Capítulo 3 de A educação sentimental de Xavier Renart

Capítulo 3 - Férias

- E ai Troy?

- Ou, não estou gostando dessa história de Troy não. Sou muito mais eu.

- E esse cabelinho de Troy? – As duas amigas riram enquanto olhavam provocativamente para Theo.

- Olha só, vocês duas são pessoas ótimas, mas são poucos cultas. Eu sou um jovem, que além de talentoso, sou também culto. Esse corte de cabelo que eu adotei para configurar meu estilo atual, que eu chamo de “a hard days nigth”, foi popularizado pelo Beatles, mas na verdade era o corte de cabelo adotado pelos niilistas da Alemanha no período da guerra fria, que por sua vez os copiaram do corte de cabelo das estátuas romanas, como o de Julio César. Era o penteado dos imperadores.

- Aí Carol, era o penteado dos imperadores, dos Beatles, do Theo e do Troy. – E a risada recomeçou, até que Karina, fazendo um ar complacente, mas ao mesmo tempo meio agressivo olhou para Theo com o mesmo olhar provocativo de antes – E nós também assistimos esse documentário na Discovery, senhor culto.

- É – retomou Carol com entusiasmo – e depois assistimos o Troy cantar também - e a risada começou novamente.

Ele sabia que se deixasse o apelido logo pegaria, pois, depois que elas falaram, ele sentiu que realmente estava parecido com o astro adolescente. Mas resolver extinguir aos poucos a idéia. A melhor forma era mudar de assunto.

- Pois é, ano que vem vai ter aula de psicologia da moda. Diz que está super legal depois que o Tomas saiu e entrou o Renart. Diz que ele vai montar grupos com os alunos para entrar no laboratório dele.

- Nossa, eu e Karine estamos conversando com o pessoal do quarto ano e eles amaram. E tem um babado fortíssimo. Diz que a Maine Coon, está bombando lá fora... e ele, bombando com a Dorothy Lamour – as duas amigas olharam uma para a outra com ar de zombaria.

- Ah, até que ela tem uma coisa assim meio... sei lá, um erotismo de excentricidade – Theo tentava agora provocar as duas – Eu que não tive o privilegio de poder conversar com ela fora daqui, e ela aqui tá sempre correndo. Quando tiver eu acho que vou tentar pegar.

- É, vai lá canta pra ela: “I like this so much, give a chace to my touch, I'm a nice guy, You need not fear” – E as duas amigas riam de novo – Nossa Theo, essa é demais até para você. Além do que, você já tem duas, porque está querendo mais.

O olhar das duas se tornou mais malicioso e confessavam o sentimento que tinham da experiência que vinham tendo desde a viagem que fizeram juntos para a Fashion Week. Embora para Theo e Carol tal experiência não era novidade, e Karine também não tivesse tido problemas com a experiência, o fato do caso entre eles ter se tornado constante era novidade para todos. Mesmo os namorados e as namoradas anteriores, não tinham tido toda a força e cumplicidade que ambos estavam construindo entre si. Mas era mais que isso. No ano seguinte trariam do Banquete de Platão a descrição do sentimento que viviam na prática: de que só existe amizade na virtude. O talento inato associado à sede de aprender tudo, de beber tudo que a vida tinha para oferecer, a ausência de culpa e de medo que o laço entre eles gerava, a consciência de sua superioridade em relação aos colegas, tudo isso fazia com que a relação entre eles, além do prazer e do companheirismo que se proporcionavam, os levasse para bem mais além do que a faculdade, os contatos familiares, a influência dos professores, o dinheiro, e todas as coisas consideradas importatnes que eles aprenderam de suas famílias e dos amigos anteriores, agora cada vez mais distantes. As antigas visões do mundo iam se desfazendo a cada orgasmo, a cada olhar de cumplicidade. Cada carinho e aceitação era a matéria prima para a coragem de enfrentar os olhares que tentavam subjugá-los. Cada parte do corpo explorada fornecia especiarias para temperar ainda mais suas inteligências. Cada novo prazer descoberto era utilizado na sua capacidade de apreciação e criação estética, e os destacavam ainda mais dos colegas, dos professores sem talento, com aulas mortas, dos falsos sexualmente libertos.

- Mas ele é um gato – Karine tenta, junto com Carol provocar Theo – Você viu aquele dia que ele foi com aquele terno modernoso lá na faculdade. Nossa, com aquele cabelo meio loiro, todo chique, gostoso. Nossa, aquele eu pegava.

- Ah, eu também. Eu, você e o resto da mulherada toda da faculdade.

- Uai, eu pegava também minha filha. Vocês duas, o resto da mulherada da faculdade, eu e a maior parte dos homens lá também pegavam.

Não era provocação. Theo muitas vezes tinha a necessidade de demarcar sua liberalidade sexual com as duas. Elas não se importavam com o fato em si, mas quando ele tentava se afirmar desse jeito elas sentiam a insegurança dele e sentiam isso como uma fraqueza. Ainda tinham internalizadas uma visão do papel do homem como o detentor do poder e como protetor. Vacilos e demonstrações de fraqueza desse tipo eram muito desestimulantes para elas.

- Hummm, já pensou Theo. A gente podia chamar ele um dia para ficar com gente.

Karina, dentro de sua expectativa de atitude que esperava do parceiro, considerava a proposta muito mais como uma ameaça do que como uma provação à sua liberalidade.

- Uai, pode ser, vamos conhecer ele primeiro.

Theo tinha ligado o modo defensivo estilo “não estou nem ai, sou um homem totalmente liberado sexualmente”. Isso deixava as duas nervosas. Carol a essa altura já se defendia também mergulhada em pensamentos só dela. Karine estava fica cada vez mais nervosa com a não correspondência do que ela esperava de Theo, e resolveu mudar a conversa.

- A gente faz a matéria e vê. Eu tava mais mesmo era querendo ver se vai ter vaga para entrar na Maine Coon. Mas a dona mesmo é a Dorotheia. Ela já estava montando a empresa antes. Ela tinha montado com o Tomás, mas ele vendeu a parte dele para o Renart. Mas a maior parte é dela. Tipo uns oitenta por cento é dela. Mas cresceu mesmo depois que ele entrou e começou a linha masculina. Diz que ele que foi com ela montar as filiais de Brasília e de Goiânia. Mesmo a de São Paulo, cresceu mesmo depois que ele pegou junto com ela. Porque na época do Tomás era mais ela só que fazia as coisas.

- Não Karine, mas convenhamos também né. Você já viu esse Tomás? O bom gosto passou ali, deu a volta longe, e seguiu em frente. Nossa, outro dia eu vi ele num restaurante. De calça jeans, tênis desses de trekking, blusa star wars e moleton aberto com capuz. Ele deve achar que é o Bill Gates. A gente que não pegou ele aqui na faculdade, mas diz que ele vinha dar aula assim. Imagina! E o cara é o reitor da faculdade. Ridículo. E deixava tudo por conta da Dorotheia, porque tinha mais um milhão de coisa para fazer. Nem compara. E diz que a aula dele era super chata. Muito teórica.

- Mas o pessoal do quinto período, que teve aula com ele, tem algumas pessoas que gostavam dele. Falavam que ele e muito inteligente.

- Não Theo, isso todo mundo fala, mas diz que a aula era muito teórica, muito fria.

- Tá Carol, mas diz que ele dava umas sacadas geniais. Lógico, a maioria do pessoal não gostava, porque você já viu né. Esse povinho ai não gosta de nada. Tudo acha que é artista e que é gênio da moda. Mas não conseguem nem entender uma aula. Não, olha só, você se lembra? A aula do Dorotheia mesmo, de história da arte.

- Afff, aquele povinho dava vontade de bater. Tudo retardado. E achando que eram as bichinhas mais descoladas das gerais. E aquela Roberta amiga deles. Até hoje não sei o que aquela menina está fazendo aqui na faculdade. Além de burra é esquizofrênica – Carol e Theo olharam para Karine sem entender o porquê da ezquizofrenia – É, esquizofrênica, cindida, ela é um ser com o cabelo de outro ser que não tem nada a ver com ela.

Os três riam meio aliviados. O ato de falar mal dos colegas ajudava a fortalecer a união entre eles e dispersar os receios mútuos que ainda alimentavam. Os seis meses que se passaram desde a primeira vez que ficaram já tinha possibilitado uma grande aproximação e intimidade entre eles. Mas isso somente removeu o cascalho e o entulho que cerca a pedra bruta e dura que deveriam quebrar, pedaço por pedaço, avançando centímetro por centímetro a cada dia até chegarem à confiança sem medo, à tranqüilidade de mesmo sabendo que é impossível uma segurança total, ainda assim esperasse que o outro faça tudo que é necessário para não nos ferir.

Olhavam-se e riam. A força que emanava do sorriso com dentes fortes e toda a musculatura da face e do corpo de Karine, com sua pele morena e traços que mostravam ao mesmo tempo a herança negra e europeia da sua genética. Toda ela transbordava em segurança e energia. O olhar seguro e um pouco agressivo, encontrava com o olhar maldoso e negro de Carol, que contratava com sua pele muito branca, e com o rosto ainda mais alvo emoldurado em um cabelo muito negro e repicado – I love rock’n’roll dizia ela, mas nem um pouco agressivo. A atimosfera sonhadora que ela sempre tentava conter, era, no mais das vezes vencedora, principalmente quando ela se distraia, e voltava para o seu mundo interno, com suas sensações, seu hábito de se autoestimular quando Theo ou Karine não a abraçavam, mesmo na presença deles, ora mexer no cabelo, ora um roçar de mãos na pele do pescoço, sempre impensado, espontâneo, que se tranformavam em um carinho no outro quando era tocada, como fazia agora com Theo, que a abraçava suavemente pela cintura, e ela em retribuição deslisava a mão aberta pela parte de trás de sua cabeça, deixando passar por seus dedos os cabelos lisos e castanhos. Olhava a boca vermelha e bem delineada de Theo, mas não o beijaria ali, não na faculdade. Olhava também a boca carnuda e arroxeada de Karine, sempre um pouco mais distante, como se sua força exigisse mais espaço. Ansiava pela noite onde os três iriam para a casae poderiam ficar abraçados, e ela beijar aquelas duas bocas. Os tres ansiavam por aquilo. Mas aquele era o momento presente, ali na faculdade, na presença dos outros colegas, dos professores, de todos com suas expectativas em relações a eles, suas invejas e admirações. Aquele também era um momento bom e de união do três, era também um momento de se afirmarem e de se tornarem cada vez mais eles mesmos.

Já mais tranqüilos e felizes retomaram o planejamento das férias de fim de ano que se aproximava, e principalmente da viagem de carnaval.

- Sabe pra onde a gente podia ir gente.

- Pra onde?

- Aspen.

- Quê Karine, passar carnaval em Aspen?

- É Carol, ai a gente leva o Troy e ele canta pra gente – “I like this so much, give a chace to my touch, I'm a nice guy, You need not fear”

Sanyo
Enviado por Sanyo em 01/07/2011
Código do texto: T3068587
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