PARA UM CARTÃO DE NATAL
PARA UM CARTÃO DE NATAL
Em 25 de dezembro de 1901, há 110 anos, portanto, em Salto, Uruguai, nascia uma menina e como naquela época as pessoas respeitavam o santoral, seria batizada com o nome de Natividad, como se chamava então "la Navidad" (o Natal). Antes de ela completar dois anos a família, fugindo da extrema pobreza, atravessou o rio Paraná e se instalou no interior da Província de Entre Rios, Argentina. Lá Natividad cresceu entre crias de curral e galinheiro. Nunca aprendeu a ler ou escrever.
Com menos de vinte anos casou-se e teve catorze filhos. Destes apenas um não sobreviveu aos quarenta dias.
Com 40 anos recém completados, cansada das agruras da vida conjugal com um marido prepotente, decide abandonar a casa. Chega a Buenos Aires com um filho que dois dias depois completaria um ano e outro em gestação. Ela tem um irmão que há tempos mora na cidade grande. Instala-se na sua casa provisoriamente, por menos tempo do esperado porque descobre que a sobrinha mais velha maltrata sua criança quando ela sai para trabalhar. Discute com a cunhada que permitia o comportamento cruel da filha. Como é natural, o irmão fica do lado da mulher e Natividad sai da casa.
Aluga um quarto a uma quadra da casa do irmão e nunca mais falará com ele, proibindo os filhos de qualquer contato com esses (únicos) parentes. Nos próximos cinco anos ela viajará periodicamente até a província para trazer a criançada. O espanhol dono da padaria onde faz a faxina quer adotar uma das suas crianças uma vez que sua mulher não pode ter filhos. "A senhora tem muitos, nós não temos nenhum", argumenta o casal. "Ele será nosso filho, terá uma vida boa!" Ela agradece e recusa a oferta.
O quarto fica pequeno para tanta gente, ela procura outro a duas quadras do primeiro e lá instala a família. Lá viverão pelos seguintes quinze anos. Ali as crianças vão à escola e se tornam homens e mulheres trabalhando nos mais diversos ofícios, dali se espalharão com diversas sortes, criando famílias, se reproduzindo sem, contudo, perder totalmente o contato com a matriz.
Natividad viveu mais de 70 anos. Faleceu num hospital. O médico disse que tinha o coração literalmente partido por uma grande ferida. No momento da morte duas das filhas estavam com ela. Contam que Natividad conversava tranquilamente, em determinado momento virou o rosto como se fosse dormir e partiu. Morte justa para quem batalhou a vida inteira mantendo na linha um exército de filhos.