Liselotte e Tediato (Cap. IV)
Tendo pintado do melhor jeito que pude com minhas inexperientes mãos o retrato de nossa heroína, mergulhemos agora mais profundamente nas particularidades de sua existência.
Liselotte vivia a sós num agradável solar herdado pelas fortunas passadas dos pais. Sua mãe viera a falecer em algum ponto dos mais verdes de sua infância, doravante tendo sido criada pelo pai que, no ensejo de uma usual demonstração de crueldade do Destino, teve sua alma ceifada por Azrael alguns anos antes; arrependido de ter-lhe separado da esposa tão prematuramente voltara para levá-lo, deixando um vácuo no coração da filha que nada seria capaz de preencher.
Aquele que se deparasse com o Graf Johannes durante o dia, de modos tão sérios porém sempre francos e repletos da mais grácil etiqueta para com quem quer que fosse, jamais imaginaria que aquele mesmo homem, pouco antes de deitar-se para dormir à noite, sentava-se à sua escrivaninha para conceber contos e versos tão imaginosos que fariam as páginas mais delirantes de Hoffmann aparentarem tão enfadonhas quanto as de um tomo jurídico!
Por muitos anos as obras de Johannes divertiram aos literati da corte com sua linguagem elegante e enredos fantásticos, e havia sido proclamado Poeta Laureado no reinado do monarca anterior; com a chegada ao trono de seu sucessor, porém, que era muito mais sisudo e um tanto quanto adverso à literatura (preferindo a caça e outros passatempos considerados por ele mais viris), seu nome havia começado a cair no esquecimento, mas a pensão que recebia da Coroa, somada a seu título, lhe deram meios de subsistência mais do que suficientes.
Liselotte nunca amara a qualquer outra pessoa que não fosse o pai – ele e a poesia eram o que mais lhe importava na Terra, e Deus no Céu. Desde pequena sonhara em receber das mãos do rei em pessoa, como o pai recebera, a coroa de louros que lhe sagraria os triunfos poéticos; entretanto, como sói acontecer com muitos vates de renome, o mundo veio a azedar-lhe os talentos – a morte do pai fora apenas uma das várias decepções subsequentes que viriam a amargar-lhe o ser, numerosas demais para serem aqui listadas com maiores detalhes.
Se estava melancólica (como se encontrava grande parte das vezes), sua poesia discorreria a respeito de sanguinolentas batalhas, cemitérios de guerreiros caídos e os mistérios do cosmo – o que pouco atiçava o gosto popular. Se feliz, não conseguia escrever outra coisa fora sátiras e epigramas dirigidos a qualquer membro da corte que merecesse o ridículo por algum dito ou feito – o que fazia com que fosse malvista entre eles.
Ostracizada pela nobreza e mal compreendida pelas massas (que ainda assim pareciam nutrir um certo temor reverencial por ela), Liselotte sentia-se um mero simulacro do pai; todavia, continuava a seguir os rumos de sua vida dia após dia, ambicionando suceder o legado de Johannes dignamente – sempre com o mês de maio nas faces e o de janeiro no coração.
[Continua no Cap. V]