Ad argumentandum tantum
Olha o Cristo que nasce neste dezembro que dói. Vê esta manjedoura aonde a fuga e as perdas embalam o sono do Menino. Lá fora a estrela brada aos homens que o Amor nasceu. Reina em doçura, bondade e beleza, na quietude de anjos barrocos, o Filho de Deus.
E nós, (seres humanos?), somos tão ínfimos nesta sinéctrica existência.
O Natal não nos toca. Não nos chama pra dentro de nós. Há tantas dores no vagaroso olhar pra si mesmo
É feita de bruma tátil a nossa dor.
E dos telhados, onde antes as aves faziam ninhos, sopram solilóquios para os suspiros indiferentes da noite que tremeluz a cada gesto vão da triste história manchada de cinzas e sombras.
Da nódoa em nosso peito resfolega o sossego apático da indiferença inanimada que de tanto sentimento ninguém deu pela sua falta, escondendo-se em meio aos dias sem memória que sob a tarde e as mágoas entoam réquiens num murmúrio que ecoa na outra margem: requiem aeternam dona eis.
Esta é a nossa liberdade extrema: construir muros e paredes com nossos olhes distantes, com nossas mãos vacilantes, com nossas palavras dementes, como se fossem calmas precações.
Esta é a nossa verdade levada nos grãos de areia que o vento depõe para lá, para cá, conforme seja de norte ou de sul que nossas mãos despojadas aplaudam na penumbra o ego ébrio e sua lógica obscura.
Estivemos com os fantasmas que atendiam por nossos nomes, gritavam com a nossa voz, respiravam o mesmo ar de deslumbres, bebiam nossa bebida, comiam nossa comida e morriam do assombro de sermos sombras pequeninas de outras sombras para trás... [tão iguais... tão iguais.
E a velha noite calada todo ano acende uma estrelinha (uma vela) para os vivos, para os mortos, a perguntar por seus filhos que vivem na escuridão.
Seremos todos espelhos onde nos vemos, uns nos outros, aos berros contidos, onde nos vemos apesar da dor e da luz, aonde o que nos aterra é a claridade do espelho? [diz a lenda que sim.
Esgueiramo-nos para que a chuva não nos molhe, o sol não nos queime, o vento não desfaça nosso cabelo engomado a muita gosmalina e muito laquê.
Fugimos do abraço.
Guardamos as palavras duras junto com os cães adormecidos, deitados na mesma pedra, sob a cômoda da outra face, e vociferamos num rompante, magoados, tudo aquilo que não dissemos por comodidade ou malícia.
Guardamos olhares e rostos na caixa de metal frio.
E o sentimento fica sentado longas horas tentando apanhar os sorrisos que caem das fotos precipitadamente. Às vezes cai só um dente, às vezes despenca um queixo. Às vezes os olhos dos retratos choram lágrimas de silício e germânio, de cobre e alumino, ouro e prata .
No fim de tarde ameno os pássaros adormecem por entre folhas cetim, por entre galhos veludo e o mundo fica mais mudo até a noite ser fim.
E na noite puríssima a Alma, mãe e origem, sob milhares de anos outrora entregues, com zelo cruza as quatro portas do Tempo e diz nossos nomes afinal, envoltos em perfume de flores, em arroios guardados, sussurros dos Tempos infinitos.
A alma não é a imprecisão de Deus. A Alma é o destino que escolhemos ser. A Alma, como o Caos, compõem a eternidade.
Nossa Alma, sábia, imortal e eterna, morada de um só Deus onipresente, clama por Liberdade.
Nosso pensamento, perdido entre as reminiscências e os presságios, arrasta-nos para as sombras encantadas dos sentidos.
Criando um mundo de imagens e sons e sensações precárias e vazias em suas essências.
A eternidade abarca este mundo impálpavel, poeira de átomos, matriz de todos os seres.
Quantas luas provisórias erguerão-se ante a guerra emudecendo o tempo e cegando o ar vermelho do sangue dos nossos filhos?
E na noite de bronze clamamos ao Senhor o Amor e a Paz que não sabemos construir.
Senhor, tende piedade de nós.
Perdoa os nossos pecados e
nos conduza à vida eterna.