Natal: Tradição e Significado

Há por aí um ponto de vista que surge junto com a comemoração do Natal, a saber, aquele que afirma que este festejo perdeu o sentido. O espírito do Natal estaria caído de acordo com esta perspectiva, sobretudo pelo fato desta data ter se convertido em ocasião na qual as pessoas estariam preocupadas com os presentes a dar e a receber e não propriamente com o tal significado essencial.

Outra argumentação negativa e de cunho religioso direcionada ao Natal, seria aquela que apela para a sua origem pagã: que a festa não teria necessariamente nada que ver com o nascimento do Cristo e sim com um estratagema da instituição católica para permear de maior simbolismo seu calendário a fim de que as tradições do culto romano não fossem esquecidas e a fim de que a massa identificasse nestas datas momentos prostração diante do dogma católico.

E por mais que os shoppings centers estejam lotados nessa época do ano, e por mais que a publicidade e propaganda das empresas se articulem em torno desse momento propício ao consumo massificado e por mais que as famílias se articulem para os festejos, há um ranço para com o Natal que impele alguns, inclusive durante a ceia, proferirem sentenças tais como "só estamos fazendo esta ceia para não passar em branco pois o Natal não tem sentido".

Não é necessário ter sentado nos bancos de conceituadas universidades para saber que o ser humano é este que imprime sentido ao natural através dos símbolos que surgem de si, das interações que tem com os outros seres humanos e com a própria natureza.

O ser humano cria, e mais do que criar ele recria. Aquilo que já está estabelecido, oriundo de outra psique, pode ter seu sentido completamente alterado de acordo com um novo humor ou senso de utilidade com o qual esta criação se confrontar. Improvisações, novos usos, aperfeiçoamentos ou a arte são a prova disso.

Toda esta abstração para concluirmos que sim, o Natal enquanto símbolo, enquanto importante informação à disposição no jogo de atribuir sentido à realidade pode, enquanto tal, ter o sentido essencial preservado, negado ou alterado.

Preservado na medida que a alta cúpula da cúria, sacerdotes cristãos e crentes que consideram o Natal sagrado, cumprem a ritualística natalina à risca, atualizando-a a cada final de ano. Negado, no sentimento oriundo do protesto ou da desilusão para com o modo como a sociedade está estruturada e a crítica ao aspecto consumista do Natal ilustra esta negação.

A alteração do sentido, contudo, é o que me interessa nesta reflexão, pois, ela se relacionará com preservação e tradição.

Pois bem ou mal, a época do Natal é um momento propício à reunião, ao festejo: Natal enquanto pretexto para um bom churrasco, uma boa massa, boas doses de bebidas, doces, risos e prazer. Natal enquanto pretexto para o estar junto, para o gozo, para a festa.

E dentro de um mundo cada vez mais marcado pelo esvaziamento do sagrado nos fazeres cotidianos e datas comemorativas, o Natal enquanto pretexto para o gozo, para a festa, para a reunião com aqueles que se bem quer, potencializa-se por ocorrer no fim de cada ano, momento de saturação psíquica e física em boa parte dos indivíduos que estão imersos na roda viva, de tons repetitivos e angustiantes, do modelo sócioeconômico vigente: há sempre uma saturação a cada final de ano que anseia transbordo nos espaços tradicionais, também de final de ano, para este transbordo: Natal, Réveillon, Verão e Férias (para os afortunados...).

Emerge, portanto, a importância do Natal em tempos de pretenso esvaziamento do sentido em tudo: um espaço tradicional de transbordo da saturação psíquica e física acumuladas ao longo de um ano. Esta primeira definição da importância do Natal, talvez, seja de uma ordem utilitária, dentro de um escopo niilista de sociedade, o Natal enquanto mais um fator administrativo de pulsões loucas para vazar e que não conseguem assim proceder nas ordinárias datas, pois se encontram presas às formalidades do mundo do trabalho ou tensas demais no desespero da injustiça do cotidiano.

O carnaval tem este caráter administrativo mais exposto incluso por sua gênese. Porém, justamente pelo contínuo esvaziamento do sentido "original" do momento natalino, o feriado em questão agrega como mais um à disposição de uma massa que anseia extravasar do modo como convier, seja através da partilha na ceia, seja nos drinques que causam torpor durante todo um dia de não trabalho.

Porém, a fantasia de considerar sempre o lado bom de tudo vicia minha pena. Porque uma segunda definição da importância do Natal em tempos de esvaziamento e contestação de seu significado, seria aquela pautada na Tradição de se ter uma data à disposição destinada ao festejo e ao estar junto com aqueles que se estima. E a manutenção e defesa desta tradição deveria (aqui advogo a favor) ser bastião incluso daqueles que desconsideram e/ou criticam o Natal, mas que gostam de estar junto com os seus a cada final de ano, pois assim, altera-se o sentido, para si, desta data: muitos deste modo já procedem incluso eu.

Pois muito dos simbolismos que existem dentro do jogo social possuem raiz abjeta, arbitrária, preconceituosa, discriminatória... Contudo, o carinho, o amor, a solidariedade (eu acredito nessas instâncias, possíveis de se imiscuírem na dinâmica do cotidiano) têm o poder de alterar o sentido daquilo que nasce ignóbil: a mensagem do Cristo, convida-nos, a todo momento, realizar a difícil tarefa de alterar com olhos bons o pretenso mal da realidade.

São José, 08 de março de 2019

CCM