o faria, e abri mão das mulheres para imiscuir-me nas animadas conversas dos homens, nelas vindo a ser virtualmente ignorado – talvez devido ao pouco de minha idade, ou por se tratarem quase que exclusivamente de finanças, ou por ambas as razões.
Até mesmo num baile o Deus-Dinheiro era irritantemente onipresente! Os poucos que demonstraram algum interesse em mim perguntavam-me invariavelmente “O quanto fatura escrevendo poesia?” ou algo similar.
As visões de Ensor e do Carnaval veneziano começavam a dissipar-se e a perder seu encanto após uma hora sob tal impasse, e fui procurar por T…, que dançava com uma linda moça ruiva de aparência muito mais jovem que ele. Disse-lhe que fui acometido por um mal súbito, e necessitava retirar-me – sem fazer-me mais perguntas, deu-me as chaves de casa e despediu-se apressadamente. Pelo visto, T… já não era mais um bachelor!
(Ele viria a casar-se com aquela moça, cujo nome era I… por sinal, em algum ponto depois que parti de São Paulo. Como sói acontecer em todos os casamentos felizes, apenas a morte veio a separá-los.)
Deixei o baile, mas não segui direto para casa; quis caminhar e entregar minhas angústias à noite, independente do quão estranho seria a algum passante desprevenido (e particularmente às pudicas senhoras paulistanas) ver um moço fantasiado de diabo andando a esmo assim tão tarde.
[Continua no Cap. IX]