A CASA CAIU

A chuva que caiu a noite toda, junto com o vento forte acabaram de derrubar a casa de Zé Paixão.

É bem verdade que a casa já estava prá lá de estragada, todas as paredes carecendo conserto, os bolões de barro destacados da taipa e a cobertura de capim, tinha mais buraco que peneira velha, porque desde que Zé Paixão ficou viúvo, que largou de mão os cuidados com a casa e com a família.

Não fossem as três filhas cuidando da criação, da roça e do restou da casa a essa altura dos acontecimentos, não restaria mais nada.

As meninas Maria do Céu, Maria de Lourdes e Maria de Fátima já estavam na idade de casar, mas para não passarem pelas aperturas que a finada Marieta passara, as três nem queriam ouvir falar em casamento.

Maria do Céu até tinha dito que iria embora para o convento para virar freira, mas por ser pobre e analfabeta, não tinha sido aceita como postulante quando a Madre Provincial apareceu para fazer a seleção das candidatas.

Quando a notícia da casa caída se espalhou, todo mundo veio ver o estrago.

As três Marias tentando limpar as coisas para levar para o curral que era o único lugar coberto. Teriam que improvisar tudo porque, não tinham nem onde cozinhar, quanto mais dormir.

Os amigos de Zé Paixão, companheiros fies na aguardente, se comprometeram a levantar a casa nova porque, da velha, nada mais prestava.

O madeiramento todo podre e o capim da cobertura não servia nem para botar fogo, mas faltava o principal que era o dinheiro para comprar o material.

As varinhas de faxina até que podiam ser retiradas da mata, mas as estroncas, os paus linheiros que iriam dar a verdadeira sustentação, teriam que ser compradas e o armazém de compadre Zé Borges só vendia a dinheiro.

Ele não estava nem doido vender material de construção àquele bando de cachaceiros irresponsáveis se não fosse vendo o dinheiro vivo.

Acontece que Zezinho, filho mais velho de Zé Borges, desde criança, arrastava a asa para Maria de Lourdes, a segunda filha de Zé Paixão.

Ela gostava de se sentir desejada, mas seguia a irmã mais velha, não querendo passar as aperturas que a mãe passou.

Embora que, se bem pensado, Zezinho era também dono do armazém de material de construção e devia ter o dinheiro que seu pai nunca tivera para manter a casa.

Aproveitando-se da ocasião em que o pai fora a São Paulo comprar umas novidades, Zezinho foi falar com Zé Paixão para que ele e as moças fossem para a casa deles na rua de baixo, a Rua Dois, que estava desocupada.

Chegou com o caminhão para levar o que ainda podia ser aproveitado e disse que tinha sido o pai quem tinha mandado.

Afinal o pai era padrinho de Maria do Céu, embora por toda vida os únicos presentes que dera à afilhada, foram moedas de baixo valor e com a recomendação de que ela comprasse confeito, mas que não gastasse tudo.

Guardasse porque a gente só ganha o que economiza.

Zezinho trouxe os dois irmãos e o empregado do armazém para ajudar, e como se fosse o dono da mudança, distribuiu ordens para todos que estavam ajudando e mandou embora o monte de bêbos que estava com Zé Paixão.

- Se o senhor quiser ir comigo, agora, de caminhão, terá que ir só porque eu não vou levar essa corja de jeito nenhum.

- Então eu fico com meus amigos.

As meninas se ajeitaram na boleia e como estivessem sentados muito juntos, Maria de Lourdes colocou a mão na coxa de Zezinho que entendeu o gesto como consentimento para o namoro.

As moças trabalharam com afinco e quando a noite chegou a casa estava com aspecto de casa de gente morar.

Dona Antonia, mulher de Zé Borges, mãe dos três rapazes, foi até a casa chamar as meninas para irem jantar porque sabia que elas não tinham nada para por no fogo.

Depois do jantar e da conversinha breve ainda sentados à mesa, as moças limparam tudo e fizeram os preparativos para as refeições do dia seguinte.

Cataram o feijão e colocaram de molho com folhas de louro numa vasilha com a boca coberta com um pano de prato para evitar qualquer inseto que quisesse se instalar ali, cataram o arroz, cortaram em pedaços pequenos e colocaram de molho a carne seca e os pés de porco salgados que iriam acompanhar o feijão e Maria de Fátima pediu a Antenor que trouxesse espigas de milho seco do paiol, para dar o pré-cozimento necessário na preparação do cuscuz para o café da manhã.

Nos dias que se seguiram, as três Marias ajudaram a dona Antonia em todos os serviços que antes cabia exclusivamente a ela, faxinaram a casa e lavaram toda a roupa de cama, mesa, banho e principalmente as roupas dos rapazes, que a coisa que melhor sabiam fazer na vida era sujar, e muito, as roupas que vestiam.

Na noite em que Zé Borges voltou de São Paulo e soube do que o filho tinha feito sem seu conhecimento, houve um desentendimento sério entre eles.

- Mas pai, como é que eu podia deixar as meninas na rua? Do Céu não é sua afilhada?

- Mas eu sou padrinho só de uma...

E antes que o bate boca degringolasse em briga de mão, dona Antonia se meteu no meio e disse:

- Fui eu quem mandou buscar. E acabem com essa briga porque o que está feito, está feito e ninguém desmancha porque eu quero assim.

Depois de um “bênça” e de um “deus te faça feliz” rosnado entre dentes, pai e filho foram deitar.

Na manhã seguinte, quando estavam os oito terminando o café, dona Antonia disse:

- Eu estive pensando e acho que vocês devem casar. Apesar do pai, vocês são moças ajuizadas e o sítio de compadre Zé Paixão é grande bastante para fazer as casas de vocês. Antenor se casa com Do Céu, Lourdes se casa com Zezinho que anda enrabichado por ela ha muito tempo e Flávio se casa mais Fátima, porque são os mais novinhos. Que é que tu acha, Zé Borges?

- Eu acho muito bom, pelo menos a gente sabe a origem das meninas e as três irmãs vão dar força uma à outra para aguentar a pior sogra do mundo...

Todos riram e dona Antonia não fuzilou o marido com o olhar, porque olho feio não mata ninguém.

- Mas mãe, e as meninas vão querer?

- Eu aceito. (disse Lourdes, segurando o braço de Zezinho)

Fátima, vermelha de vergonha, disse:

- Precisa falar com pai para ver se ele deixa.

- Minha filha, compadre Zé Paixão não tem condição de decidir nem a vida dele, ainda não ficou bom da bebedeira desde que a casa caiu, anda emendando uma cana na outra.

Quem tem que decidir a vida de vocês são vocês mesmo. Eu sou madrinha só de Do Céu, mas é mesmo que ser das três porque fui eu quem fez os três partos na comadre Marieta, que deus a tenha em bom lugar.

- Amém. (disseram as três em coro)

- Não sei se esse arranjo vai dar certo não, mãe. Do Céu é muito tinhosa, briga por tudo.

- É madrinha, eu não quero casar com Antenor não senhora. Ele gosta muito de mandar. Tudo no mundo, tem que ser como ele quer. É que nem meu pai e eu não quero passar minha vida como mãe, sofrendo o diabo na mão de homem nenhum não. Se a senhora quiser me ajudar, bote eu para estudar, para eu ir ser freira.

- Ôxe, menina! Esse tempo de ser freira já passou. Vamos fazer assim, vocês vão passar um mês namorando e eu vou ficar de butuca para ver como é que vocês estão se tratando. Depois de um mês a gente conversa. Se eu vir que não vai dar certo, a gente acaba o compromisso.

(continua em Briga de Galo)