A BONECA DE NATAL
In Memoriam Luanda.
As lojas tentavam a população com seus produtos estrategicamente expostos nas vitrines para criar a ilusão de que todos podiam proporcionar alegria ao levar para casa o objeto desejado por aquela pessoa querida. Tal, mais ou menos, a linguagem utilizada nos anúncios.
Mesmo nos bairros mais afastados do centro comercial, as lojas acenavam com um esboço de felicidade pré-datada até para o mais necessitado ou imprevidente dos mortais. Os preços e as facilidades do crédito convidavam a se endividar, e a data justificava o endividamento.
Postado ao lado da porta de uma destas lojas da rua Butantã, encontrava-se um homem magro, modestamente vestido, carregando uma espécie de valise com fecho de zíper, que ele fazia correr num sentido e noutro. Difícil dizer se experimentava o seu funcionamento ou se a ação correspondia a nervosismo.
Várias caixas com brinquedos de plástico se encontravam na entrada do estabelecimento. O preço - módico - unificava os objetos. Cada caixa ostentava uma placa com o valor genérico. Pelo valor de cinco reais podia-se adquirir tanto um trenzinho como uma boneca de plástico marrom vestida com um macacão vermelho e um lenço na cabeça, amarrado à moda africana.
Por duas vezes, nas lojas populares da rua Direita, vira a conseqüência do furto. A primeira, duas moças que haviam furtado peças de lingerie, a segunda, uma boneca dentro de uma caixa.
O caso das moças se deu esquina da Praça Clóvis Beviláqua. Ele viu no momento em que o empregado da loja fez que elas abrissem as bolsas e de lá retirassem as peças furtadas. Alguns curiosos pararam para olhar. Uma das moças abaixou cabeça e deixou a mão escorregar ao longo do rosto, ocultando-o. Era metade da tarde e nessa hora a multidão se apinhava no local.
O homem que se apropriara da boneca era magro como ele. Pelo que havia podido observar, enquanto circulava pela loja entre as mesas de exposição, o homem cometeu o erro de prestar atenção excessiva ao brinquedo, chamando a atenção do funcionário encarregado da segurança. O movimento rápido que fez a caixa desaparecer no interior da sacola provocou um deslocamento sincrônico do empregado, e apesar do homem ganhar a rua em alta velocidade, sem correr, contudo, para não chamar excessivamente a atenção, porém a passos mais rápidos que os usuais nessa rua, permitidos porque nessa hora o comércio já começara a abaixar as portas, foi alcançado pelo segurança e outro funcionário, que devia servir-lhe de escudeiro. Sem resistência, o homem entregou a boneca. Isto não satisfez os guardiões da ordem comercial, que fizeram questão de levar o larápio para os fundos da loja.
A testemunha ainda teve tempo de ouvir o comentário de um passante "Sujar-se por pouca coisa não vale a pena!" Ele pensou na filha do homem, que inutilmente esperaria seu presente.
O homem magro não deixaria que sua criança pensasse haver sido esquecida por Papai Noel. Com passo firme entrou na loja