A PALAVRA POR E PELA HUMANIDADE

Tenho uma imensa dificuldade: não consigo ser apenas um poeta a fazer versos sobre o que está no meu entorno de viver, e o quanto me encanto com humildade perante o estranhamento e o alumbramento, só pra tentar pegar uma nesga de luz mimosa de verdades. Percebo, depois de tanto tempo, que tenho um vício de origem, uma condenação ao verso, à beleza, ao canto ritmado, uma verborragia "gauche" como a de Drummond: ser esquerdo na vida. O que conforta é que a codificação verbal inibe o meu derramamento de suor e sangue, e a ideia se faz Palavra. Afinal, li e leio tanto, que aprendi a conviver com a veraz poesia que me bate à porta, e incendeia as artérias. E como não tentar passar adiante o que tenho juntado nesta panela de mistérios ao pé do arco-íris? Sim, procuro partilhar o que tenho amealhado, porque entendo que a POESIA se identifica com o COMPARTILHAR. Se eu sou um arauto da Boa-nova, não posso ficar sozinho. Acredito no aumento da fauna dos que estão condenados ao pensar. A Poesia é somente o código de esconde-esconde, a humilde digital para se continuar vivendo com alguma dignidade. Realmente, Porto Alegre – a aldeia provinciana – imanta-me à Poética para que eu possa ser feliz e morrer em paz quando dobrarem os sinos da despedida. Sei que o que vai restar é o grito manso, dócil, de quem se doou ao receptor, e que se imaginou escravo da palavra por necessidade. Eu, todos os dias, beijo o chão por onde pisam os que têm a coragem de viver e cantarolar a inquietação e a angústia. E como é tempo de Natal, a palavra me colhe pelo caminho: uma auréola consumista para relembrar o Menino na manjedoura, numa estrebaria, entre pastores e bichos. No céu, a estrela de Belém a apontar o caminho da redenção pela Palavra pra quem consegue ver além do horizonte. E a vida se repete a partir do hausto de nos sabermos tão pequenos. Tal como a palavra – contrita – reza ajoelhada pela humanidade, os sinos nunca repinicam por muito tempo. Ficam o balido das ovelhas e o mugir dos bois...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015.

http://www.recantodasletras.com.br/natal/5491445