CAP. 5 - PREPARATIVOS 1

(continuação de O Pedido)

No dia do noivado de Batista, quando veio pra a cidade, Matias falou com o tio Tota Medrado sobre o presente dos quinze bois que ele queria dar a Celeste e que precisava que o tio fosse o intermediário na venda. Que só ele falasse, porque seu Rufino era muito vivo. Tinha olho viciado para avaliar gado. Se pra comprar o boi estava sempre magro, se pra vender o boi era gordo e mais pesado que elefante.

- Sei não tio, mas acho que os animais já estão com vinte arroubas. O senhor sabe o preço que deu na semana passada?

- Foi de R$ 80,00 a arrouba colocado na porta do frigorífico. Mas eu acho que em Caruaru a gente pega preço melhor. Eles estão vacinados?

- Tão sim senhor, tem dez deles com o brinco do Sisbov.

- Amanhã eu vejo com Rufino. Ele chega sempre na véspera da feira e sabendo de um lote bom assim, arranja comprador fácil, fácil.

No dia seguinte, antes de ir para a escola, Matias passou na casa de Celeste e bateu palmas. Dona Assunção olhou da janela e gritou para dentro.

- Celeste, o tísico do teu cunhado está a te chamar. Não me o deixes entrar, atende-o lá fora mesmo.

- Entra Matias.

- Não Celeste. Sua mãe não quer. Eu quero dois dedos de prosa com você.

- Desculpe por minha mãe. Você sabe como ela é...

- Eu separei um gadinho para dar de presente a você e falei com tio Tota. Ele vai vender e entregar o dinheiro. É para ajudar no seu enxoval.

- Ora Matias, não precisava você se preocupar.

- Não, eu faço questão. Se o negócio com seu Rufino for fechado amanhã, ele vem te entregar o dinheiro. É o dinheiro de quinze cabeças. Depois eu dou mais...

Celeste abraçou o cunhado e beijou-lhe a face vermelha de vergonha em sinal de agradecimento. Com a face em fogo, Matias correu para a escola.

Depois de entregar o leite na cooperativa, Batista foi falar com o presidente. Precisava de adiantamento. Iria para Caruaru fazer as compras dos preparativos do casamento.

- Quer que eu vá com você? Pra gente escolher as coisas?

- Eu tava pensando em levar Celeste e tia Maria. É coisa pra casa. Mulher entende mais disso.

- Mas eu sou melhor pra negociar preço. Você vai pagar tudo à vista. Eles vão tê que dá um descontão.

Combinaram sair logo cedo no dia seguinte. Iriam no carro da cooperativa onde seu Deodato (o mesmo do terno de casimira) era o presidente. Batista só precisava abastecer. A tia Maria fez uma lista de compras bem grande. Geladeira (a gás porque no sítio ainda não tinha energia elétrica), fogão de seis bocas com todos os apetrechos de cozinha, quarto de casal, sala de jantar e de visitas, material de construção para fazer uma suíte para o casal...

- Batista meu filho, você vai mandar ajeitar aquele telhado e pintar a casa por dentro e por fora.

- E precisa tia?

- Precisa sim. Aquelas telhas estão fora de lugar e é bem capaz de ter pau podre lá por cima. Tem aquele bando de homem desocupado no bilhar de Tota, o dia todo sem fazer nada. Contrata eles por um cole de cana. Não vai faltar mão de obra. Sebastiana cozinha qualquer coisa e você compra uma ancoreta de aguardente com Nezinho do mel. Num instante termina.

Durante toda viagem até Caruaru, tia Maria falou só. Seu Deodato dirigindo, Batista junto dele e no banco de trás Celeste calada e a tia falando pelos cotovelos. Quando desceram no comércio, a tia segurou na mão de Celeste e...

- Vamos entrar nessa loja de tinta... e nessa loja de móveis... e nessa loja de construção... e nessa loja de tecido.

A tia comprava, seu Deodato negociava. Celeste e Batista, calados, mal balançavam a cabeça concordando com tudo.

- Vamos almoçar que saco vazio não se põe em pé...

O carro já não cabia mais nada de tanto que já haviam comprado. Os lojistas se comprometeram a entregar as peças grandes. Na loja de material de decoração, tia Maria conseguiu convencer o lojista a doar o buquê da noiva no dia do casamento. O motoboy da porta já ficou com o endereço para fazer a entrega. De cada loja que saíam depois de feitas as compras, seu Deodato se vangloriava...

– Economizamos tanto... se vocês tivessem vindo sem mim, teriam que pagar o preço inteiro, mas eu sei negociar, esses cabras não me botam pra trás não eu que passo a perna neles...

Findo o dia voltaram para casa, cansados, mas felizes.

Esses preparativos duraram mais de mês. A casa ficou como a tia queria. Mais de uma vez mandou refazer o que ela considerava mal feito.

- Batista meu filho, você já deu entrada nos papeis para o casamento?

- Ainda não senhora.

- Pois cuide. Essas coisas demoram muito. Cadê seu batistério? E o de Celeste?

Descobriram que Celeste havia sido batizada no convento da Beira em Portugal. Teriam que pedir ou pelo correio ou pela igreja. Tota Medrado disse.

- Essas coisas é bom o cabra ir pessoalmente, por carta leva uma eternidade, pela igreja “morre o burro e quem o tange” e esse papel não chega nunca.

A única pessoa habilitada para tal era seu Louro que conhecia o caminho. Dona Assunção jamais se prestaria a um serviço desses. Celeste e os outros seriam como cegos em tiroteio. E haja dinheiro para comprar as passagens, e com os gastos com a casa, e com a compra dos móveis. Tudo que Batista tinha para receber da cooperativa já havia sido gasto. O jeito era vender o gado e os grãos do paiol e foi o que ele decidiu fazer junto com o irmão. Venderam duzentos bois prontos e mais ¾ do paiol de milho, feijão e arroz. Para fazerem dinheiro mais rápido, compraram a seu Rufino uma boiada magra.

- Estou lhe vendendo pelo preço que comprei. Não tirei um centavo. É o meu presente de casamento. Vou ver mais boi magro pelas feiras da redondeza e vou trazer pra vocês.

Batista modificou o cercado para confinar e fazer a terminação da boiada magra. Espalhou cochos feitos com pneus velhos para os animais terem fartura de alimento e comprou uma pedra de sal mineral bem grande e uréia para melhorar a produtividade da silagem fornecida e colocou várias bombonas com água para os bichos. Em quatro semanas, a boiada estava pronta para o abate. Com o dinheiro pagou parte das dívidas e comprou novo lote de gado magro. Gostou de fazer confinamento, o ganho era melhor que com o gado a pasto. Com a terceira venda Batista já estava novamente capitalizado. O milho o feijão e o arroz já haviam sido colhidos e os silos estavam cheios. Com as refeições regularizadas desde que dona Sebastiana fora morar no sítio, Matias tinha engordado bastante, parecia até que tinha crescido. Ficou vistoso, de chamar a atenção das mocinhas da escola, entre elas Letícia, filha de seu Zé Maria, o alfaiate.

(Continua em Preparativos 2)

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Este texto foi produzido em linguagem coloquial, sem o cuidado com a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir da forma mais fiel possível a maneira de falar do povo pernambucano, nem sempre erudita, mas sem duvida, melodiosa.