ENTÃO DE NOVO É NATAL
Natal: confraternização e solidariedade humana. Como compreendo o humano?
Datas festivas, de significado e sentidos relevantes ou que marcaram nossas vidas nos fazem pensar, refletir e construir outros sentidos. O natal é uma dessas muitas datas que pode ser recurso de autodesenvolvimento reflexivo.
Ao pensar no significado do ‘Natal’ que é o da confraternização e solidariedade humana, duas perspectivas me ocorrem: o universal e o circunscrito. O universal tem significado humanitário, referindo-se a todas as gentes, que deveria contemplar uma solidariedade global. Esse significado só pode ser anulado quando afirmamos (defendemos mais que afirmamos) que as palavras, seus conceitos e significados devem ser contextualizados. Nesse momento entra em cena a perspectiva circunscrita do ‘natal’. A dimensão axiológica transmuta-se de um significado universal (Natal) para outro, que é circunscrito, local, peculiar, familiar e sob alguns aspectos, pessoal (natal). Esse segundo ‘valor’ agregado ao natal, a partir da minha ótica (sempre estou mais errado que certo – mesmo assim arrisco me expor), justifica nossos atos e ações natalinas que se identificam sobremaneira distantes e descaracterizadas do sentido universal, e digamos humano, de confraternização e solidariedade.
Assim, nossas festas, muitas vezes de teor mais egoísta que fraternal podem ocorrer e transcorrer sem culpas e isentas de cobranças alheias. Porém, nunca podem esquivar-se de reflexões indicadoras da nossa cada vez maior incapacidade de compreender o humano como dimensão relacional ampla, além do nosso mundinho particular.
Nessa perspectiva entendo que os significados, sempre gerais, transformaram-se em sentidos, sempre particulares ou singulares. O sentido do natal então encontra acolhida e permite que confraternizemos com os nossos mais próximos. Incomoda-me, porém, quando percebo que nessa concepção de ‘mais próximos’, a ausência forjada de um ou mais membros de uma mesma família, ou mesmo uma situação particular que altera a estrutura afetiva de alguns membros, não é considerada e a festividade é mais importante que a relação humana que a deveria preceder. Causa-me perplexidade quando em uma mesma família separaram-se grupos para rivalizar e causar inveja ao outro. O sentido que se atribui, nesses casos, ao natal desconfigura seu significado e o distancia de uma acepção etimológica e universal.
No âmbito do significado universal, ou seja, o de contemplar a especificidade humana no contexto global permito-me a ponderação de que o espírito natalino que desconsidera o sofrimento de milhões de pessoas mundo afora não passa de hipocrisia. Defendemos a necessidade de sermos irmãos (fraternos), solidários e civilizados, humanizados, mas nossas ações, atitudes e comportamentos não se traduzem nessa dimensão. Acreditamos e defendemos que não podemos deixar de viver (e de festejar) só porque existem pessoas (distantes de nós) que estão sofrendo. É uma perspectiva de ver e interpretar a realidade que posso até entender, mas não aceitar, a não ser que:
a) desconsideremos que o processo civilizatório envolve o todo humano o que nos liberta da responsabilidade e solidariedade universais. Podemos então pensar que não podemos mudar o mundo todo e que nossa ação (uma festa opulenta) não influencia na resolução das mazelas alheias. Podemos igualmente atribuir culpados para essas situações como os políticos (as políticas), a cultura, as injustiças sociais (das quais eu sempre me isento de responsabilidade) o que reforça que estou livre para promover a minha vida. Reforço essa perspectiva quando faço alguma doação de valores e recursos que não me fazem falta. Ainda declaro que ‘se todos fizessem o que eu faço o mundo seria melhor’;
b) Somos humanos, mas humanos que se realizam e se desenvolvem em grupos socioculturais próximos primariamente. Entendo essa perspectiva como contextualizada e restrita no sentido de empregar a responsabilidade e solidariedade universais. Esse significado traz a ideia de que os meus ‘mais próximos’ são ‘mais’ humanos que outros humanos. De acordo com essa premissa a morte, a fome e destruição de centenas de crianças (em Alepo na Síria, por exemplo) não me afeta, nem me faz pensar, não me preocupa. Também confirma a ideia que temos sobre: para mudar o mundo devemos considerar a nosso mundo primeiro, o que valida nossos comportamentos quando nos consideramos em ‘paz’ com nossa consciência e, consequentemente, com nossos mais próximos.
Seja como for e como compreendemos o mundo e suas relações, nossos comportamentos reverberam em direção aos nossos semelhantes (o outro) onde se realiza propriamente como humano. Nessa direção temos duas perspectivas para considerar: a local e a global. Se o local significa mais que o global estamos isentos e inocentados de nossas opulências; se ao contrário, o global tem valor universal e, portanto, afeta-nos, tendo consciência ou não, não passamos de fariseus e hipócritas a partir da nossa autossuficiência contextualizada.
Feliz natal!