CAP. 4 - O PEDIDO

(Continuação de A DECISÃO)

- Pois eu fico muito satisfeito que você tenha decidido assim. Vou mandar avisar a Batista para ele vir fazer o pedido oficial a seu pai e lhe entregar a aliança de noivado.

Era manhã ainda cedo. Celeste não conseguira pregar os olhos. Durante a noite toda, às vezes deitada, às vezes em pé diante do espelho, construiu mentalmente, ora com resmungos, ora em silêncio total, como seria sua vida a partir do casamento. Como seria viver com aquele quase desconhecido, como seria o relacionamento deles na cama. Por vezes chorou silenciosamente, por vezes esboçou um sorriso sereno de felicidade. Seria uma vida nova, completamente nova, diferente em tudo da que até então havia vivido. Bem antes do sol, levantou-se de vez e foi para a cozinha preparar o café da manhã. Quando seu Louro levantou para ir abrir a padaria, já tinha cuscuz, macaxeira, lingüiça frita e café prontos.

- O que mais me dói é que vou perder-te filha. Em tua vida nova não vai haver lugar para este burro velho, tu vais esquecer teu pai.

- Nunca diga isso meu pai. Eu nunca vou esquecer do senhor. Do quanto o senhor é bom. Do quanto o senhor é meu amigo. Toda semana estarei aqui para almoçar com o senhor, pelo menos uma vez.

- Não cozinhaste batatas menina? Tu não sabes que eu gosto de comê-las no pequeno almoço? Tu és inútil mesmo. Depois deste teu malfadado casamento, morrerás de fome junto com aquele caipira e o irmão tísico dele. (vociferou dona Assunção)

- Coma bolachas minha mãe.

- Bolachas é o que devia dar-te na cara, sua respondona mal educada.

- Disseste-o bem Assunção. Tu és uma incapaz. Não soubeste nem educar a nossa filha.

- Cala-te que não estou a falar contigo.

E os dois iniciaram mais um embate no dialeto açoriano. Em dado momento, Celeste bateu com as duas mãos na mesa.

- Chega mamãe! Pelo amor de Deus, parem com isso! Eu não agüento mais.

E saiu da mesa chorando. Foi trancar-se no quarto.

- Estás satisfeita, mulher do cão?

- Raios que te partam infeliz.

Bem distante dali, depois da lida com os animais, quando o sol já ia bem alto...

- Vocês dois não vão ter que ir para a casa de seu Tota Medrado? Vão embora se lavar. O almoço já está até frio de tanto tempo que faz que eu botei na mesa.

Sobre a mesa para o almoço tinha capão torrado, feijão, arroz de leite, jerimum caboclo e refresco de pitanga.

- Dona Sebastiana eu preferia arroz vermelho.

- Hoje você come desse. Amanhã eu preparo do outro. Coma jerimum meu filho. Bote um pedaço maior. Sua tia recomendou que você tem que comer mais. Olhe aí o pescoço que você gosta, e a moela, e o sobre cu.

- Ta bom dona Sebastiana, a senhora bota muita comida eu chega fico arfando. Batista eu vou separar um gado para dar de presente a minha cunhada. Já tem um bocado pronto.

- Ta certo.

- É pra ela vender, prá ajudar no enxoval.

- É bom falar com tio Tota. Ele tem amizade com seu Rufino. Seu Louro não sabe negociar com gado. Seu Rufino é capaz de comer ele na conversa.

Depois do almoço Matias separou quinze cabeças prontas para o abate. Estavam beirando vinte arroubas. Deixou os animais no cercado menor e foi tomar banho. Queria passar para falar com o tio e com a cunhada antes de ir para a escola. Batista vestiu o terno de linho que dona Sebastiana havia passado a ferro. Pegou no oratório as alianças que haviam pertencido aos seus pais e seguiu a cavalo junto com o irmão para a casa do tio Tota Medrado. A tia Maria estava eufórica, vestiu o vestido da festa, todo enfeitado de ponto rechilier e fez com que o marido colocasse a gravata listrada de amarelo e preto. Conforme o combinado chegaram na casa de seu Louro às sete da noite. Batista estava mais nervoso que uma franga de primeiro ovo. Celeste veio recebê-los no portão. Estava linda, toda de branco com o chale de renda renascença sobre os ombros. Dona Assunção foi a última a chegar na sala. Vestida totalmente de preto, com o chale de lã sobre a cabeça, como as matronas portuguesas eternamente de luto. Sua entrada causou um mal estar geral. Tal e qual ave agoureira empoleirou-se na cadeira de balanço, com o terço na mão, sem dar uma palavra como se estivesse presente a um velório. Nem cumprimentou as visitas.

- Seu Louro, em nome do meu sobrinho e afilhado pela graça de Deus, João Batista de Carvalho Neto eu tenho a honra de pedir em casamento a mão de sua filha Celeste.

- Eu te recebo em minha casa João Batista, como noivo de minha filha e te peço que a faças feliz.

- Cadê as alianças menino.

Batista tirou do bolso do paletó, a caixinha com as alianças de ouro dezoito quilates, grossas, pesadonas, abauladas e colocou a menor na mão direita de Celeste. Ela colocou a maior no dedo dele. A cerimônia de noivado estava concluída. Seu Louro abriu uma garrafa de vinho do Porto e serviu seus cálices. Entregou a dona Maria, a Tota Medrado, a Celeste, a Batista, pegou um para si e entregou outro a dona Assunção que se negou a receber com um resmungo.

- Não brindarei à infelicidade de minha filha e nem à sua escravidão.

(Continua em PREPARATIVOS 1)

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Este texto foi produzido em linguagem coloquial, sem o cuidado com a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir da forma mais fiel possível, a maneira de falar do povo pernambucano, nem sempre erudita, mas sem duvida, melodiosa.