A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE XIV (LAÇOS)

(Novela em 14 partes)

Sábado. Praça da Liberdade. Onze horas e dez minutos. Lá estava Renato, impaciente, andando de um lado para o outro, a espera da eterna amada. O sol presenteava o dia com luz dourada e plena, as perseverantes árvores frondosas, as pessoas, os jatos de água que se projetavam contra o céu em tentativas frustradas de alcançá-lo; tudo permanecia inalterado por ali. O artista pôs-se a recordar os momentos felizes que passara em companhia de sua magnífica Diana.

O tempo foi passando, os minutos se avançando e aos poucos, tons de amargura e desilusão foram se apossando de suas feições. Meio dia, meio dia e quinze, meio dia e meia. Não, ela não iria. Inclinou a cabeça e chorou como um menino. Com passos lentos, seguiu em direção ao carro. Iria embora. A cada passo, voltava-se para trás, na esperança de vê-la. Em vão. Resolveu telefonar. Aí, a surpresa! A mensagem da secretária eletrônica: “Passarei algum tempo fora”. E só isso; uma seca, crua e fria mensagem...

E aí, a desilusão o tomou em definitivo. Tudo estava acabado! Mesmo certo de que fora a sua reaparição que proporcionara o afastamento repentino de Diana, não conseguiu mais se animar. Meio que pisando num vácuo escuro, chegou à porta do carro. Mas eis que de repente:

- Renato, Renato!

Reconheceu a voz que gritava com fervor o seu nome! Sentiu todas as folhas daquelas árvores, convertidas em plumas delicadas, caindo sobre sua cabeça. Os raios poderosos do sol o tornaram ouro e o vácuo escuro, àquela altura, não passava de uma cortina negra e gigantesca que aos poucos, ia se abrindo e revelando um mundo colorido e iluminado, de paz e cânticos maravilhosos! Felicidade intensa, inatingível por um simples mortal. E ele foi agraciado com a transcendência dos limites dos mortais...

Sim, eis que Diana corria absurdamente feliz ao seu encontro. Ele fez o mesmo, na intenção de engolir o tempo que o separava de seu acalanto. Abraços, beijos! E ela:

- Não sei se será possível, mas quero tentar. Eu o amo!

E mais beijos... Puseram-se a girar, abraçados e embalados pelo êxtase do momento. Renato com os pés sobre o chão e Diana em pleno ar, amparada pelos braços do seu homem. As pessoas passavam e olhavam, espantadas com a cena. Afinal, não é todo dia que se vê seres humanos assim, de maneira tão despojada e alheia, celebrando e dividindo a graça da vida...

Após alguns instantes mais de profundo deleite, Renato voltou a si:

- Eu disse que não iria se arrepender se viesse. Tenho uma surpresa! Espere um pouco.

Logo em seguida, correu em direção ao carro, abriu a porta de trás e apanhou algo com uma mulher vestida de azul-claro. Parecia uma criança.

Quando Renato se aproximou dela com a tal criança nos braços, indagou-o de imediato:

- É seu filho? – (pergunta inútil, pois as belas feições do pequenino ser denunciavam a resposta positiva. Cabelos lisos e louros, pele clara e olhos, embora castanhos, idênticos aos do artista no formato ligeiramente assimétrico).

- Não.

- Não?

- Não é meu filho. É nosso filho!

Ela quase desfaleceu!

- Não pode ser! Nosso filho está morto!

- Não, Diana. Felizmente não. Tudo não passou de mais uma das armações de Virgílio. Ele não queria você em minha vida, mas do meu filho, fazia questão. Com o poder que tinha, não foi difícil armar tudo, forjar as situações. Ele comprou todas aquelas pessoas para mentirem. O recém-nascido que você pegou nos braços era de uma indigente e a documentação para o sepultamento, totalmente ilegítima.

- Mas por que só agora você me revela isso?

- Procurei esperar o momento ideal. Não sei se agi certo ou errado, talvez tenha sido egoísta, não sei. Mas tente não me condenar!

- Condenar? Não há tempo nem espírito para isso! Sou a mulher mais feliz do mundo!

Sorrindo, aproximou-se da criança e abraçou-a forte! O menino se espantou. E Renato disse:

- Não, meu filho; não se assuste. É a sua mãe.

E Diana:

- Três anos ele tem...

Renato se emocionou. E o choro fez-se inevitável. E ela:

- Qual o nome dele?

- Daniel.

- Há alguns anos, eu costumava passar minhas tardes num lugar muito, muito bonito. Chamava-o de bosque encantado. Era de fato lindo! Flores, árvores, pássaros. Cheiro de pureza, um ar agradabilíssimo! Ao vir para esta cidade, o que esperava de fato era encontrar aquele encanto em todos os lugares, em todas as ruas pelas quais eu passasse, queria que não só as minhas tardes, mas toda a minha vida fosse um tilintar de paz. Foi difícil lidar com a irremediável decepção. Mas enfim, fui agraciada com o privilégio de converter ilusão em realidade palpável. E consegui mais do que almejava: sinto o bosque encantado florir toda a sua beleza dentro de mim...

Seguiram. Diana, Renato e o menino.

FIM

Belo Horizonte, 1994.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 05/10/2010
Código do texto: T2538447
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