Viagem por São Paulo: Crônica de neves de antanho (Cap. II)

Todos devem começar em algum lugar; eu mesmo não sou exceção. Entre viajar à roda de meu quarto e à procura de um simulacro de contentamento ao redor do mundo, comecei da mesma forma que Garrett – em minha própria terra.

Era um tempo em que tanto minhas faces quanto meu coração tinham a saudável cor da juventude que fora abençoada por um brilhante futuro, e o porvir parecia sorrir-me a todo momento. Havia sofrido algumas decepções, sim – mas à época não passavam de constantes fontes de inspiração e não permitia que abatessem meu humor por muito tempo; afinal, estava no auge de minha vida e acabara de dar a lume meus primeiros versos – algumas imitações patéticas, mas não de todo ruins, de Byron e Azevedo – que haveriam de coroar meus triunfos no Panteão dos vates algum dia. Como é bom ser jovem! Como é bom se deixar enganar por tudo aquilo que cintila!

Recentemente havia redigido aquilo que seria meu début – uma lamuriosa noveleta fruto de uma decepção amorosa nos meus quase que monásticos tempos de Liceu na qual todos os clichês do Romantismo mais piegas se fundiam numa pastosa mélange. A segunda parte da “Lira dos Vinte Anos” e o Byron galhofeiro e amargurado do “Don Juan” ainda não tinham corroído a lustrosa pátina de meu gênio com o zinabre do desgosto, e tudo parecia reverberar com um eco que deliciava-me os ouvidos, repetindo: “Amor!”.

A cruel C… não me amara, mas que me importava? Ela havia sido morta e sepultada nas páginas de meu livrinho, que nutri com o mais terno e paternal carinho e agora via-o preparado para desbravar o mundo. Talvez meu vindouro sucesso a faria mudar de ideia eventualmente, e permitiria que os louros que tomava única e exclusivamente a mim fossem compartilhados. Uma virtude mais nobre que a do Amor, só a do Perdão.

E seguia eu, “jovem e impressionável”, carregando comigo meus sonhos, meus esboços poéticos e nenhum dinheiro no bolso – rico, portanto, em minha acepção do termo. Custaria anos até que viesse a aprender – e do pior modo – que meus sonhos de nada valiam ante o férreo domínio que o Deus-Dinheiro exerce sob nosso Orbis, e até um poema custava um cobre ou dois; de outra forma, não teriam morrido Chatterton, Otway e Camões como indigentes.

Mas cessemos de viajar por minha vida; voltemos à viagem por minha terra propriamente dita.

[Continua no Cap. III]

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 04/08/2011
Reeditado em 19/10/2022
Código do texto: T3138698
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