CAP. 2 - PROPOSTA DE CASAMENTO
(continuação de Leite Derramado)
- Que foi que deu em vocês para estar por aqui uma hora dessas?
- Bença! Vim lhe pedir um favor tio.
- Deus te abençoe. Vamos primeiro entrar e comer. Maria, Batista mais Matias estão aqui.
- Bença tia!
- Deus te abençoe. Matias meu filho você está tão magrinho. Precisa comer mais. Vocês trabalham muito no sítio e você ainda estuda. Um menino da sua idade precisa ser mais bem cuidado.
- É tia, com a doença e morte de mãe, a casa ta lá entregue.
- Batista esqueceu até o açúcar. A gente teve que tomar café amargo hoje de manhã.
- Precisa arranjar alguém pra fazer o serviço pra vocês.
- Foi isso que eu vim falar com tio Tota. Eu to pensando em casar com Celeste, filha de seu Louro da padaria.
- É uma boa moça, mas será que ela aceita?
- Eu queria que o senhor falasse com o pai dela. Fizesse o pedido pra mim.
- E você gosta dela, menino?
- Gostar, gostar mesmo, ainda não, mas Celeste é vistosa.
- Ela já passou dos trinta, já tem ranço de vitalina.
- Eu sei como tirar ranço de solteirona, tia.
- Respeite sua tia, seu cabra.
- Deixa o menino Tota.
- Ela não é mais velha que você?
- Acho que uns três anos só. Não faz diferença não, tio.
- Bom, eu vou falar com seu Louro. Vamos ver o que ele acha disso.
- Vista pelo menos uma camisa passada, Tota.
Tio e sobrinho saíram pelo bilhar. Deixaram Matias tomando conta, era muito cedo para Marcolino já ter chegado. Apesar de ter só quinze anos Matias era responsável e muito trabalhador.
- Bom dia seu Louro. Eu vim mais meu sobrinho conversar um assunto sério com o senhor.
- Podes falar...
- Era melhor na sua casa.
- E é coisa séria assim?
- É.
- Nequinho fica aqui no balcão que eu vou dar um pulo na casa e volto já.
Pelo caminho Tota Medrado, muito polidamente foi tecendo os maiores elogios ao sobrinho que dois passos atrás estava com o coração aos pulos. Sentaram na varanda. Seu Louro gritou para dentro, pedindo a Celeste que trouxesse refresco. O dia já estava bem quente. Quando Celeste chegou, Tota Medrado pediu que ela sentasse com eles e começou a falar o real motivo da visita.
- Celeste minha filha, você sabe que Batista é um moço trabalhador, honesto e que agora ficou só para cuidar de tudo e acabar de criar o irmão. Também não sei se você sabe que ele arrasta uma asa pra sua banda. E por isso ele me pediu pra falar com seu pai pra ele consentir no casamento de vocês dois.
Se não estivesse sentada, Celeste teria caído com a surpresa.
- Você sabe como é. Casa com dois homens, sem uma mulher para botar ordem as coisas viram bagunça. O que é que o senhor acha seu Louro?
- Ora, eu não tenho nada para dizer agora, na surpresa do pedido. É um caso a se pensar. Por que minha filha?
- Porque é uma moça ajuizada, que sabe onde tem a venta e o melhor é solteira e desimpedida.
- Eu acho que ele está a procurar uma empregada de graça, uma escrava. (Dona Assunção falou da janela entreaberta)
- Não dona Assunção. Não nego que esse casamento é muito conveniente para meu sobrinho, mas ele gosta de sua filha. Sempre gostou, apenas faltava coragem para falar, tanto que precisou eu vim falar por ele.
Lourival e Assunção eram açorianos e discutiram por um bom tempo no dialeto que só eles entendiam. Ao fim da discussão, seu Louro perguntou.
- O que tu achas Celeste?
- Eu preciso de um tempo para pensar. Não se resolve a vida assim de uma hora para outra. Casar é um passo muito importante.
- Claro. Claro, você tem todo tempo que precisar. Vamos Batista, tenho que voltar para o bilhar. Seu Louro vem conosco?
- Sim. A padaria não funciona sem mim. Minha filha, na decisão que tomares teras todo meu apoio.
Na saída Batista só teve ânimo para dizer um - até logo - entre os dentes, quando já estavam no portão. Ao chegarem tia Maria avisou que tinha mandado recado para a sua lavadeira. Ela iria para o sítio para dar uma geral naquilo tudo. Cuidar da casa e cozinhar para os meninos.
- Então? Como foi? Celeste aceitou? Dona Assunção reclamou? (risos)
- Sim dona Assunção disse que Batista ta atrás de uma escrava e que vai fazer da filha dela empregada.
- Tua futura sogra não é fácil. Pra ela nada presta.
- Sim, mas como foi que ficou?
- Ficaram de dar a resposta depois.
Com a chegada de dona Sebastiana os irmãos voltaram para a lida no sítio.
(continua em A DECISÃO)
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Este texto foi produzido em linguagem coloquial, sem o cuidado com a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir da forma mais fiel possível a maneira de falar do povo pernambucano, nem sempre erudita, mas sem duvida, melodiosa.