Liselotte e Tediato (Cap. VI)
Um dos lugares preferidos de Liselotte, seja para escrever suas melhores poesias tranquilamente ou simplesmente para cismar a sós, era num ponto extremamente isolado às margens do rio Moldau.
Sentada sob sua costumeira tília, lá ficava por horas (às vezes até o anoitecer) contemplando as límpidas águas do rio, o Sol a seguir seu inalterável percurso pelo céu no horizonte, e o vento farfalhando pela grama e na copa das árvores.
Liselotte gostava de gabar-se interiormente de ter aquela árvore apenas para si; sabendo que (pelo menos enquanto vivesse) nunca seria profanada por incautos, apelidara-a carinhosamente de “seu tesouro” – e para lá ela seguia, com a certeza de que poderia passar mais um prazeroso dia sozinha com seus pensamentos.
Suas esperanças foram prontamente desfeitas ao avistar, de longe, um vulto sob sua adorada tília próxima ao rio.
Extremamente aborrecida, apressou o passo para enxotar aquele invasor, ou ao menos perguntar-lhe como descobrira a localização de seu tesouro oculto – porém, ao aproximar-se da figura, percebeu que ela jazia inerte no chão.
O vulto trajava um volumoso capuz cinzento, similar ao de um monge; ao tomá-lo em seu colo, segurando-lhe a cabeça entre as coxas, Liselotte pôde discernir os contornos masculinos de seu corpo. Abaixou-lhe o capuz; o rosto que vira a transiu de espanto.
Era o arredondado rosto de um rapaz pálido e barbado, com cabelos encaracolados em perpétuo desalinho, olheiras sob seus olhos cerrados em estupor… Era o príncipe Tediato!
Sua boca estava entreaberta; a garota aproximou-se para ver se conseguia sentir qualquer ar saindo de seus lábios – o príncipe respirava tenuemente, mas um hálito de odor pungente lhe invadira as narinas. Só então Liselotte fora capaz de constatar que Tediato trazia um de seus punhos fechados como se firmemente segurasse algo. Ela abriu-lhe os dedos, fazendo um pequeno esforço, e vira algumas folhas de um verde muito viçoso, quase que arredondadas, amassadas entre eles.
Eram folhas de beladona.
“Tolo!”, esbravejou ela, afastando o príncipe de seu colo e deixando-o estirado no chão mais uma vez. “Teria vindo aqui para se suicidar e poluir meu sanctum sanctorum com o negror de uma morte? Ou, estando longe de seu ambiente natural onde todas as vontades lhe são feitas, tentou se alimentar de beladona sem saber de seus efeitos? Bom, não importa – tenho que levá-lo embora de alguma forma, e depressa! Não posso deixar que morra, pelo menos não aqui!”
Após uns breves segundos de preparo físico e mental, Liselotte ergueu o príncipe do chão com toda a força de sua compleição delicada, e carregando-o nos braços seguiu ao schloss da família real o mais rápido que podia. Os sons de suas firmes passadas eram apenas interrompidos pelo gorjear de algum pássaro, o murmúrio das águas do Moldau e a fraca voz de Tediato, que, num estado intermediário entre a vida e a morte, repetia: “Loriolo… Loriolo…”.
[Continua no Cap. VII]