A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE XII (A PROSTITUTA)
(Novela em 14 partes)
Encontrou Ana Lara distraída, a organizar o arquivo de discos. Assim como o prédio e as imediações, ela em nada mudou. A beleza loura, a elegância, a sutileza nos gestos, os saltos altíssimos... Ao notar a presença da visitante, emanou um sorriso extenso, de puro contentamento, e falou com entusiasmo incontido:
- Sempre soube que voltaria; a menos que tivesse muita sorte. As coisas realmente não são nada fáceis lá fora, não é mesmo?
- É. Você estava certa.
- Suponho que tenha voltado com o intuito firme de trabalhar, estou enganada?
- Não, não está. Há vaga para mim?
- Com certeza!
Diana contou-lhe tudo em detalhes minuciosos; falou sobre situações e pessoas, falou muito sobre Renato. E Ana:
- Não me espanto com nada do que me falou. O ser humano é cercado por limitações inúmeras, somos completamente vulneráveis a desvios de caráter e atitudes. Há que se desdobrar em esforços para se imunizar contra esses golpes.
- Está certa. Pois bem, vamos tratar de negócios. Exponha-me quando posso começar, quanto vou ganhar, etc.
- Uma mulher do seu porte vale mais ou menos uns... quatrocentos dólares por cliente atendido.
Tais palavras a atingiram como facas cravadas no peito. Fechou os olhos, quase se sufocou com a própria saliva. A cafetina continuou:
- Você pode começar quando quiser. Ganha vinte por cento sobre o valor pago.
- Vinte por cento? É muito pouco!
- Todas ganham o mesmo percentual. E não reclamam.
- Não. Não aceito. Não é justo. O sacrifício é todo meu!
Ana Lara raciocinou rapidamente. Sabia do sucesso que Diana faria, dos dólares que traria. Não, não podia perder aquela mina. E arrematou:
- Faça então uma contra-proposta.
- Cinquenta por cento.
- É demais, a despesa é toda minha! Bebidas, água, energia elétrica, roupas de cama, preservativos importados, cristais; sabe que esses homens exigem conforto. Gasto muito para mantê-los aqui.
Diana virou-se em direção à saída. Linda, corpo esguio, ares de rainha, ares de mulher do campo impecavelmente lapidada pelos recursos urbanos. Sem dúvida, uma mina de ouro! Ana Lara por mais uma vez cedeu:
- Quarenta por cento e não se fala mais nisso!
A bela, sorrindo, disse:
- Fechado. Começo hoje.
- Calma. Antes terá que se submeter a uma bateria de exames.
- Exames?
- Sim, coisas de praxe. Tenho um médico sempre ao meu dispor. Se preferir, pode procurá-lo ainda agora.
E assim ela fez. Rapidamente os resultados saíram; todos satisfatórios. Estava pronta!
Era uma noite de quinta-feira. O salão estava, como de costume, lotado. A cafetina anunciou a estreia de Diana a todos os seus clientes. Quando esta surgiu do andar de cima a descer degrau por degrau, como se numa apresentação de balé clássico, ficaram boquiabertos! Desenhando cada passo com apuro que exigia leveza e lentidão, ela descia sobre sapatos envernizados, a lançar olhares de malícia e altivez. Trajava um vestido preto, cujo decote demonstrava com ousadia torturante os vestígios dos belos seios. E curto o suficiente para deixar a maravilha das coxas bem torneadas à mercê dos olhares famintos. Os cabelos, os lábios deliciosos; enfim, verdadeira beldade. A bela se superou...
Nem é preciso dizer que não foi difícil encontrar o primeiro cliente, pôde até mesmo escolher! Tratava-se de um jovem deputado, de carreira promissora, simpático, bonito e viril. Primeiramente partilharam um drinque no bar do primeiro pavimento.
Ela percebeu que o acontecer das “coisas” era mais incômodo e traumático do que pôde imaginar. O cliente cobrou-lhe certas atitudes para as quais, definitivamente, não se encontrava preparada. Porém superou suas reservas e limites e se saiu muito bem.
Em pouco tempo, todos os frequentadores fiéis da casa já se achavam dominados por seu encanto. Começou a aumentar os preços mais e mais a cada dia, o que deixou Ana radiante (é óbvio)! Quanto a ela, Diana, seu extrato bancário se esticava em depósitos e depósitos sucessivos... Já era então uma profissional, uma competente, aplicada e bem sucedida profissional do ofício de amar. Sabia manejar com indiscutível talento as nuances do prazer; dissimulava-se, encenava situações instigantes, desdobrava-se em esforços para agradar à sua clientela selecionada.
Todavia, para aprimorar-se tanto, nossa bela mulher passou por certos constrangimentos e contrariedades com clientes. Que bobagem, isso era inevitável... Dentre vários, um episódio a marcou em especial; é que um rico e famoso publicitário da cidade se declarou apaixonado por ela. E sob tal justificativa, encerrou-a numa verdadeira redoma de telefonemas, flores, joias e desequilíbrio emocional. Diana tentava exaustivamente explicá-lo sobre a incoerência, sobre a inviabilidade de um relacionamento sério entre ambos, mas em argumento algum havia eficácia. Por isso, deu um basta! Não o recebia mais, sequer o olhava. Não suportando o desprezo, ele se desesperou e prometeu uma prova inesquecível de amor: Simplesmente chegou ao prostíbulo com sua esposa legítima. Entre berros, ordenava-a que dissesse à Diana coisas absurdas! A mulher falava, entre soluços de choro intenso:
- Por favor, não deixe o meu marido! Nós precisamos de você!
E ele:
- Fala mais!
- Eu sei que não sou digna de nem mesmo olhar em seu rosto! Você é melhor do que eu, é mais bonita, é muito mais importante, merece meu marido mais do que eu!
- E você, o que você é? – pressionou o marido.
A pobre mulher se emudeceu, como se uma placa de vergonha vedasse suas cordas vocais. Ele a pegou pelos cabelos, aos solavancos. Ela, com indescritível dificuldade, continuou:
- Eu sou um lixo. Sou a escrava que lhe beija os pés, Diana!
Dizendo isto, inclinou-se, fazendo menção de ajoelhar-se diante da prostituta. Mas Diana a deteve. E disse, enojada:
- Sumam já daqui. Os dois!
Não foi tão fácil. Ele não desistia. Só se retiraram sob ameaças de se chamar a polícia. Diana balbuciou com uma perplexidade seca e amarga:
- Estúpida! Tem o que merece...
E assim, o tempo foi transcorrendo sem maiores percalços. A exuberante prostituta cada vez mais famosa nos bastidores da vida noturna da cidade, enfeitiçando milionários com seu manancial de sedução e aumentando mais e mais o próprio patrimônio.
Dominava com maestria os encontros amorosos, impondo uma condição permanente de satisfação plena e recíproca entre ela e o cliente. Aliás, esta peculiaridade de Diana, a de dividir o prazer, era o maior motivo de inveja por parte das colegas. Todas almejavam atingir este patamar. A cada detalhe a substanciar o prazer, mais dólares eram cobrados. Era como um cardápio ambulante ou um objeto valioso e indiferente que, no entanto, pulsava vida.
Àquela altura, ela própria já administrava seus negócios, já havia se libertado da “proteção” de Ana. Possuía o próprio apartamento – num belíssimo prédio no Mangabeiras – e marcava os encontros por telefone, a partir dos recados gravados na secretária eletrônica. Vale esclarecer que tal independência fora sugerida pela própria cafetina, uma vez que começara a sentir que seu recinto não mais oferecia estrutura para manter a gigantesca e exigente clientela da bela meretriz.