Viagem por São Paulo: Crônica de neves de antanho (Cap. III)
A provinciana cidade de —, onde nasci, não conseguia abarcar a totalidade de meu gênio, então parti à grandiosa São Paulo almejando publicar minha noveleta e conquistar reconhecimento não só a mim, como também à minha cidadezinha, que alçada aos mais altos cumes da fama se tornaria tão renomada quantos os berços de Virgílio, Dante, Petrarca ou talvez até de Shakespeare.
Despedi-me de meus pais bastante indiferentemente (após deles receber, de muito mau grado, algum dinheiro – toda a minha família não via com bons olhos minha carreira de escritor, preferindo que me dedicasse à magistratura, atividade esta que desempenhava horrivelmente), e de meus poucos amigos com calorosas demonstrações de afeto, prometendo várias vezes que lhes escreveria e que jamais os esqueceria depois dos privilégios que me seriam regalados pelo meu título de Poet Laureate (que unanimemente concordaram que haveria de me ser dado, naquele perpétuo estado de empolgação e rêverie que é a juventude); e parti, mal conseguindo conter meu entusiasmo enquanto olhava a longa estrada se estirando rumo ao horizonte, as construções de minha cidade ficando cada vez menores, e os verdejantes e agradáveis pastos que constituíam a landscape de meu itinerário. “In Arcadia ego!”, disse baixinho a mim mesmo enquanto me deixava ser acalentado pelas belezas dos campos de meu solo pátrio.
Mais ou menos duas horas depois vim a chegar a meu destino.
[Continua no Cap. IV]