A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE IX (RIQUEZA E VAZIO)

(Novela em 14 partes)

A lua de mel do casal não foi das mais deslumbrantes. Passaram alguns dias no Caribe, envoltos em luxo, lazer e... indiferença. Sim; Diana, já no terceiro dia de viagem, observou uma transformação substancial no comportamento do marido. Celso agia como alguém que muito deseja algo e após conseguir, perde parte do encanto. Ambos mais pareciam dois sócios numa viagem de negócios, tamanha a formalidade da convivência. A situação tornou-se tão constrangedora que Diana se arrependeu imediatamente do que fizera.

Uma vez de volta a Belo Horizonte, ela logo tratou de se munir com algumas armas essenciais ao que se penetra na classe alta: ocupou a maior parte do tempo em aulas de inglês e história da arte. Depois de alguns meses, já se encontrava razoavelmente preparada para assumir as rotinas da nova vida: recepções, jantares, coquetéis, concertos, etc. A agenda sempre repleta do casal acabava por anular de modo considerável as experiências conjugais. Quase todas as noites saíam, rumo às suntuosas manifestações sociais, trajados com numerosos dólares e a esbanjar beleza. Tratava-se, sem sombra de dúvida, de um belo par; tão belo quanto artificial...

Ela, aos poucos, foi se cansando das mulheres fúteis que a rodeavam, dos homens ricos e asquerosos que por vezes a importunavam com elogios dispensáveis, das regras imbecis perante as quais todas aquelas pessoas se escravizavam, em prol de um destaque, de uma foto em revista, como se não se bastassem por si. Não conseguia mais conviver com indivíduos detentores de grandes patrimônios e tão miseráveis interiormente. Ela não poderia viver daquela forma. Até por uma questão de coerência com seu próprio passado, não haveria de se reduzir tanto. Sempre sonhara com a riqueza sim, mas jamais pensara que as circunstâncias e os relacionamentos que dela advinham fossem tão vazios e falsos! Resolveu afastar-se.

Residia numa imensa cobertura na Pampulha, cercada por empregados que até mesmo adivinhavam seus pensamentos. É que Celso, apesar do comportamento estranho, os instruíra a servir sua esposa com requintes régios! Dominados pelos bons salários, eles extrapolavam as expectativas; eram meros seres servis sem vida própria, como bichos de estimação, como máquinas pós-modernas.

A beleza de Diana achava-se cuidadosamente lapidada, coberta por roupas extraídas dos mais raros tecidos e joias, muitas joias de ouro maciço e pedras preciosas. Sim, constatava-se então a perfeita viabilidade do impossível, ela se tornou ainda mais radiante, em meio aos extremos luxo e atenção com os quais vinha sendo tratada. Os cabelos, era como se concentrassem o brilho dos astros, e coroavam o corpo vistoso e ainda mais macio. Lábios e olhos adornados com maquiagens fortes cediam-lhe tons de garbo típicos de uma dama da nobreza! Quase não se viam mais vestígios da jovem ingênua, de nua experiência, que chegara do interior e que de forma tão brutal fora recebida. Os inevitáveis sinais de revolta engastados nas feições da mulher que passara por todos os golpes já mencionados aqui se transformaram em traços sutis de um desencanto cuidadosamente maquiado pelo dinheiro.

Em meio a tapetes importados, cortinas de renda e seda, móveis caríssimos, quadros e esculturas consagrados e tudo mais, ela deslizava por seus dias vazios a andar de uma sala à outra, com o inseparável copo de uísque entre as mãos e a observar-se refletida no espelho, meio que perdida, como se quisesse desvendar sua personalidade complexa através dos olhos, das expressões faciais, uma vez que vinha se surpreendendo a cada dia com suas próprias atitudes. Era como uma flâmula entregue ao vento, a agitar-se em conformidade com os sopros deste. Ora para a esquerda, ora para a direita... Ora aceleradamente, ora bem lenta... Assim, sem domínio sobre si mesma; sem razão, sem energia, sem vontade próprias. Sentia-se em pleno inferno interior, torturada com chibatadas intermináveis de remorso, frustração e auto-repúdio.

Nem por um instante retirava Renato dos pensamentos. A saudade ardia, estraçalhava órgãos e emoções. Decepcionada, deparava-se com a incapacidade de ser feliz novamente. Trocaria tudo sem titubear - conforto, poder, as maravilhas materiais do seu lar – por ter o amado de volta. Porém, da forma como se conduziram os fatos, bem sabia ser tal possibilidade impossível. Ao se casar com Celso, nada mais fez senão confirmar as suspeitas do artista. Se ao menos pudesse eliminá-lo de sua vida...

E Celso dissolvia-se em seu mundo banal, envolvido em campeonatos de tênis e festas. Deliciava-se... Deliciava-se... Sempre disputando espaço com outros jovens cavalheiros de fortunas. Alheio ao que realmente acontecia ao seu redor – hipocrisias e superficialidades – limitava-se a ser um belo e rico indivíduo estampado em fotos de campanhas publicitárias ou eventos de altos níveis sociais.

Às vezes, Diana tentava aproximar-se dele, com propostas nem tão autênticas, mas sem dúvida excitantes:

- Acompanha-me num champanhe à beira da piscina?

Mas as respostas não eram das mais gentis:

- Não, hoje não posso.

Certa vez, ela chegou a insistir:

- Prefere qualquer programa medíocre a ficar comigo. Por favor, não me deixe só!

- Ainda que aceitasse o convite, não eliminaria sua solidão...

- Nunca menti para você quanto aos meus sentimentos.

- É, eu sei.

- Então, por que tanta mágoa?

- Não é mágoa. É defesa.

- Arrependeu-se do que fez?

- Não. E você?

Diana optou por calar-se. Ele se retirou, indiferente ao seu silêncio.

E os dias corriam implacáveis, enquanto a bela mulher afogava-se em sua vida de artificialidades...

Trancado no apartamento, Renato dava os últimos retoques em seu mais recente e primoroso trabalho: a imagem de uma mulher acolhida num vestido branco, curto e transparente a denunciar com sutileza seios e pernas perfeitos. Cabelos e os traços todos insinuavam quês de selvagens, misteriosos e fascinantes. Mas foi nos lábios e na expressão facial, que o artista conseguiu surpreender a si mesmo! Eis que apresentavam os primeiros vestígios de um sorriso único! Era um sorriso de alma, que Renato obteve a graça de captar e fixar para a eternidade na tela. Quanto à mulher, creio ser desnecessário dizer que se tratava de Diana... Todo o resplendor jovial da amada distribuído com impecáveis sensibilidade e técnica numa extensão de um metro e sessenta de altura por um e vinte de largura!

Passara os últimos meses envolvido de corpo e alma naquele trabalho. Foi o artifício encontrado para ter seu eterno amor ao lado, já que a presença real tornara-se impossível. Chamou-o de “Um sonho”.

Uma vez concluída a obra, dedicava a maior parte dos prolixos dias envolvido nas recordações dos momentos deliciosos que passaram juntos. Até sentia certa paz...

Aos poucos, ele se re-erguia frente aos danos que sofrera e, embora bem lentamente, ia ressuscitando seu nome no cenário artístico. Mas a traição ainda doía, doía muito! Uma dor insuportável! Não compreendia; como pôde um ser humano tão especial prestar-se a uma atitude tão cruel? Em sua versão dos fatos, a possibilidade de Diana ser inocente era no mínimo improvável e não queria se iludir com falsas esperanças, com sonhos impossíveis. Resolveu então não mais se deixar levar por devaneios inúteis e prosseguiu, numa rotina de trabalho e inegável vazio. O primeiro passo do processo de recuperação foi procurar Virgílio. Afinal, as ideias do primo no que dizia respeito à personalidade de Diana eram indiscutivelmente corretas. Ela de fato não merecia tamanho amor; amor este demolidor de uma amizade de anos!

Não foi difícil reatar os laços com o antigo tutor. Virgílio o recebeu muito bem, demonstrando plena superação sobre o desentendimento acontecido. Mostrou-se satisfeito ao saber do término do romance que sempre julgara insensato e o relacionamento de ambos voltou a ser como antes. Contudo, Renato esquivava-se da dependência financeira. Aprendera a ser livre, independente, auto-suficiente. E isto era mérito da bela mulher, não se podia negar...

E ao lado da janela da sala, protegida dos raios solares fatiados pelas lâminas de uma persiana verde, resplandecia a imagem privilegiada de seu único e definitivo amor, a tentar livrar-se dos limites da tela e ressurgir inteira em sua vida...

Era uma tarde de maio. De uma ampla janela, Diana observava a vida que corria alheia lá fora. Seus dias eram frios, estranhos, como aqueles que prenunciam ou confirmam a morte de um ser querido. Celso continuava tratando-a como uma simples companheira com a qual dividia o quarto. Mal se tocavam. Se a relação entre ambos fosse mais satisfatória, talvez até conseguisse amenizar sua angústia, despertar-se novamente. O fato é que já havia perdido o estímulo para tentar reaproximar-se do marido e deixava as coisas acontecerem, o tempo passar, os meses se repetirem...

A sensação de inutilidade plena de si e de tudo a machucava com impiedade até o limite. Já estava no limite. Além daquele ponto, só o inferno! Mas não, não iria entregar a vida de maneira tão covarde, iria tentar de novo. Afinal, superar era uma constante em sua história. Decidiu procurar Renato. Trajes, pinturas e penteados feitos, desfeitos e refeitos por várias vezes, com o apuro e a insegurança de uma adolescente preparando-se para seu primeiro encontro romântico. Confiando no esmero do gosto e engolindo a insegurança, apanhou a bolsa e saiu, avisando aos empregados que provavelmente não voltaria para o jantar.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 03/10/2010
Código do texto: T2535134
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