CAP. 1 - LEITE DERRAMADO

Três e meia da madrugada. O frio era de quebrar os ossos. Mas compromisso é compromisso e tem que ser cumprido. Batista levantou-se, enrolou a rede, vestiu o macacão e calçou as botas brancas de borracha para ir tirar leite no curral. Acordou Matias e foi atiçar as brasas do fogão para esquentar o café que sobrou o jantar. Um gole de café quente para espantar o sono e acender o cigarro. Matias apareceu na cozinha enrolado no cobertor. Cara de sono. Sentou no banco.

- Vamos, tome um gole de café.

- Vixe! Ta sem açúcar.

- É. A rapadura acabou e eu não me lembrei de trazer da rua, depois que entreguei o leite na cooperativa, ontem.

- Mas é muito ruim.

- Vai cabra mole. Bebe logo isso.

- Se mãe estivesse aqui...

- Mas não está. Deixe-se de luxo. Quando a gente terminar come cuscuz com leite.

Foram para o curral. Matias ligou a forrageira. O motor custou a pegar, fumaça como diabos, catinga de óleo triste. Aos poucos os cestos com capim picados foram sendo distribuídos pelos cochos e as vacas amarradas e lavadas para a ordenha. Batista era bom retireiro, antes de clarear completamente, os quatro vasilhames já estavam cheios.

- Matias, bote a cangalha em Catita que eu vou trocar essas botas.

Com a ajuda do irmão, Batista colocou os vasilhames na cangalha e seguiu atrás da jumenta de passo miúdo, mas firme. Enquanto andava, Batista ia pensando na vida. Agora que a mãe morrera, tinha que arranjar logo uma mulher para casar. Alguém tinha que cuidar da casa. Matias era bonzinho, mas era homem também e pouco ou nada sabia fazer dentro de uma casa. Pensou em cada uma das conhecidas de perto e a escolha recaiu em Celeste. Estava decidido iria ainda hoje, na casa dela, propor casamento. Celeste já tinha passado dos trinta, era educada, moça donzela, sabia cozinhar e costurar. Iria ser de grande ajuda, mas o que é que ele tinha para oferecer? Tudo o que possuía, possuía pela metade, pois era tudo no nome dele e de Matias. O sítio, a casa da rua, as vacas de leite, o gado engordando para abate, a casa de farinha, os roçados, o paiol cheio até a tampa, mais de cem galinhas e Pirão, o cachorrão mestiço e preguiçoso. Ainda mais agora, sem a mãe, Pirão nem se mexia do lugar. Um carcará voou baixo cruzando a estrada, Catita murchou as orelhas. Batista gritou – burra! – instigando o animal a manter o passo. De repente no meio da estrada uma cascavel de bote armado acabou de assustar Catita que saiu em desabalado galope dando coices para todos os lados. Rapidamente afastou-se de Batista, ignorando os comandos de parar. Os movimentos bruscos de sobe e desce dos latões, partiu a corda fina que segurava o fundo da cangalha de madeira, derrubando os dois latões da direita, com o peso, a cangalha arriou para o lado esquerdo derrubando os outros dois latões e ficando enganchada entre as pernas de Catita. Cento e vinte litros de leite jogados fora. Batista ainda teve que correr muito atrás da jumenta assustada até fazê-la parar. Batista ajeitou a cangalha e voltou para casa. Botou o resto do leite para os porcos e disse ao irmão.

- Tome banho e vista uma roupa decente que nós vamos à casa de tio Tota. A gente come quando chegar lá.

(Continua em Proposta de Casamento)

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Este texto foi produzido em linguagem coloquial, sem o cuidado com a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir da forma mais fiel possível a maneira de falar do povo pernambucano, nem sempre erudita, mas sem duvida, melodiosa.