CAP. 10 - SEGREDO REVELADO

(Continuação de COTIDIANO)

Quando Tota Medrado chegou ao sítio naquela manhã de muito sol, Batista, Celeste, Matias e dona Sebastiana já haviam acabado de comer embora permanecessem sentados à mesa. Ao ouvir as palmas, Pirão levantou-se do tapete sob a cadeira de balanço e foi fazer festa ao recém chegado. Depois que dona Sebastiana assumira a cozinha da casa, seis meses antes do casamento de Batista e Celeste, Pirão e Matias tinham ganhado vida nova, Matias cresceu, engordou e ressaltou ainda mais a beleza do adolescente feliz. Pirão ganhou novo alento, pois os carinhos da falecida foram substituídos pelos de dona Sebastiana e passou a se alimentar melhor, engordou, estava com o pelo luzidio e voltou a brincar de correr atrás de bezerros e das galinhas do terreiro.

- Dá licença! Disse Tota Medrado tirando o chapéu na soleira da porta da sala de jantar. Os três levantarem-se para cumprimentar o tio querido.

- Bênção tio, disseram os três em coro.

- Vou passar um café novo pro senhor seu Tota.

- Carece não, dona Sebastiana. Eu quero é um copo bem grande de água do pote.

- Mas pelo menos um pedaço de bolo barra branca ou de doce de laranja o senhor vai comer.

- Se o doce for cristalizado, eu prefiro. O bolo só presta com queijo.

- Tem queijo curado que eu fiz pro senhor e que Matias ia levar hoje quando fosse para a escola. Parece que foi feito para se comer com o barra branca. (dizendo isso, Celeste dirigiu-se ao guarda comida)

- Não precisa minha filha, eu como o doce de dona Sebastiana com dois copos d’água. E por falar em escola é por isso mesmo que estou aqui.

Ao ouvir isso, ressabiado pelo ocorrido, Matias foi-se esgueirando para a varanda.

- Venha cá seu moço. Quero ter dois dedos de prosa com você.

- Eu tenho que passar mais capim pros bois, volto já.

- Os bois podem esperar. O que eu tenho a dizer não vai levar mais que dois minutinhos.

- Que foi que houve Tio? (Perguntou Batista encarando o irmão).

- Eu vim saber de uma história que Marcolino me contou ainda pouco sobre o namoro, se é que se pode chamar isso de namoro, de Matias mais Letícia. (e encarando o sobrinho perguntou de chofre) é verdade Matias que você ofendeu Letícia, sem ela querer, por cima das bancas do matadouro velho?

- Sei dessa história não, tio!

- Você não sabe o quê? Seu cabra! Eu lhe quebro de pau (disse Batista entre os dentes).

- É mentira de Marcolino, eu nem vi Letícia ontem de noite. Fui direto para a escola e quando sai já tarde, peguei a bicicleta e vim para casa. Não foi Celeste?

- O que eu sei é que você chegou mais cedo que o normal e que foi se deitar sem comer, sem nada.

- É que o bichinho chegou tão cansadinho que foi logo se deitar, não foi meu filho?

Com a entrada de dona Sebastiana na conversa, como sua testemunha de boa conduta, Matias se posicionou atrás daquela mulher simples, mas de coração enorme que distribuía amor materno com todos ao alcance de sua vista. Cuidava com desvelo dos irmãos Batista e Matias, de Celeste a quem também adotou como filha, fazendo o papel que dona Assunção sempre se negara a desempenhar e ainda se dispunha a auxiliar as famílias dos moradores, tinha sempre guloseimas de açúcar para as crianças e não se esquecia de Pirão nem de Cidinha, a gatinha vira-lata achada na porta da igreja no dia da padroeira do Brasil. (daí o nome)

- Marcolino me disse que você não pisou na escola, que ficou sentado no encosto do banco da praça, com os pés no assento e que quando Letícia apareceu vocês foram para os lados do matadouro velho e que ele foi atrás ficar de butuca. Disse também que quando chegaram lá, ficaram num agarrado de tirar fogo até que você descabaçou a menina mesmo com ela gritando que não queria e lhe pedindo chorando que você não desgraçasse a vida dela e que depois, ela foi para casa chorando com sangue escorrendo pelas pernas.

- Eu vou tirar essa história a limpo agora mesmo. Disse Batista apagando o cigarro no cinzeiro de porcelana, presente de comadre Liu, a mulher mais velha que se tem notícia num giro de muitas léguas e cuja idade serviu de comparação para o caderno de anotações das medidas dos fregueses do alfaiate. (*)

- Eu vou com você Batista, isso não é coisa para ser resolvida só por homem. Vocês são muito esquentados. E antes de tomarmos qualquer atitude, vamos ouvir a história contada por Letícia.

- Eu garanto que meu menino não fez nada de mal... Mas se aconteceu foi porque os dois quiseram.

- Dona Sebastiana não venha botar panos quentes nas safadezas de Matias. Ele está desse jeito porque a senhora acoberta tudo o que ele faz.

- Coitadinho o bichinho não tem nem pai nem mãe que olhe por ele.

- E por isso ele pode fazer tudo o que der na telha, dona Sebastiana? Matias já é um homem feito. Tem que responder pelo que faz.

- Mas ele é tão novinho ainda...

- Fique cuidando dos animais que eu vou com o tio saber dessa história. Não arrede o pé de casa até eu voltar.

O carro vermelho metálico de Tota Medrado foi à frente da caminhonete de Celeste para não se encher de poeira. Seu Zé Maria estava abrindo a alfaiataria quando Celeste entrou perguntando por Letícia. Antes de saírem do sítio, haviam combinado que primeiro Celeste iria colocar essa história a limpo. Caso se confirmasse, Batista então entraria na conversa para resolver o problema. Havia a dúvida. Marcolino era cabra mentiroso que gostava de ver o mundo pegar fogo por causa de uma fofoca bem feita.

- Entre Celeste, vai acordar aquela preguiçosa. Você sabe onde é o quarto dela. Minha filha ainda não morreu de preguiça porque deus é grande.

Nem foi preciso perguntar nada. Os olhos vermelhos e o rosto inchado pela noite toda chorando eram as provas de que pelo menos daquela vez, Marcolino falara a verdade.

- Quer me contar como foi que aconteceu?

Letícia voltou a chorar escondendo o rosto no travesseiro. Celeste sentou na cama e abraçou a amiga encolhida na posição fetal. Sentindo-se protegida pelos afagos, o choro diminuiu e Celeste ouviu com todos os detalhes a confirmação do segredo revelado por Marcolino.

(*)- para saber os detalhes, leia A ROUPA DA FESTA.

CONTINUA EM A FUGA.