CAP. 9 - COTIDIANO

(Continuação de Lua de Mel)

Quase um ano já havia passado desde o casamento. A felicidade do casal era visível em tudo. Celeste avisou ao marido que na próxima semana iria à Garanhuns fazer o curso de queijaria, enquanto examinavam a construção da pequena agro-indústria. O caminhão da Celpe estava terminando de plantar os últimos postes que iriam trazer a energia elétrica para o sítio, agora também dedicado ao confinamento de gado de corte. Com a onipresença de seu Deodato e da tia Maria, Celeste havia comprado todo o maquinário em Caruaru, utilizando o dinheiro presente de casamento dado por Matias. Celeste era econômica e sabia manejar o dinheiro para conseguir o que queria. Aquela moça tímida de pouca ação havia ficado no passado sob o domínio de dona Assunção. Agora era ela quem dizia o que podia e o que não podia ser feito. Contratou empregada para auxiliar nos trabalhos da casa e lavar a roupa que dona Sebastiana não estava dando conta...

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O cego Bartolomeu fez um escândalo tão grande que parecia que o mundo vinha abaixo naquele momento. Alguém tinha roubado o pedaço de charque assada na brasa que ele tinha trazido para comer com farinha na hora do almoço ou quando estivesse com fome. O safado que fez uma desgraça dessas, aproveitou-se da hora que o cego foi mijar por trás do bilhar de Tota Medrado. Era muita sacanagem. O cabra vidente, se aproveitar da cegueira alheia para roubar. Dinheiro, não tinham levado porque o cego tinha botado tudo no bolso grande do lado de dentro do paletó.

- Acho que comeram minha farinha também, soldado.

- E o que mais seu Bartolomeu?

- E não sei não senhor!

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O namoro de Matias e Letícia, apesar de muito vigiado por seu Zé Maria, estava caindo na boca do povo. Vez por outra se ouvia – qualquer dia aparece o bucho dessa aí. E foi Marcolino (aquele que botou o Judas na porta do juiz) empregado do bilhar que um dia comentou:

- Mas seu Tota não é que Matias descabaçou Letícia de seu Zé Maria.

- Que conversa é essa Marcolino?

- Foi sim. Eu vi, não foi ninguém que me contou não. Eu vi.

- Como é que foi isso, homem?

- Foi ontem, Matias não foi para a escola. Encontrou com ela na praça da igreja e foram pros lados do matadouro. Eu fui atrás e vi ele comendo ela. Ela dizendo que não e ele em cima até que conseguiu. Ela voltou chorando pra casa, escorrendo sangue pelas pernas..

- Fique aqui que eu vou no sítio agora mesmo. O que é que esse menino está pensando da vida? Ele vai ter que casar...

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- Mas comadre, não é de ver que dona Assunção botou luto pelo casamento da filha e nunca mais saiu de casa.

- É menina, aquilo é um encosto.

- Coitado de seu Louro. Nequinho o menino dele disse que qualquer dia desses vai embora para Portugal. O primo dele que estava prometido casar com Celeste, casou com uma ricaça que planta uva e ele vai trabalhar com ela.

- Sabe comadre, eu tenho vontade de tomar seu Louro daquela jararaca.

- E ele te quer mulher?

- E você nunca viu como ele me olha não?

- E o que é que você está esperando criatura. Livra logo essa tua macaca de levar tanto tiro. (risos)...

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- Quanto é que está a arrouba do boi gordo hoje, seu Rufino?

- Não to comprando nem vendendo nada. O mercado está parado. Dizem que é por causa dos Estados Unidos. Tem uma tal de bolsa por lá que se rasgou ou quebrou, não sei bem, mas danou-se tudo...

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- Ano passado até que choveu direitinho, mas esse ano... sei não.

- Eu ouvi o acauã cantando. Isso é sinal de seca braba.

- Que nada homem, tem um bocado de ninho de asa branca naquele capão de mato por trás da vacaria de Batista.

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- Padre Borba vai para Roma no mês que vem. Dizem que ele vai ganhar o título de Monsenhor

- Olhe menina, qualquer dia desses, ele vira é Bispo.

- Agora é que aquele purgante daquele Pe. Onofre vai tomar conta de tudo...

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- Tai um negócio que eu não sabia que enxundia de galinha é bom pra matar tersol.

- Eu sei que enxundia é bom para amansar couro duro de alpercata... (risos)

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- Menino, disseram que capotou um caminhão de feirantes na serra do Mimoso, parece que morreram seis.

- Vixe!

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- Ta aqui meu compadre Zé Maria. Quero ver agora o senhor dizer que esse pano não é casimira da boa.

- Seu Deodato, o senhor vai começar tudo de novo é?

(Continua em SEGREDO REVELADO)

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Este texto foi produzido em linguagem coloquial, sem o cuidado com a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir da forma mais fiel possível a maneira de falar do povo pernambucano, nem sempre erudita, mas sem duvida, melodiosa.