Capítulo 5 de A educação Sentimental de Xavier Renart
Volta às aulas
- Uai Theo, quem que era a bonitinha? – Karine falava com Theo, mas continuava olhando com um olhar felino para a adolescente de cabelos loiros e bochecha e lábios rosados. Theo hesitou antes de responder, e Carol aproveitou o momento.
- Tá sabendo não Karine, o Theo agora tá curtindo menor de idade.- Theo tentou formular uma resposta mas percebeu que Karine continuava olhando para Fernanda como um tigre olhando para a presa. Olhou na direção do olhar de Karine e percebeu que Fernanda também olhava para eles, mas com um olhar bem mais inocente, e um pouco confuso e curioso. Ela estava com algumas colegas do primeiro período. Andavam sempre em bandos naquela primeira semana de aulas.
- Pois é Karine, duas é pouco pro garanhão aqui né Theo! Pegou ela numa festa de formatura lá no Buffet Serina Magalhães. E depois viajou com a gente no carnaval na semana seguinte. Pena que só fiquei sabendo depois que a gente chegou. Aliás fiquei sabendo ontem. Porque a bunitinha ali chama Juliana, e tava perguntando pelo Theo por ai, querendo informação... se ele tinha namorada. Que será que o pessoal falou de você para ela hein Theo – Theo continuava sem responder nada. Olhava para Karine mas ela ainda não olhava para ele. Continuava olhando para Fernanda. Carol passou os braços em torno do pescoço de Theo – Será que falaram que você é muito gostoso?... Ah, é mesmo, ela provou. Já deve saber – Falou enquanto afastava Theo com um leve empurrão.
Carol, apesar de aparentar um pouco de raiva, parecia estar se divertindo um pouco com o aperto que Theo estava passando. Ia aos poucos relaxando em função dessa atitude de culpa assumida e de submissão que a não resposta de Theo parecia dar a entender. Como percebeu que Fernanda olhava meio confusa para eles aproveitou a situação para olhar nos olhos dela e sorrir com um ar discretamente zombeteiro e passar a mão nas pernas de Theo. Olhou bem nos olhos dele e o intimou. – Faz o seguinte garanhãozinho. Dá um beijinho aqui na minha boca que não vou mandar te esfaquearem pelas costas mais não.- E se aproximou com um olhar maldoso nos olhos de Theo. Este por sua vez não ousou olhar para o lado, nem resistir ao beijo. Cedeu e beijou Carol na boca de maneira dócil, como um namoradinho sem experiência.
Karine que continuava olhando para Fernanda não percebia a cena ao seu lado, até ver nos olhos de Fernanda a reação à cena, ai é que percebeu o que se passava ao seu lado. Aquilo para ela foi pior do que o fato de Theo ter ficado com outra pessoa na faculdade. Já estava acostumada com casos extraconjugais de Theo, e tanto ela mesma quanto Carol tinham ficado com outras pessoas, embora bem poucas e sem importância, desde que começaram a ficar juntos. O fato é que era alguém do curso. Mas quando havia ficado ainda não era. Ela já tinha pensado em perguntar para ele se ele sabia que ela iria estudar moda com eles. Mas, porque isso importava? De toda forma, estava vendo agora aquela cena lamentável. Sentiu como se estivesse participando de uma farsa, como se fosse uma farsante, como se merecesse ser desmaracada, por encenar uma mentira para ela mesma e para os outros. Os três apesar de sempre estarem juntos, e ocasionalmente trocarem carícias em público, não ostentavam a relação que tinham para as outras pessoas. Eram, por assim dizer, discretos. Aquele beijo de Carol, para demarcar território frente a um bando de alunos de primeiro período, para uma menina, menor de idade, com cara de que nem transar direito ainda tinha transado. Aquilo era meio que forçado demais. Não se sentiu bem, como se sua vida e suas opções passassem pela sua mente de uma vez só. Sentou-se no banco de concreto e sentiu sua dureza e o frio em contato com sua pele através do vestido. Apesar de cedo, já estava um pouco quente, mas o banco ainda estava frio. Não percebia mais se Carol e Theo continuavam se beijando. De repente deu-se conta da sua fraqueza. Olhou rapidamente para Fernanda. Ela estava conversando com os colegas e não olhava mais para eles. Será que tinha visto seu momento de fraqueza. Olhou para Theo e Carol. Não se beijavam mais, e Theo continuava com a cabeça abaixada. Já Carol olhava exultante para o grupo dos calouros, com um sorriso maldoso nos lábios. Percebendo que Karine a olhava, olhou para ela também com um ar de cumplicidade, de depois para Theo. – Vamos indo, a seleção para o estágio com o Renart é agora.
Os três se levantaram e seguiram em direção ao corredor que levava do pátio externo ao corredor dos laboratórios do curso. O grupo dos calouros estava no caminho, e quando passaram por ele, Carol olhou para Fernanda. Esta fingia que não os via, nem a Theo, e continuou conversando com suas colegas, com um pouco de medo, e só ousou olhar para os três depois que estavam a um distância segura, já dentro do corredor interno.
- Nossa, tem seleção para o estágio na Maine Coon. Você vai nesse não é Fernanda. È um dos poucos que a gente pode participar. Vamos lá?
- Não sei, acho que vou. Espera um pouquinho. - Fernanda estava meio zonza com o beijo de Theo naquela outra mulher. Então ele tinha namorada. Ela ficara em dúvida de qual das duas era a namorada dele, a morena ou a branquinha de cabelo preto e vermelho. Mas parece que era a de cabelo colorido. A outra deveria ter tomado as dores da amiga. Bem que o pessoal falou que ele não era boa coisa. Tinha um monte de gente que falou que ele era gay e drogado. Pelo jeito gay não era, mas drogado devia ser, porque a namorada dele tinha a maior cara de drogada. Mas se sentiu triste. Quando ele veio conversar com ela na hora que chegou, logo antes de ir para o lado daquelas duas, ela sentiu que estava na faculdade realmente. Nos dois primeiros dias de aula não o tinha visto. Mas naquele terceiro dia, quando o viu sentiu que realmente estava começando uma coisa nova, uma mudança na sua vida. Agora não sentia nada. Só desilusão.
- Fernanda, temos que ir agora, vamos lá, tem que ficar esperta aqui. Já vi que o povo nessa faculdade se você bobear passam por cima de você sem pensar duas vezes. Vamos lá.- A colega a puxou e ela foi junto mais por inércia do que por iniciativa de ir realmente.Caminhou meio alheia pelo corredor em direção ao laboratório de prospecção de tendências no qual Renart trabalhava. O cartaz na porta do laboratório indicava que a seleção ocorreria em uma sala de aula. Fernanda, a colega e uma terceira aluna da sua sala, que se juntara às duas depois foram para a sala juntas. Ao chegar, a princípio não viu Theo e a namorada. Estava conversando com as duas colegas, e só viu os dois depois que a sala já estava fechada e o professor Renart já estava na sala e ia começar a explicar os procedimentos de seleção. Teve uma vontade enorme de sair da sala na hora. Estava na iminência de levantar quando Renart, que passava do seu lado distribuindo um folha a reconheceu.
-Ah, oi! Tudo joia? E sua mãe, tá bem.
- Tá. Fernanda respondeu tentando retribuir a gentileza.
- Então ta jóia. Boa sorte.
- Obrigada.
Renart se afastou enquanto Fernanda sentia os olhares das colegas sobre ela como se dissessem: "Então ela já conhece o professor. Não devia ter chamado ela pra cá". Se sentiu mal de novo pela segunda vez. A faculdade realmente não estava sendo o que ela esperava naquele dia. Será que seria sempre assim? Teve seu pessimismo cortato pela apresentação de Renart.
- Bom dia a todos e a todas. Espero que vocês tenham procurado saber sobre a Maine Coon antes de virem procurar pela estágio. Mas, como infelizmente não tenho ilusão sobre a falta de noção de alguns de vocês, resolvi fazer uma apresentação do que fazemos. Vou passar também um problema que estamos enfrentando, e vou querer uma resposta conceitual, não técnica, mas na definição conceitual de um produto que estamos desenvolvendo, e acreditamos que pode ter sucesso, mas que não está decolando. As melhores respostas serão as pessoas que selecionaremos para o estágio. Não existe um número certo de pessoas que iremos selecionar. Podemos selecionar uns dez, ou nenhum, depende da capacidade que vocês apresentarem. De toda forma, estaremos realizando outras seleções também por outras vias, então, fiquem atentos ao quadro de seleção dos estágios.
Renart começou uma apresentação mostrando a Maine Coon, seus produtos, sua recente expansão no Brasil e a primeira experiência de vendas no EUA, e do produto em questão que pedia uma nova aboradagem conceitual para adequa-lo ao mercado brasileiro, e principalmente americano. Era um trabalho para o qual nenhum dos alunos ali presentes estava preparado. Exigia não só mais conhecimento técnico, quanto muito mais vivência de mercado e elaboração de produtos do que os alunos teriam nos próximos 10 anos. O que contava ali era, antes de tudo, a intuição de cada um. A capacidade de olhar para um objeto e senti-lo, sem intermediários conceituais. A partir daí se contruia um novo conceito, uma explicação do que poderia ser o fundamento da experiência estética que estava subjacente àquele produto, e como ela estava articulada com todas as outras experiências do sujeito. Os alunos também não conseguiriam exprimir dessa forma aquela apreensão que os tomava alí naquele momento, mas começavam a colocar o pouco de treinamento que já haviam recebido, na faculdade ou nas experiências de vida que os levara até ali para realizar a tarefa.
Karine baseou sua descrição conceitual em como resistir a ser uma farsante, enquanto Fernanda mostrava como expectativas desfeitas matam as ilusões, mas não a sim mesmo e aos seus propósitos. Realizavam o trabalho de criar novos conceitos para si mesmas, e projetavam aquilo como solução para os problemas do produto. Não tinham idéia do quanto de farsa e de desilusão teriam ainda pela frente, e vivenciavam aqueles momentos como uma luta de vitória definitiva. No dia seguinte seriam as duas únicas aprovadas na seleção.Como não sabiam o nome uma da outra, só se descobririam colegas de estágio na semana seguinte.