A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE VIII (UM OUTRO)

(Novela em 14 partes)

Era mais um dia como outro qualquer na perfumaria. Eis que um jovem e belo homem, bem trajado e de postura elegante, aproximou-se do balcão, dizendo-se interessado em uma colônia suave, para uso próprio. Fitando Diana, que terminava de atender outro cliente, fez questão de esperá-la para que lhe atendesse também. Ela usava um batom de cor vermelha, belíssima, que realçava ainda mais o encanto dos lábios e a perfeição dos dentes alvos, que se faziam exibir através de um estonteante e permanente sorriso. O tal homem fascinou-se por ela! E como autêntica profissional, desfez-se em gentilezas, exibindo todas as opções da loja e dando-lhe sugestões de bom gosto. Mostrando-se indeciso, ele a questionou:

- Qual escolheria?

- Todos são excelentes, mas escolheria este aqui. – respondeu-lhe, tocando no frasco.

- Vou levá-lo.

Pois bem, uma vez realizado o negócio, ele não se fez de rogado e interrogou-a subitamente:

- A propósito, qual o seu nome?

- Diana.

- Chamo-me Celso. Foi um imenso prazer conhecê-la, Diana.

- O prazer foi todo meu.

Despediu-se. Nem bem chegou à porta, retornou em passos lentos e olhar insinuante:

- Não poderia deixar de dizer; você é linda!

Diana, apagando o sorriso e assumindo feições de seriedade, agradeceu pelo elogio.

Dois dias depois, lá estava novamente o tal sujeito à sua procura. Desta vez, esperou o final do dia, quando ela saía do trabalho. E molestou-a:

- Não pude resistir; enfeiticei-me por você!

Ela, perplexa, disse em tom repreensivo:

- Deixe-me em paz!

- Quero apenas conversar com você!

- Não!

E atravessou a avenida em meio aos carros, aos passos rápidos, quase a correr.

A princípio, Diana não se afligiu com o episódio, pensando ser apenas mais uma das muitas investidas masculinas que recebia, mas na semana seguinte, a situação se repetiu, e na posterior, e na outra, até tornar-se diária...

Ela não se cansou de pedir:

- Por favor, afaste-se de mim!

Ele, entre outras coisas, respondia:

- Desculpe-me, Diana, mas não consigo. Dê-me uma chance!

A situação tornava-se incômoda. Ela se sentia confusa e pressionada. Mas resolveu não contar nada a Renato, sabia se defender. O fato é que pensava se sentir envolvida com tanta gentileza. Não, não era possível! O amor que sentia por Renato não cedia espaços para aventuras daquele tipo. Estava, sim, encantada, iludida por o que aquele homem representava; dinheiro, pompa, conforto, mas não abandonaria Renato por riqueza alguma do mundo! Aceitaria o convite de Celso unicamente para esclarecer todos os pormenores, livrando-se do importuno de uma vez por todas.

E assim procedeu. No final do dia, lá estava o homem a cumprir sua rotina dos últimos meses.

- Hoje aceitarei seu convite. – exclamou a bela mulher, surpreendendo-o.

Celso sorriu, radiante. Tocando em suas mãos, levou-a até o BMW azul que brilhava soberano em frente à loja, abrindo-lhe a porta com elegância para que entrasse primeiro. Diana encantou-se: tratava-se, sem dúvida, de um legítimo cavalheiro. E subiram a Afonso Pena, sobre as quatro rodas caríssimas...

Alto da avenida. O BMW estacionado em frente a um requintado scotch bar. Lá dentro, à primeira de suas mesas, Celso e Diana finalmente se entendiam. Ele:

- Eu não sei o que me acontece. O fato é que não penso em outra coisa ou outro alguém que não seja você! É algo involuntário, foge do meu controle!

E ela:

- Celso, tenho um grande e único amor na vida; o homem com o qual vivo é a pessoa mais importante para mim. Não existe a menor possibilidade de um relacionamento entre nós. Eu e Renato somos muito felizes!

- Diana, o amor diante da pobreza torna-se um sentimento relativo, quase ilusório, tão frágil como uma taça de cristal. Sei, pelas circunstâncias em que a conheci, que sua vida financeira não é das mais confortáveis. Casando-se comigo, você terá absolutamente tudo o que sonhar! E quando se der conta, já nem se lembrará da existência desse tal Renato. Você é uma mulher especial, nasceu para brilhar! É extremamente injusto, revoltante mesmo, que termine seus dias atrás de um balcão de perfumaria.

- Basta! Preciso ir embora!

- Permita que pelo menos eu volte a vê-la!

Ela nada respondeu. Levantou-se e seguiu aflita, rumo a sua casa. Celso tentou contê-la, consertando, adornando mais as palavras, mas não teve êxito. Ela não aceitou sequer que a levasse até às proximidades do apartamento.

Ao chegar, Renato logo percebeu seu semblante alterado e questionou-a sobre o motivo deste. Ela tentou tranquilizá-lo com palavras forçosamente doces. Abraçou-o e beijou-o desesperadamente, numa tentativa vã de esquecer o encontro com Celso. Não podia permitir que a vida difícil que viviam ameaçasse a relação.

O fato é que Renato já se via obrigado a vender o apartamento e adquirir um mais simples, pois não mais conseguia pagar o preço do conforto. E assim o fez. Alguns dias depois, estavam se mudando para outro bem mais modesto, no bairro Ipiranga, apesar de todo o desgosto, de toda a resistência, de tantos adiamentos.

Celso continuou importunando Diana com incalculáveis ofertas de maravilhas! Àquela altura, ela já sabia de toda a sua vida, do berço de ouro sobre o qual nascera, das passagens pelos melhores colégios, dos cursos de Administração e Economia em Harvard, das empresas deixadas pelos pais falecidos as quais gerenciava e de sua paixão pelo tênis (parecia jogar tênis durante as vinte e quatro horas do dia, pois seu paradeiro era sempre a quadra). Pois bem, servindo-se do alto poder aquisitivo, charme e galanteio, ia seduzindo a bela mulher, envolvendo-a num mundo de ilusões e artificialidades. Diana sentia uma certa atração por Celso, mas tinha plena consciência de seu verdadeiro amor. Sim, Renato era insubstituível em sua vida; quanto a isto, não havia dúvidas.

Ele, Renato, começou a perceber alterações no comportamento da amada. Estava sempre distraída, perdida no infinito; às vezes nem conversavam. Outras, trocavam monossílabos.

Diana estava indecisa. Amava o artista, mas por outro lado, reconhecia que já o havia prejudicado demais, gostaria de deixá-lo livre para sua arte. A bem da verdade, se Celso não houvesse aparecido, jamais pensaria daquela forma. Ele, aos poucos, sorrateiramente, ia conquistando espaços nos propósitos mais ocultos da mulher: já lhe agitava as emoções, abalava-lhe as dúvidas e a fazia convicta quanto à autenticidade dos seus sentimentos. A situação estava incontrolável!

Numa das oportunidades em que se encontraram, o esportivo empresário, entre as repetitivas declarações apaixonadas, roubou-lhe um breve e terno beijo nos lábios, no momento em que ela sentiu um intenso foco de luz agredir-lhe a visão. Desviou-se, repreendendo-o:

- Não deveria!

- Desculpe-me, não pude resistir.

- Acho que é prudente não nos encontrarmos mais. Não conseguiria viver sem Renato, apesar de já ter tentado considerar essa hipótese. É o homem que amo de fato. Quanto a você, encontrará outra que esteja à sua altura.

- Mas quero você!

- Não vou lhe negar que de uma certa forma, você conseguiu me envolver. E bonito, gentil, afetuoso e rico; tem de sobra o que é necessário para conquistar uma mulher. Mas não protelaremos mais essa situação. Não é justo para nenhum de nós.

- Você vai me deixar louco! Como quer que eu me afaste, se acaba de me encher de esperanças?

- Estaria certo se não existisse Renato em minha vida...

- Se é isso o que realmente deseja, não insistirei mais, tentarei esquecê-la. E já não dá sequer para imaginá-la como outro homem. Não, eu não mereço sofrer assim...

Creio que Diana tenha se surpreendido com a relativa facilidade da desistência de Celso. Bem intimamente, ela queria mesmo era manter, cultivar o desejo do rapaz, quando se declarou envolvida por ele. É que a mulher, por mais que não aceitasse, carregava consigo algumas mazelas de caráter, como aliás as carregamos todos nós. E a vaidade, como todas as outras ditas... mazelas de caráter, ou como diriam os religiosos: pecados capitais, leva as pessoas a tomarem atitudes tão estapafúrdias, que nem elas próprias são capazes de assimilar, impedidas pelos conceitos de moral cravados em suas mentes desde a infância. Preferem, à custa de um aniquilamento de consciência, atribuir a estas atitudes proporções bem menos relevantes. Preferem cegar-se...

Passaram-se alguns dias. Renato, de uma hora para outra, tornou-se uma pessoa tensa, deprimida, agressiva, intensificando ainda mais a crise do casal. Ele evitava a presença da companheira, mal se tocavam, tampouco se falavam. Ela tentava acalmá-lo, fazendo declarações amorosas e otimistas, mas nada conseguia. Quanto às relações sexuais, limitavam-se à satisfação de um apelo físico, sem emoção, sem a agradável pesquisa anatômica dos que fazem sexo com o sentimento; poderia se dizer que eram feitas com a crueza instintiva dos bichos, não fosse a assustadora carga de angústia revelada através dos olhos e movimentos rudes do artista. Desgaste!

Em meio a tal circunstância incômoda, Celso voltou a procurá-la. Diana não sabia o que fazer. Temia sua própria apreensão. E quando a noite chegou:

- E então, Diana, vamos conversar um pouco?

- Eu já disse tudo o que tinha para dizer.

- Não sou digno nem mesmo de sua amizade?

- Sabe que não se trata disso.

E acabou aceitando, por mais uma vez, o convite do pretendente.

Alguns minutos depois, já estavam no tal bar do alto da Afonso Pena. Ela a exprimir seu desespero pelas atitudes estranhas de Renato e ele a escutá-la pacientemente:

- Não tenho a menor ideia do que acontece. O fato é que ele age como se fosse outra pessoa!

- Não se desespere. Talvez seja uma breve fase que passará logo.

Ao pronunciar estas últimas palavras, Celso aproximou-se e beijou-lhe a face. Diana cerrou os olhos por alguns segundos, acolhendo mansamente a demonstração de afeto. Quando voltou a abri-los, dirigiu o olhar para a entrada do scotch bar e então, sentiu o mundo desmoronar sobre sua cabeça! Avistou Renato, que os observava com feições claras de profunda indignação! Respiração difícil, olhos arregalados, desequilíbrio total! Ela levantou-se arrebatadamente e foi ao seu encontro.

Ele retirou-se, correndo e chorando como um menino! As lágrimas também brotavam fartas dos olhos de Diana, que por sua vez achava-se em estado absoluto de desespero!

Renato foi irredutível, recusando-se terminantemente a ouvir as explicações da mulher, que por inúmeras vezes o procurou. Por fim, ela desistiu, irritando-se e revoltando-se contra a intransigência do ex-companheiro. Afinal, que amor era aquele, que se fechava em seu mundo machista, permitindo que o orgulho e a desconfiança o devastassem com tamanha abjeção! Ele, por tal atitude, só demonstrou a fragilidade de seu sentimento. Diana concluiu que a mudança de comportamento por ele apresentada originara-se da dúvida, do medo de traição que lhe surgira. E se repudiou ao admitir que por tanto tempo vivera, de forma passiva e conivente, ao lado de um homem tão fraco. Chegou a pensar que talvez ele até mesmo a teria usado para livrar-se do primo, que o incomodava com a presença entediante. Mas não, ela não podia esquivar-se de sua incontestável parcela de culpa. De sua omissão, de seu silêncio, de suas dúvidas, de sua vaidade. É mais confortável condenar, responsabilizar exclusivamente o outro pelos próprios sofrimentos, pois é áspero concluir que somos as vítimas de nós mesmos. Aceitar-se como vilão não é para qualquer um...

Pois bem, entre lamentos e justificativas, ela se arrastava pelos dias, sofrendo pela perda do seu amor. Havia retornado para a pensão onde morava quando do início do magnífico relacionamento amoroso. Só não entendia como os acontecimentos chegaram àqueles extremos, a ponto de ser seguida e molestada do modo que fora. Teria involuntariamente despertado a insegurança do seu homem? Bem sabia que sim; mas preferia, pelos motivos já mencionados, manter-se numa falsa dúvida...

Em meio a tais conflitos, Celso a pressionava de todas as formas possíveis para que aceitasse ficar com ele. Chegou ao zênite, com uma proposta de casamento. Diana tentou resistir ao máximo que pôde, pois sabia ser improvável desprender-se dos sentimentos que a uniam a Renato, mas envolvida pela excessiva atenção, pelo carinho que acariciava quão veludo o seu ego, pela sensualidade, beleza e sobretudo – isto, por mais que estimule prováveis julgamentos hostis, deve ser revelado - pelo poder aquisitivo do jovem empresário, aceitou.

Casaram-se um mês depois, perante a lei dos homens, regados a uma discreta, porém inesquecível festa.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 03/10/2010
Código do texto: T2535124
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.