CAP. 13 - 25 DE AGOSTO – 9.55h DA MANHÃ

(Continuação de A CAÇADA)

Ao colocar o bule com café no centro da mesa dona Sebastiana comentou que Pirão não saiu de cima do tapete.

Apesar de chamado não mudou sequer de posição. Olhos fixos na porta da cozinha, deitado com a cabeça levantada e os braços esticados para frente, patas juntas, orelhas levantadas, olhos semi cerrados em posição de ataque. Não movia um músculo. Parecia a estátua de Anúbis.

- acho que ele está pressentindo alguma coisa...

- que nada dona Sebastiana, esse bicho é muito preguiçoso. Só isso.

No meio do café Letícia apareceu carregando um dos gêmeos.

- dê cá ele pra eu carregar e venha tomar seu café minha filha.

Letícia entregou Boris à dona Sebastiana.

Quando saiu do braço da mãe, o menino chorou desesperadamente. Debateu-se até que a mãe o pegou outra vez.

- Não sei o que está havendo com esse menino. Desde a madrugada que não me larga.

- Eu o ouvi chorar durante a noite. Não seria dor de barriga?

- Acho que não. Pensei que fosse fome, mas não quis comer. Está sonolento, mas nem dorme nem me deixa dormir.

- Bernardo ainda está dormindo?

- Sim. Acordou todo sujo. Eu limpei, dei de mamar e ele voltou a dormir. Somente Boris é que está assim.

- Quando eu for levar o leite na Cooperativa, vamos levar-lo ao posto.

- Acho que não precisa Batista. Ele está bem.

- Eu acho melhor levar antes que ele adoeça de vez.

Celeste chegou com Almerinda no braço.

Quando viu o pai, a menina lourinha e de olhos azuis, abriu um sorriso largo, desdentado, baboso...

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Na cidade, como de costume a vida começava aos poucos e as portas iam se abrindo na medida em que o dia avançava.

Seu Zé Maria colocou o manequim envolvido com a casimira listrada para o lado de fora da alfaiataria, num local onde o sol não queimasse o tecido.

Tinha que cuidar das encomendas. Quase todos os tecidos trazidos do Recife já haviam se transformado em roupas.

O relógio da parede em forma de 8, com o pêndulo prateado amanheceu batendo fraquinho. Seu Zé Maria deu corda.

Afinal era aquele relógio quem marcava as horas naquele recanto do mundo onde a vida escorria tranquila, onde os acontecimentos, como o dia, saiam da sombra e se morriam lentamente com a sombra da noite.

Tota Medrado estava na cadeira de balanço lendo o jornal de ontem.

Tia Maria apareceu escovando o cabelo e disse;

- Eu não estou me sentindo bem...

- Que é que você tem?

- Sei lá. É um aperto no coração. Um pressentimento como se alguma coisa ruim estivesse para acontecer.

- Aproveite quando Batista vier trazer o leite e vá com ele passar o dia no sítio. Com a quantidade de coisa que tem lá para se ver e dar palpite, com certeza você vai esquecer esse pressentimento.

Enquanto falavam Batista chegou trazendo a cunhada e o sobrinho para irem ao posto.

- Não precisa médico não minha filha. Isso é prisão de ventre. Com essa novidade desses médicos de que criança que mama não precisa beber água, os bichinhos ficam com o coco muito seco e duro. Vou dar um chá de capim santo, se ele não melhorar, a gente dá uma lavagem.

- Tai o teu pressentimento. É merda muita. (risos)

- Nada disso seu Tota Medrado. Eu estou agoniada.

- Com o que tia? (perguntou Letícia)

- Não sei não minha filha. É uma aflição, um sufocamento...

- Pois Boris está assim também. Desde a madrugada que ele está acordado. Eu e ele. Eu vi o sol nascer.

- Maria vai passar o dia com vocês no sítio. Lá com a quantidade de coisas que tem para ela dar palpite, esse mal estar vai passar em dois tempos. À noite eu vou jantar com vocês e trago ela de volta.

- Eu só vou entregar o leite na Cooperativa e volto logo. A senhora tem certeza tia de que Boris não precisa ir para o posto?

- Pode ser que eu esteja muito enganada, mas já vi isso acontecer muitas vezes. Essa criança está enturida. Vamos dar logo um chazinho de ameixa a ele.

Bem mais tarde quando Batista voltou a água de ameixa já tinha feito o serviço, mas não era só isso.

Boris estava realmente inquieto.

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A polícia alagoana registrou que o assassinato de Matias na calçada da concessionária, se deu às 9h55 do dia 25 de agosto.

O som do tiro que o desconhecido deu no meio da testa de Matias, chamou a atenção de todos na Rua do Comércio em Arapiraca, assim como o ronco do motor possante da caminhonete novinha em folha arrancando em alta velocidade.

Todos acorreram para ver o estrago.

Quem seria aquele homem, quais as razões pelas quais havia cometido o crime?

Essas perguntas perpassaram nos rostos atônitos dos funcionários da concessionária onde Matias era tão bem quisto.

A assistência foi chamada, mas para eles nada havia para ser feito, só para o pessoal do IML.

Nesse mesmo instante, muito longe dali.

Pirão levantou e andou em direção à porta da cozinha, abanando o rabo, como sempre fazia quando Matias chegava com o vasilhame de leite. Olhou para o lado de fora e voltou cabisbaixo para o tapete onde deitou enrodilhado...

Boris estava sendo ninado na cadeira de balanço. Sentou no colo da mãe, sorriu e deu os braços como se alguém estivesse falando com ele. Depois escondeu o rosto no braço da mãe e adormeceu...

Bernardo, que estava sendo vestido por dona Sebastiana, deu os braços e sorriu como sempre fazia quando Batista falava com ele...

A tia Maria sentiu frio como se estivesse abraçada por uma nuvem e mostrou a Celeste, os braços arrepiados...

Almerinda que também estava sendo ninada levantou a cabeça e jogou um beijo baboso, como sempre fazia ao se despedir de alguém...

Na alfaiataria um vento forte derrubou o manequim no meio da calçada, a tesoura caiu da mão de seu Zé Maria e o relógio parou marcando nove horas e cinqüenta e cinco minutos