Capítulo 2 de A educação sentimental de Xavier Renart
Capítulo 2 - O colar
- Você vai fazer onde Fê – a amiga mudou o assunto enquanto assumia um tom de voz mais sério.
- Vou fazer na Allons, em moda.
- Ai Fê, aquele povo da Allons são tudo uns nerds.
- Ah, nem todo mundo. Sabe o Fábio, amigo do Diguinho? Ele estuda lá. E não é nerd.
- Mas você não ia tentar na federal, em arquitetura?
- Minha mãe deixou eu fazer na Allons. Ah, sei lá Jú.
- Ah, mas aquele povo da Allons e metido demais, tudo acha que é melhor que os outros.
- Mas isso é no colégio, na faculdade vem gente de todo lado.
- Mas sua mãe não falou que queria que você fizesse arquitetura lá ou na PUC. Porque ela mudou de idéia?
- Ah, sei lá. Acho que um amigo dela foi dar aula lá e conversou com ela. Ai ela animou. Ela não falou nada direito não. Só que esse amigo falou bem da faculdade e que lá é que as coisas estão acontecendo. Sei lá. Mas tem outra coisa também. Sabe aquela gargantilha que eu te falei que ia desenhar e pedir para minha mãe fazer.
Ju fez uma cara de espanto forçada e super afetada – Nossa, você fez mesmo? E sua mãe?
- Ela olhou e pediu para eu mudar algumas coisas. Ah, mas eu não queria mudar não. Ai ela olhou de novo, e acabou fazendo.
Ju fez uma cara de mais espanto ainda, e ainda mais forçada e afetada que antes – Não acredito. Não acredito. E ela fez?
- Fez. Eu trouxe.
- Ai Fê, mostra agora. Não acredito, deixa eu ver. Menina, que coisa mais chique... - e continuou com as expressões de espanto e de interesse exageradas enquanto acompanhava a amiga ao closet e esta retirava uma caixa preta com o logotipo da joalheria da mãe de uma gaveta. Voltaram para a cama e Fê abriu a caixa e retirou a gargantilha e passou para Jú, que continuava com as expressões exageradas de ansiedade para ver o colar. Ao pegar o colar as expressões afetadas de felicidade que iam se formando artificialmente no rosto de Ju foram ao poucos sendo substituídos por um ar real de incompreensão e logo depois por uma cara de frustração com o objeto que tinha em suas mão.
- Você vai usar isso com que roupa Fê?
Ju olhava para amiga de 17 anos, mas ainda com cara de menina, loira, com cabelos lisos com uma longa franja lateral, que aumentava ainda mais sua cara de menininha, as bochechas rosadas e os olhos azuis com delinador, vestida de jeans, tênis de corrida, blusa branca com desenhos coloridos e um moletom rosa e não conseguia ver aquela gargantilha em seu pescoço. Pensou nas outras roupas com as quais tinha visto a amiga e não via nenhuma que combinava com o colar que tinha nas mãos.
- Ah, sei lá. Só tive a idéia de fazer. Nem sei se vou usar.
- Hummm, só se você for com um vestido todo preto. Mas mesmo assim vai ficar muito apagado, é meio senhoril. – Disse Ju olhando o colar, mas sem conseguir imaginar nenhuma das senhoras que ela conhecia usando aquela gargantilha, e nem conseguiu achar algo, ou um tipo de pessoa que combinasse com aquela peça. – De que é feito?
- A corrente é feita de titânio, e as pedras são hematitas – disse Fê, já segurando a gargantilha que era feita de uma corrente fina e achatada de cor cinza escuro opaco que sustentava cinco retângulos pequenos de uma pedra um pouco mais escura que a corrente, mas muito mais brilhante, num tom de cinza quase preto com brilho metálico. Ela não sabia ao certo com que roupa usaria a gargantilha, mas tinha pensado em usá-la no baile de formatura. A mãe antes relutante prometera fazer um par de brincos para acompanhar depois de terminar o colar. Foi interessante a reação que ela percebera na mãe. Ela fizera uma cara muito estranha quando olhou para o modelo que a filha desenhara. Fernanda não sabia se era porque ela tinha desenhado uma gargantilha e pedido para a mãe, ou se era pelo formato da gargantilha em si. Como já tinha feito outros desenhos de jóias antes, achava que era pela segunda opção. Mas foi estranho. A mãe olhou para o desenho, ficou olhando e visualizando com a imaginação já treinada como ficaria o colar, olhava para a filha, e depois olhava para o desenho de novo, e olhava para a filha de novo como se a estivesse vendo pela primeira vez, ou como se tivesse dúvida de que a conhecesse. E depois as sugestões. A recusa da filha nas mudanças sugeridas, e a mãe saindo com o desenho com uma expressão que ela não sabia identificar, pois nunca tinha visto, mas sabia que a mãe estava um pouco surpresa. Na noite daquele mesmo dia, quando a mãe chegara em casa e a abraçara com um cara feliz e falara que tinha muito orgulho dela, ela perdeu o medo que a acompanhou durante todo o dia.
- Ah Fê, você sabe o que a Camila falou? – Ju interropia seus pensamentos e a lembrança da cena com a mãe e começou a tagarelar sobre as amigas de colégio e sobre os garotos, das paqueras e das outras fofocas que ela tinha ido ali para contar. Fê escutava, mas estava distante, sentindo a superfície lisa da hematita com os dedos. Escutava mas sem prestar atenção. O que Ju tinha a dizer não importava mais.